
Marcos Lopes
Sabe quando tomamos uma decisão que, à primeira vista, parecia extremamente difícil, mas que, depois de feita, começa a se mostrar a escolha óbvia e certa? Essa é a história de Ridley Scott com o roteiro de Gladiador (2000), filme que marcou a virada do século com o retorno do gênero épico aos cinemas e nos apresentou a poética e grandiosa jornada de Maximus Decimus Meridius (Russell Crowe).
A princípio, o diretor não aprovou a ideia de dirigir a produção, pois estava focado em trabalhar nas sequências de outras franquias, como Alien e Blade Runner. No entanto, em uma visita a Roma, ao vislumbrar a arquitetura da cidade e as pinturas de gladiadores em combate, sua decisão tomou um rumo diferente. Após este contato profundo com a cultura greco-romana, Ridley Scott aceitou fazer o longa.

25 anos após o lançamento, ainda podemos nos emocionar com a história do escravo que desafiou um império. Gladiador nos conta a jornada de Maximus, o maior general de Roma e braço direito de Marco Aurélio (Richard Harris), o imperador da época. Ao longo das conquistas do império, o general se tornou uma figura extremamente importante e essencial para a glória da cidade, o que o tornou o sucessor perfeito para o trono. Porém, Cômodo (Joaquin Phoenix), filho do imperador e herdeiro do trono, não aceita o desprezo do próprio pai e o assassina a sangue frio, assumindo o título de imperador e ordenando a execução de Maximus e sua família. Mas ele sobrevive e, após ver sua família morta, passa o resto de seus dias em busca de vingança.
A direção de Ridley Scott, somado à fotografia de John Mathieson e o impecável design de produção liderado por Arthur Max, remontam a Roma Antiga até nos mínimos detalhes, desde os figurinos ornamentados até a grandiosidade do Coliseu. Uma curiosidade interessante é a de que não foi permitido fazer as gravações na capital da Itália, onde o enredo se passa. Por isso, a produção decidiu explorar outras extensões do Império Romano antes de sua queda. Um bom exemplo foi a réplica do anfiteatro erguida em Malta, feita de madeira compensada e gesso. A fotografia retrata uma Roma grandiosa e transmite, de forma assertiva, a aura do império tal como ele era imaginado. No entanto, em termos históricos, a narrativa não compactua com a realidade e se permite contar uma jornada original, com personagens que nem sequer existiram na vida real.
Historiadores de todo o mundo criticam o filme pela péssima precisão histórica. Entretanto, esquecem que Gladiador é, acima de tudo, uma obra de ficção, sem compromisso com a realidade, o que não o diminui como Arte. Não se trata de um livro de história ou de um documentário sobre a Roma Antiga, mas de uma jornada de vingança, que busca envolver o público por meio de personagens fortemente inspirados em grandes figuras romanas. O protagonista, por exemplo, foi inspirado em Narciso, um atleta romano historicamente conhecido por ter matado o imperador Cômodo em 192 d.C.

Russell Crowe, no papel de Maximus, entrega um dos melhores trabalhos de sua carreira. O roteiro é ótimo ao nos fazer simpatizar com a causa do personagem, mas é Crowe quem nos conquista a cada olhar e fala. Fazia apenas quatro meses que o ator havia ganhado 40 kg para seu papel no filme “O Informante” (1999). E foi preciso que ele perdesse todo esse peso para interpretar Maximus. Seu personagem é cheio de pérolas de sabedoria, incluindo frases de Marco Aurélio, que, além de imperador, foi um grande pensador romano.
Joaquin Phoenix, como Cômodo, é nojento e assustador. O ator encarna um personagem oposto ao protagonista, é possível notar pela própria semiótica dos figurinos: Maximus, no início do filme, usa vestes em tons avermelhados, enquanto Cômodo está sempre com cores mais frias, como o azul. O personagem é um retrato da ambição, inveja e ganância, remetendo a vários outros tiranos que o mundo já conheceu. O ator, como já fez muitas vezes em sua carreira, quase desistiu de seu papel no filme, mas Ridley Scott não permitiu e o convenceu a continuar no projeto.

Gladiador tem uma carga política relevante até os dias de hoje. A famosa estratégia do “pão e circo”, usada em Roma como forma de manipular as massas, é explorada na obra com um subtexto bem interessante. O circo ganha vida no Coliseu, com as batalhas entre gladiadores, onde os romanos esquecem os abusos do império ao se entreterem com o sangue derramado na arena.
A cidade sempre foi fascinada por essa brutalidade, isso se reflete não apenas em seu circo, mas também em sua própria história. Roma é fruto dessa violência, e é nisso que eles acreditam. O próprio Senado, embora lute pela queda do Império, entende que o verdadeiro coração pulsante da cidade nunca foi o mármore de seus palácios, mas sim a areia do Coliseu.
Maximus, guiado pelo ódio e pelo desejo de vingança, torna-se a principal atração deste espetáculo romano, sendo peça fundamental em estratégias políticas. No entanto, o general não se limita ao puro ódio, pois se lembra de um sonho, tão frágil que apenas poderia ser sussurrado. O sonho de uma Roma livre do império, uma república próspera e justa. Esse era o ideal de Marco Aurélio, e cabia a Máximus, com os dias que lhe restavam, a missão de realizá-lo.

Por isso, a icônica cena em que o gladiador pergunta ao público se eles estão entretidos marca o momento em que o personagem entende a posição em que está e como pode usá-la para alertar Roma sobre sua distração. Uma cena curiosa, que parece flertar com a ideia de quebrar a quarta parede e nos fazer perguntar: será que o filme Gladiador, enquanto grande obra do entretenimento atual, também faz parte dessa política e tenta nos alertar de que o Cinema, principalmente hollywoodiano, pode ser um mecanismo de controle que nos distrai das questões importantes?
Hollywood vem, há quase 100 anos, dominando o mainstream do audiovisual e ocupando todas as salas de cinema em diversos países. Muitas de suas produções seguem um padrão que parece buscar, acima de tudo, a maior bilheteria possível. Trata-se de um Cinema que, pouco a pouco, perde sua expressão e autenticidade, preso a objetivos puramente comerciais que sufocam produções independentes e controlam um público que, de sessão em sessão, busca cegamente por ‘entretenimento’. Gladiador faz parte do mainstream de Hollywood, mas o utiliza de forma inteligente, tal como Maximus usou a ferramenta de controle do império como arma de destruição do mesmo.
Fato é que o filme se consolidou como um marco na história do Cinema, conquistando cinco estatuetas no Oscar: Melhor Filme, Melhor Figurino, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Som e Melhor Ator para Russell Crowe. Além disso, gerou um movimento apelidado de “efeito Gladiador”, que aumentou as vendas de livros sobre a Roma antiga e pavimentou o caminho para que filmes como Tróia (2004), Rei Arthur (2004), 300 (2006) e outros épicos pudessem surgir. Gladiador é uma obra grandiosa, emocionante e sensível, um épico cujos ensinamentos ainda ressoam e continuarão a ecoar pela eternidade.