Guilherme Reis Mantovani
Christopher Nolan é um dos cineastas mais aclamados da atualidade. Não apenas por seu talento indiscutível e reincidente, mas por sua versatilidade em abordar temáticas diferentes em filmes que mantêm um nível de excelência considerável. Por uma década e meia, uma legião de fãs fervorosos chegou a duvidar de sua capacidade de falhar, sobretudo após obras-primas como Amnésia (2000), A Origem (2010) e Interestelar (2014).
O que nos trás a Dunkirk, seu décimo longa-metragem. O filme possui uma abordagem histórica digna de ser explorada: a evacuação em massa de soldados da Força Expedicionária Britânica da cidade que dá nome ao filme. Após as conquistas iniciais de Hitler em 1939 e 1940, a Wehrmarcht direcionou sua atenção àquele que seria seu maior desafio até então: a invasão da França. Respeitando sua diretriz de guerra relâmpago – que resultou na conquista da Polônia, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica e Luxemburgo em menos de um ano de guerra, com êxito alarmante –, a Alemanha projetou um plano de avanço veloz por trás das linhas aliadas, confinando-as na fria e inóspita praia de Dunkirk no litoral norte francês. Ao todo, mais de 400 mil soldados britânicos e franceses viram-se cercados e entregues à própria sorte, enquanto a última potência democrática na Europa continental caía nas mãos de Adolf Hitler.
O cenário aterrador deste episódio nos transporta a um filme acertadamente angustiante. A essência da obra reside quase que exclusivamente na atmosfera de tensão criada e, assim, transporta-nos para o contexto mencionado, cujo único objetivo é voltar para casa, sendo que tal objetivo independe de nossos esforços; a impotência é um elemento muito forte e que nos causa aflição do início ao fim da projeção.
Exatamente por isso, Nolan opta por praticamente não desenvolver seus personagens (note, por exemplo, que há muito poucos diálogos no filme todo) e dar mais atenção ao desesperado anseio de salvação. Baseado na proposta da obra, esta é uma decisão plausível, mas que nitidamente deixa a desejar: a falta de arcos narrativos para os personagens evita uma empatia para com o público, deixando de criar o valioso sentimento de “eu realmente me importo se o cara na tela vai viver ou morrer.”
O maior acerto de Dunkirk são seus aspectos técnicos. Visualmente impecável, é impressionante contemplar planos abertos contemplativos, que nos oferece uma visão melancólica da situação em que os personagens estão inseridos e nos impressiona com a grandiosidade da tentativa de evacuação.
A trilha sonora e a mixagem de som, vale ressaltar, são irrepreensíveis: desde o caótico zumbido de balas contra o casco de um barco, passando pelo volume da explosão de torpedos, até a sirene ensurdecedora das Stukas, aviões da Luftwaffe – a Força Aérea alemã – que tinham como objetivo o abalo psicológico das tropas inimigas com seu som estridente, além, obviamente, da destruição pontual dos bombardeios. Todo o fundo musical do longa é um espetáculo a parte, capaz de mergulhar o público nos conflitos vistos na tela e de, inclusive, suprir a falta de emoção em momentos pontuais da trama, resultado da pobre construção dos personagens citada (na verdade, já é de praxe elogios ao compositor Hans Zimmer, definitivamente o melhor no ramo na atualidade).
Um aspecto extremamente interessante em Dunkirk é o fato de que o inimigo nunca é visto. E mais: observe como em nenhum momento há a mera menção à “nazistas”, “alemães” ou mesmo à Hitler. Este recurso torna a ameaça que os personagens enfrentam muito mais alarmante e perigosa, quase como se enfrentassem um inimigo metafísico, espectral. Desde a primeira cena, ouvimos apenas o som de tiros, levando alguns soldados a morrerem, um a um, sem nem ao menos saberem de onde vêm os disparos; ou quando vemos apenas um torpedo, que surge sabe-se lá de onde, sem qualquer alerta prévio, para afundar um dos navios de transporte e levar alguns de seus tripulantes à uma morte agoniante.
Por outro lado, o filme falha em um ponto crucial da narrativa, na qual Nolan exibia domínio completo em seus outros projetos cinematográficos, que é a temporalidade. O longa intercala seus eventos entre três linhas temporais distintas, cada qual estabelecendo sua própria narrativa que também é baseada em determinada posição geográfica. Acompanhamos um núcleo com os soldados que estão em terra junto à seus comandantes esperando ajuda; outro no ar, com dois pilotos da Força Aérea Real; e um último centrado no mar, protagonizado por civis que decidiram por conta própria auxiliar na operação de resgate de seus conterrâneos. Esta é uma ideia inovadora e atraente para a condução da história, mas se mostra ineficaz pela forma como é conduzida e, em alguns momentos, confusa.
Dunkirk não é um filme de guerra tradicional. Suscita no teor poético sua principal característica e pode ser considerado um primor técnico com filmagem, montagem, edição e trilha sonora que beiram a perfeição. Contudo, peca na estruturação do roteiro e na falta de complexidade de seus personagens. Apesar disso, elucida muito bem um dos episódios mais memoráveis da Segunda Guerra Mundial. Não se tratou de uma epopeia aclamada, conforme o próprio Winston Churchill chegou a cravar na época: “Guerras não são vencidas com evacuações”.
Tampouco foi um momento de pura desolação; afinal, o chamado “Espírito de Dunkirk” tornou-se lema da propaganda do Império Britânico e uniu todo o povo inglês ao redor de um penoso esforço de guerra. O filme, mais do que isso, faz jus às palavras de Arthur Gwynn-Browne, apenas um entre os milhares de soldados que lutavam na França e foram resgatados: “Eu estava num navio, e qualquer navio, sim, qualquer navio é a Inglaterra. Fiquei parado, engolindo as brisas marinhas. Nenhuma fumaça, nem fogo, nem densos nevoeiros cinzentos de óleo… mas brisas marinhas. Eu estava vivo, e era maravilhoso.”
Neste sentimento puro e simples, reside a essência de Dunkirk.