Divertida Mente 2 acende alerta para o distúrbio de ansiedade e ensina sobre inteligência emocional

Ansiedade tomando a liderança na mesa de controle da cabeça de Riley, com sua base na cor da emoção que controla no momento, desta vez é laranja, representação da Ansiedade. Enquanto isso, os tradicionais sentimentos abordados no primeiro filme estão em segundo plano assustados com o trabalho da agonizante laranja, que não vê problema no que está fazendo.
O longa-metragem dirigido por Kelsey Mann bateu a marca de US$1,46 bilhão em bilheteria mundialmente, superando Frozen 2 e Os Incríveis 2 (Foto: Pixar)

Livia Queiroz

Como evitar que memórias ruins gerem convicções equivocadas?”. Essa é uma frase da Nojinho no final da trama desse filme, após uma conclusão da Alegria de que lembranças que não nos agradam devem ser colocadas no esquecimento. A verdade é que todas as nossas memórias são importantes e criam o que somos, as boas formam nossas expectativas, sonhos e habilidades sociais, e as ruins nos ajudam a sermos mais fortes psicologicamente e a digerir nossos erros para melhorar nossas atitudes. Divertida Mente 2, lançado em Junho de 2024 e candidato ao Oscar de Melhor Animação, é recheado de filosofias do crescimento pessoal. 

O segundo filme chegou aos cinemas após quase dez anos desde o primeiro e, dentro da história, se passaram três anos. Com isso, a narração gira em torno da passagem da Riley como criança ao início da adolescência e, consequentemente, a chegada da puberdade. Então, nada mais normal do que surgirem novos sentimentos, mais sofisticados e, antes, não necessários – como diz a Ansiedade no longa. Assim, começa a ‘bagunça’, com quatro novas personagens: Ansiedade, Vergonha, Tédio e Inveja. Apesar de todas serem vistas pelo ser humano como defeitos, elas têm papéis fundamentais na construção social; a sofreguidão, por exemplo, nos ajuda a recordar e se importar com nossas tarefas, relações e eventos, e o aborrecimento nos leva a buscar aventuras para nos satisfazer e se livrar da monotonia. 

Assim como no primeiro filme, a psicologia das cores é praticada na criação de cada nova emoção. A Ansiedade é laranja, com personalidade energética, overthinker, atrapalhada e que se vê na obrigação de cuidar e se preocupar com o futuro, fato comum do distúrbio psicológico. Já a vergonha foi colocada como um homem gigante rosa com nariz grande e um moletom para se esconder em sua timidez, mesmo assim, ele foi um dos que se mostraram mais corajosos e dispostos a mudar os problemas que a Ansiedade cria ao longo da trama. O tédio foi personificado como uma francesa roxa desinteressada com o mundo, ficando alheia em seu celular; uma clara e fiel representação do desenvolvimento social das novas gerações junto da tecnologia. E a Inveja, uma pequena menina verde turquesa de olhos esbugalhados e brilhantes, uma referência à expressão “olho gordo”, que apoia e inveja Ansiedade o tempo todo. 

 Os novos personagens do filme são apresentados na cabine de controle emocional da Riley, sendo eles, da esquerda para a direita respectivamente, o Vergonha, um gigante rosa de moletom cinza, a Inveja, pequena menina com grandes olhos, Ansiedade, personagem laranja com cabelos espetados e uma boca enorme, e a Tédio, que não é mostrada no frame
Culpa, Ciúmes e Humilhação também eram novos personagens considerados durante o desenvolvimento da história, mas acabaram não fazendo parte da sequência (Foto: Pixar)

O início do longa-metragem é uma recapitulação dos primeiros 15 anos da protagonista, mostrando o seu crescimento, o que foi uma ótima ideia já que, tecnicamente, a audiência ‘perdeu’ três anos da vida dela. Primordialmente, existe uma beleza intencional por trás da demora para a sequência chegar aos cinemas, as crianças que antes viram o filme na mesma idade ou até menores que a Riley, chegaram para a segunda obra cinematográfica já tendo vivenciado o que ela estaria passando e, nesse sentido, correlacionam as situações e sentimentos com si mesmos. Essa nova filmagem torna-se, então, uma terapia lúcida em formato de animação, já que seu público alvo continua sendo o público infantil e a intenção é ser um programa familiar. 

Essa genialidade, que foi o ápice da sequência quando observamos a proposta de inteligência emocional que a obra promete, só foi possível com um roteiro mais complexo que o anterior, com construções de diálogos mais profundos e reflexivos, no sentido de abordar problemas da vida com maior seriedade. Um exemplo dessa abordagem é o Senso de Si – figura mental que guarda nossas convicções por meio de aprendizados de memórias e que molda quem somos – o qual é destruído conforme a Ansiedade toma o controle da mente, trazendo a conclusão de que esse transtorno faz esquecermos de nosso juízo. Ficamos tão pilhados com possibilidades e medos que não ‘ativamos’ nosso discernimento sobre o nosso ‘verdadeiro eu’ e, então, acabamos fazendo algo que não é do nosso feitio. Por essas razões, é inegável a ousadia e habilidade dos roteiristas, Meg LeFauve e Dave Holstein, ao tratarem de uma emoção tão complexa como essa e, mesmo assim, manterem o filme leve. 

Entretanto, a complicação e clímax da filmagem colocam uma máscara de vilã na ansiedade como um todo, para somente no final deixar implícito que não existem emoções ruins. Teria sido mais agradável para interpretar corretamente se o público visse mais da vulnerabilidade da personagem para além de quando ela ativa uma crise de ansiedade na Riley e perde o controle, se arrependendo veementemente. Em contraste com o erro, a produção soube diferenciar um distúrbio de um sentimento comum de forma cativante. O excesso de ansiedade é tratado no filme como o principal vilão, e ele realmente é. A inquietação é natural em pequena quantidade, ela nos faz pensar mais em cada possibilidade – como a primeira ação da criatura laranja para ajudar a protagonista – mas a doença (que se caracteriza a partir do momento que a Ansiedade isola as antigas emoções) não é saudável e isso é mostrado em diversos momentos que a Riley poderia ter aproveitado o momento presente – como as pequenas conquistas nos treinos de hóquei – porém não o fez, pensando no futuro. 

Alegria, emoção amarela com cabelos azuis e a única que é envolvida por uma aura também azul, está incomodada com algo que está vendo a sua frente enquanto Ansiedade, figura laranja de aparência eletrizante, tenta tomar o controle das emoções de Riley novamente e Inveja, menina pequena cor verde turquesa, observa o desenrolar do conflito.
A animação se tornou a maior estreia da Pixar, arrecadando U$295 milhões (equivalente a R$1,5 bilhão) em seu primeiro fim de semana nos EUA (Foto: Pixar)

É perceptível que Alegria não gosta da mudança com a puberdade e novas emoções se envolvendo na vida de Riley, muito embora ela não admita até o final de Inside Out 2 (no original). O motivo? A nostalgia da vivência que teve com a menina até crescer na adolescente que e a insegurança para caso ela não precise mais das ‘velhas’ e tradicionais emoções. É por essa sensação que outra filosofia é refletida no clímax do filme: seria normal sentirmos menos alegrias depois da infância? Sim, no primeiro setênio da vida somos muito inocentes, não compreendemos a diferença entre o que é bom e o que é maldade e tudo vira uma descoberta – o que consequentemente causa felicidade pela curiosidade atingida. Porém, isso não significa que não haja momentos de felicidade nas próximas fases da vida e que devemos deixar que a insegurança e ansiedade tomem conta de nós, como ocorreu com Riley. 

A Alegria, principal emoção da protagonista, passa por uma transição assim como sua dona, experimentando outras sensações além da sua própria. Um exemplo dessa mudança é quando eles fogem do isolamento e buscam por soluções para chegar à cabine de controle da mente novamente, já que a figura que emana felicidade surta de raiva e mostra sua preocupação e tristeza com a lentidão para resolverem os problemas causados pela Ansiedade. Essas cenas são o que nos conformam de que não somos nós mesmos se nos limitamos a somente memórias boas, como questionado por Nojinho no filme. O que nos leva ao final do longa, quando as emoções aceitam que todas elas são importantes para a Riley ser quem ela é e formar, então, seu Senso de Si verdadeiro, um exemplo de auto aceitação e reconciliação, mais um elemento da inteligência emocional que a cinematografia quis ensinar. 

Além dos problemas na cabine cerebral, alguns eventos canônicos da vida de toda adolescente são mostrados na obra, como a separação entre amigas por mudanças de escolas, a estranheza do início da puberdade, os primeiros crushes, crises de personalidade na transição entre infantilidade e juventude, e a vontade de impressionar pessoas mais velhas nas quais você se inspira. Esses momentos também são de extrema importância para a construção da intimidade e carinho do público com a protagonista, já que elas se enxergam nas mesmas situações que ela está experienciando. 

Com um botão de emergência da puberdade em alarde, as emoções de Riley (Tristeza, figura azul, Alegria, personificação amarela, Nojinho, mulher verde, Medo, homem magro e lilás e Raiva, personagem vermelho) se assustam com tanto barulho
Kelsey Mann é o novo diretor da série de filmes, autor das obras Universidade Monstros (2013) e O Bom Dinossauro (2015) (Foto: Pixar)

Fora da trama, como sempre, a Pixar surpreende com a beleza na produção de suas animações, cada ambiente novo dentro da cabeça de Riley era feito pensando nos mínimos detalhes e significados. O mais lindo é com certeza o Centro de Convicções, que constitui uma cachoeira com brilho azul fluorescente que vai banhando as memórias, que formam convicções por cordas brilhantes as quais ligam-nas para se juntarem ao Senso de Si no formato de uma árvore, uma metáfora para o crescimento pessoal. 

Por fim, o filme tem uma mensagem para os adultos e, principalmente, aos pais de crianças e adolescentes: Tenham paciência com seus filhos, vocês já tiveram a idade deles e sabem como é difícil passar por mudanças significativas em si mesmo. Esse nível de compreensão recomendado entre pais e filhos é de extrema importância para a construção de relações mais saudáveis na adolescência – fase conhecida pela ausência de diálogo entre os dois grupos – que, consequentemente, levarão a uma vida adulta com maior afeto e longevidade, ou seja, uma divertida mente.

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