Fernando Coimbra mistura filmes de gangue com Macbeth em Os Enforcados

O cenário é uma cozinha. Na cena, Valério está sentado com um canivete na mão, chorando, e com a cabeça deitada no peito de Regina. Ele veste uma camisa preta. Regina segura a cabeça de Valério contra o seu peito. Ela está com uma roupa branca manchada nas mangas.
Fernando Coimbra já trabalhou com Leandra Leal em O Lobo Atrás da Porta (Foto: Gullane Filmes)

Guilherme Moraes

Após um hiato de mais de dez anos, depois de lançar O Lobo Atrás da Porta, Fernando Coimbra retorna na direção de Os Enforcados, filme que debutou na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Mostra Brasil. Na trama, Regina (Leandra Leal) influencia o marido a cometer um crime na busca por tomar o comando dos negócios, ao melhor estilo Lady Macbeth. No entanto, os planos dão errado e, conforme a narrativa avança, Valério (Irandhir Santos) vai assumindo cada vez mais a postura de gangster.

Obra-prima de Shakespeare, Macbeth conta a história de um homem que decide usurpar o trono influenciado pela sua mulher. Fernando Coimbra faz uma releitura desse enredo e de elementos tipicamente shakespearianos e leva tudo para um lado mais cômico. As aparições fantasmagóricas com profecias são substituídas pela presença da mãe golpista de Regina, que faz falsas predições por meio de um jogo de tarô. Os conselhos da protagonista para o marido não são friamente calculados, como faz Lady Macbeth, mas sim desesperados e que levam a graves consequências.

Além disso, existe um aspecto de filme de máfia bem forte. A partir do momento em que Valério precisa assumir o posto de chefe do negócio, as decisões tomadas precisam ser frias e violentas. Os personagens se vestem e se comportam como mafiosos das obras de Martin Scorsese e da trilogia O Poderoso Chefão (1972), com um sorriso que é, ao mesmo tempo, sádico e natural. Ainda existe uma certa comicidade já citada, pelo fato do golpe ser mal sucedido. O protagonista mata seu tio, Linduarte (Stepan Nercessian), para pegar a sua parte do jogo do bicho, mas, no final, descobre que havia apenas dívidas.

O cenário é de um cais. Nele está uma mesa cheia de comida. Na esquerda está o personagem de Ernani Moraes com uma camisa verde, olhando boquiaberto para o centro da mesa. Na direita o personagem de Pêpê Rapazote com uma blusa marrom, olhando para o centro da mesa. No centro está Valério com uma camisa azul e em pé, mexendo com as mãos em um prato de comida. Mais a fundo dele estão dois seguranças. O da esquerda está com camisa azul, e o da direita está com uma camisa preta.
“Regina, você vai precisar saber negociar para sair dessa situação” (Foto: Gullane Filmes)

Esse lado da trama vai transformando Valério que, inicialmente, usava uma máscara de bandido para assumir uma nova persona e cometer os crimes que ele não tem coragem de fazer. “O seu marido é um frouxo”, essa é uma das frases proferidas durante as fantasias sexuais do casal. Contudo, a realidade se choca com os desejos fetichistas de ambos. Se Regina, idealmente se imaginava com um homem mais violento e imponente, ela se encontra desesperada para fugir quando a agressividade e o estupro passam a ser reais. Paralelamente, Valério vai assumindo cada vez mais essa persona, até chegar o momento em que nem mesmo usa sua máscara, pois ele e o bandido já são a mesma pessoa.

Se não existe a inteligência e a sutileza de Lady Macbeth em Regina, sobra a frieza e o instinto de sobrevivência. Durante todo o longa, ela encarava a parede que escondia o corpo do tio de Valério e tinha medo de que descobrissem, mas isso não passava de uma representação da própria personagem, que entendia aquilo como um retrato da própria podridão e morria de medo do que iria sair dali. A última cena finalmente a liberta e revela quem ela é, junto com todos os seus segredos.

Certamente, Os Enforcados foi um dos grandes filmes da Mostra SP deste ano, com humor bem dosado e a construção de personagens bem interessantes. Para aqueles que estiveram nas sessões do evento, ainda tiveram o prazer da presença do diretor para falar sobre o filme. Ainda que dez anos seja muito tempo, Fernando Coimbra fez valer a espera para lançar um novo filme nacional.

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