Gabriel Fioravante e Tatiany Garcia
O fim da terceira temporada da série de maior sucesso do canal HBO, Game of Thrones, trouxe muitas surpresas para quem a acompanhava – os leitores da obra de George R. R. Martin, por mais que já soubessem o desenrolar da trama, ainda assim se fascinaram pela qualidade do que foi apresentado. Todo esse contexto fez com que a curiosidade pelo que vinha adiante crescesse cada vez mais entre os espectadores e colocasse um senso de responsabilidade na temporada seguinte para que ela estivesse no mesmo nível da qual a precedeu.
Baseada principalmente nos eventos da segunda metade do livro A Tormenta de Espadas, a 4ª temporada de Game of Thrones desta vez levou aos leitores de As Crônicas de Gelo e Fogo a se surpreenderem, de forma inédita, com novos acontecimentos e novos caminhos seguidos por alguns personagens. Assim, o principal marco desse retorno é o distanciamento da obra original, mostrando um nível maior de independência dos showrunners D.B. Weiss e David Benioff. A partir daqui os livros e a série se tornam produtos dissociáveis, mesmo que a essência da história seja mantida.
Em meados do quarto episódio, quando Bran (Isaac Hempstead-Wright) e Jon Snow (Kit Harington) vão até a casa Craster, fugindo de seus respectivos arcos originais, fica claro que muitos personagens a partir dessa temporada fariam uma espécie de “ponte”. Enquanto alguns desvios melhoram a trama, outros são praticamente desnecessários. Por exemplo, ao invés de Jon ficar recluso na Muralha, desenvolvendo seu arco tal como nos livros, os produtores decidiram levá-lo a Casa Craster, para só posteriormente em sua volta dar continuidade na história. Muitas dessas “pontes” servem como uma tentativa de experimentar novos caminhos aos personagens, diferenciando dos livros, mas também como uma forma de obter mais cenas de ação. Além disso, alguns encontros improváveis chamam atenção, como entre Brienne (Gwendoline Christie) e Sandor Clegane (Rory McCann), em uma das mais divertidas batalhas de toda série. Essas uniões têm como principal objetivo evitar a fragmentação dos episódios e fomentar a história em um âmbito geral.
Além da característica mais marcante dessa temporada ser a emancipação dos livros, a promessa de Weiss e Benioff de que veríamos mais violência, mais impacto e emoção cumpre-se. Logo nos primeiros episódios os núcleos são apresentados sem pressa afim de um maior desenvolvimento. Novos personagens são introduzidos com a finalidade de obter outras dimensões e perspectivas aos núcleos já estabelecidos, como Oberyn Martell (Pedro Pascal), que chega a Porto Real com o objetivo de vingar sua irmã e cruza o caminho de Tyrion Lannister (Peter Dinklage), sendo fundamental para a jornada do anão. A princípio, tudo é trabalhado pelos produtores a fim de preparar o terreno para o que viria a seguir.
Um dos maiores impactos surge logo no terceiro episódio, onde Cersei (Lena Headey) sofre um estupro por seu irmão Jaime (Nikolaj Coster Waldau), mas com uma proposta não muito clara sobre o porquê dessa decisão para a personagem. A emoção fica com Daenerys (Emilia Clarke) e seus dragões, mesmo de uma forma mais fechada em seu núcleo. O arco dela segue um estilo diferente, com uma espécie de inversão, pois o auge da personagem acontece em suas primeiras aparições. Assim, o final é reduzido a fatos pontuais e sem o foco dado a ela pelos produtores, tal como nas últimas temporadas. Tanto Verme Cinzento (Jacob Anderson), quanto Missandei (Nathalie Emmanuel), são essenciais a esse núcleo já que humanizam mais uma história onde o foco são dragões e uma rainha.
Com um impacto inicial muito maior, o tão odiado jovem rei Joffrey, morre na festa de seu casamento, envenenado pelo vinho após um reinado inesperado, imaturo, opressor e individualista. Mesmo a maioria dos espectadores torcerem pela morte do tirano, ninguém imaginaria que já no segundo episódio da temporada este fato ocorresse. A morte rápida e intrigante fora consumada, porém o mistério como de costume dos roteiros da série, foi levantado: Quem matou o rei Joffrey? O cenário da morte estava perfeito, com um aspecto teatral. O casamento de Joffrey e Margaery Tyrell, cercado pela possível ideia de ‘’paz’’ entre os reinos, a estabilidade de Cersei, por continuar no trono e a presença de Tyrion Lannister, tio e odiado pelo jovem rei. A violência não é apenas física, mas também psicológica ao ver os momentos finais de Joffrey. Porém, logo nos demais episódio, a sangria se torna evidente, muitos cortes nas gargantas, requintes de violência, criando mais expectativas aos fãs, que logo de cara se chocaram com sua morte. Então, o enigma surgiu. Por um lado, todos os participantes da cena assustados com o acontecido, tentando compreender a situação, e por outro, Cersei já com possíveis acusações para o assassinato. Sim, o alvo central era Tyrion. Sabemos que a relação dos dois nunca fora de muitos amores, portanto, o primeiro a ser suspeito, seria o tal. Mesmo com tapas, xingamentos e um mau relacionamento de Tyrion com Joffrey, o anão, nunca se mostrou capaz de tal ato e de tal forma. Tyrion é mais preferível ao prazer do combate, do que a simples morte por envenenamento. A sua inteligência o eliminaria deste caso, já que ele pensa em soluções maiores para os problemas do reino e sabia que matar o sobrinho não resolveria em muitos. Ele possui seus defeitos, porém a sua acusação se tornou mais pessoal do que por um motivo específico. Mas, esses argumentos não podem ser usados para definir se o réu, realmente é o assassino, pois ao decorrer da temporada, ele foi julgado. Uma tarefa difícil, que fora muito bem abordada pelos produtores, era como trazer este fato decisivo para o andar do enredo. Colocando já no começo, o enigma proposto poderia ecoar com mais fluidez, elencando diversas dúvidas e incertezas, fazendo o público repensar e pensar cada vez mais. O julgamento de Tyrion seria levado para o final da temporada e as consequências desta morte seriam refletidas em mais confrontos e desordem entre as casas.
O ponto mais alto dessa temporada tem um nome: Peter Dinklage. O ator nasceu para ser o anão Tyrion Lannister e sua atuação é de cair o queixo em especial no episódio “The Laws of Gods and Men”, quando acontece o julgamento pela morte de Joffrey. Tudo dito naquele tribunal pelo personagem só constrói maior empatia entre o personagem e o espectador e acertadamente é reservado um grande espaço para o desenvolvimento dessa cena.
Alguns personagens não possuem tanto destaque, não por questão de tempo de tela, mas sim por possuir uma história mais simples e que não tem destaques expressivos. Sansa (Sophie Turner) tem muito mais importância dentro do contexto ligado ao arco de Tyrion, e que vai se encontrando ao longo da série até mostrar que a Sansa ingênua de outros tempos não existe mais. Ainda na mesma família, Bran (Isaac Hempstead-Wright) tem um desenvolvimento simplório e o seu núcleo, apesar de interessante, ainda não deslanchou. Apesar disso, os irmãos Reed são os destaques, principalmente na resolução final, em uma ótima batalha antes de encontrarem com o Corvo de Três Olhos. A morte de Jojen Reed é mais para um impacto do que como alternativa narrativa, mas que vale a pena pela ótima cena de batalha arquitetada.
Em aspectos técnicos, essa temporada foi de longe a maior e melhor. Desde o design de produção até a movimentação de câmera utilizada, são de uma precisão ainda não alcançada anteriormente pelos realizadores. Não só os dragões, mas todos os efeitos especiais na criação de criaturas e de cenários demonstram que mesmo sendo uma série, o trabalho com o visual é digno de filme hollywoodiano. O diretor Alex Graves –que mais se destaca dentre aqueles que compõem o grupo de diretores- constrói uma dinâmica muito interessante entre os personagens e o último episódio seguindo a fórmula das outras temporadas, é um grande exemplo. O enquadramento utilizado pelo diretor é preciso e os personagens convergem com os cenários, soando mais natural toda a trama construída. A Muralha é vista com maiores vislumbres no episódio “The Watchers on the Wall” dirigido por Neil Marshall e é um fator narrativo decisivo na batalha contra os selvagens, magistralmente conduzida com uma câmera em movimento, “viajando” por todo o cenário enquanto os personagens lutam. A trilha sonora composta por Ramim Djawadi é um dos pontos positivos e mostra certa evolução das temporadas passadas, já que é essencialmente mais sentida e cumpre seu papel em passar maior emoção em momentos cruciais, tal como no enterro de Ygritte (Rosie Leslie), na batalha contra os selvagens e na música tema de Daenerys com os dragões.
Não há como falar de Game of Thrones e não comentar acerca das mortes, sexo e violência. Esses dois últimos têm uma vertente diferente, pois quando não são necessários para o desenrolar da trama, soam despropositados. Os momentos mais importantes dessa temporada são fiéis ao livro, por mais que haja esse distanciamento entre série e livro. Há um significado muito forte para a morte de Tywin, Oberyn, Joffrey, Ygritte e Shae com temas como paternidade, amor, família, entre outros. Os três primeiros respectivamente são perspectivas diferentes para a definição de família e as duas últimas oposições na representação de amor.
E quem não gosta quando uma questão romântica é retratada em uma série, cheia de torturas e sangue? Uma flexão no roteiro sempre é bem vinda, quando se trata de um público tão grande e empolgado como o de Game of Thrones. O romance mais intrigante da série, só poderia ser o de Ygritte e Jon Snow, recheado de brigas, aventuras e novas experiências, que salienta uma realidade pouco explorada em Game of Thrones: um possível amor, não apenas voltado às relações passageiras e desprendidas de sentimentos, vistas ao decorrer das temporadas. O relacionamento entre os dois é de um caráter improvável. Ygritte, uma mulher, séria, selvagem, destemida, independente, focada em seus objetivos, uma guerreira em núcleo, se depara com um Jon Snow, destemido, cheio de bravura, em busca da ordem e justiça, mas ao mesmo tempo medroso, despreparado, imaturo e vulnerável para questões amorosas e pessoais. O primeiro encontro, na terceira temporada, não foi de nenhum sentido romântico em comparação a um romance de Nicholas Sparks, mas para o caráter da série, os produtores se mantiveram fiéis, elencando da melhor forma, um relacionamento improvável e construído por sentimentos, com o perfil de Game of Thrones. O começo se vê cercado por questões individuais, em maior proporção, por Ygritte que precisa levar Jon Snow até os selvagens, por ele ser considerado uma ameaça. Seu jeito forte, independente e selvagem, atrai Jon Snow que se vê totalmente despreparado para a situação, e revela que Ygritte é sua primeira mulher, o que dá mais força a figura feminina que é representada como frágil e submissa por grande parte dos romances. Um forte motivo para essa relação ter se firmado, após um longo período marcado por grande resistência de ambos, é o despreparo de Jon Snow, pois ele se depara com uma mulher totalmente independente, preparada, que sabe o que quer e repassa a Snow ensinamentos sobre muitas coisas, inclusive valores que ele não possuía. Portanto, ele se sente atraído pela força e coragem de Ygritte, que também não resiste aos encantos do rapaz. A cena da caverna é um forte exemplo da figura feminina independente, demonstrando atitude e interesses, com correspondência de Jon Snow. O crescimento e amadurecimento dele fora evidente, seu comportamento mudou após sua relação com ela, e que o romance entre os dois serviu para unir cada vez mais o público e a série.
Não há dúvida de que houve uma evolução notável, principalmente em aspectos técnicos em relação às outras temporadas. A narrativa vai se estendendo e cada episódio a angústia por uma resolução para a trama cresce. Agora o desafio ainda é maior já que houve uma emancipação entre série e livros e muitos personagens têm indefinições acerca de seus arcos. Se pela última vez ouvimos um “Você não sabe nada, Jon Snow”, pela primeira vez podemos desfrutar de novos caminhos e perspectivas dos personagens em uma série com renovação e com muitos elementos ainda para se apresentar.