JPEGMAFIA e Flume mergulham na experimentação musical e flertam com o delírio em We Live In A Society

Aperto de mão entre duas pessoas, uma de pele preta e outra de pele branca, com fundo branco.
“We Live In A Society”, lançado dia 2 de maio (Foto: Flume)

Talita Mutti

O processo de construção de um projeto musical pode levar tempo e exigir muito estudo, principalmente quando se trata de um álbum que precisa carregar um conceito e coerência entre as faixas. Em um EP (Extended Play), há apenas a junção de algumas músicas que não necessariamente seguem um sentido conceitual, mas que apresentam um novo estilo ou funcionam como um teste fora do habitual do artista. JPEGMAFIA e Flume parecem ter brincado um pouco com essa definição em ”We Live In A Society”, lançado em maio de 2025. Os dois já haviam colaborado anteriormente em “How To Build A Relationship, para uma das faixas da mixtape Hi This Is Flume. Mas, desta vez, encontramos uma curta sessão musical entre dois artistas que pode ser proveitosa, peculiar e altamente experimental.

Barrington DeVaughn Hendricks, mais conhecido como JPEGMAFIA, é um rapper e produtor que se destaca na cena por fugir da estética mainstream. Ele é inovador e ousado em seus projetos, explorando a conversa entre o hip hop e outros estilos musicais. Ao lado de Harley Edward Streten, conhecido como Flume, não foi diferente. Ele é DJ e produtor que marcou sua carreira como um dos nomes responsáveis por popularizar o Future Bass — um gênero que mistura elementos de dubstep e trap com ritmos mais envolventes. A partir da soma de duas mentes imersas na experimentação, o projeto carrega uma sonoridade futurista e marcante, testando os limites da escuta convencional. 

O EP se inicia com uma proposta audiovisual cômica em Track1, que retrata o processo em que o produtor apresenta seus beats para JPEG. Deitado em uma maca com um aparelho metálico que remete a um instrumento científico, o rapper reage gradualmente aos sons. O clipe chega a ser engraçado, porque, de início, ele não se interessa por nada do que o DJ apresenta. “Seja lá qual for o barulho que você acabou de fazer aí, isso me assustou pra caramba!”. Contudo, no decorrer dos testes, entendemos porque Barrington rejeita tanto as primeiras tentativas: ele sabia do que Flume era capaz. 

Os beats iniciais eram marcados apenas por sons graves e estridentes sem ritmo nenhum, a ponto de incomodar. Com o tempo, Flume vai agregando outros elementos eletrônicos que complementam a experiência, até que chegam a um ponto de concordância. A partir daí, compartilhamos do experimento entre os dois artistas e mergulhamos de cabeça no projeto. Com imagens quase alucinógenas, tomamos o lugar de JPEG na maca e embarcamos em uma breve viagem musical.

Com uma temática cyber, o EP apresenta um conceito voltado à tecnologia, interação social, relacionamentos e à percepção da realidade de forma moderna e futurista. Em “Is It Real?” (feat. Ravyn Lenae), a voz robótica do rapper e os versos marcantes de Ravyn, cantora de R&B, apresentam o mantra do carpe diem da forma mais crua possível: viver o agora, sem se preocupar com julgamentos alheios e aproveitando cada segundo de uma vida “curta”.

“IA Girlfriend”, terceira faixa do projeto, é estranha e desconfortável por trazer alusões à inteligência artificial dentro de uma relação afetiva. JPEG usa termos técnicos de tecnologia até para descrever o ato sexual, como no verso: “Então vou limpar meu cache antes de me conectar com você, sim / Minha namorada IA ficará na minha página inicial até o mundo acabar”. A música ainda acompanha um videoclipe que mostra um robô de aparência feminina em um strip club, onde essa “IA Girlfriend” parece estar em um processo de reconhecimento do ambiente e do comportamento feminino, talvez para poder imitá-lo. Entre os versos, ecoam falas em uma voz feminina que remetem ao filme Her, estrelado por Joaquin Phoenix, que causou reações mistas no público justamente por apresentar um futuro que, aos poucos, parece menos distante.

Na última música do EP, os dois produtores amarram o que idealizaram ao longo do EP. Hoje, são tantas as coisas produzidas por IA— textos, imagens, vídeos e até mesmo música — que fica cada vez mais difícil compreender o que é falso e o que é real. Ocean Is Fake  é uma faixa sem progressão clara, com um refrão repetitivo no início, e só no final temos um verso de JPEGMAFIA que referencia, tanto relações que não parecem reais, quanto o fato de sempre ter que gravar, registrar ou expor algo para que isso seja considerado real. “Se não for permanente, não podemos tirar fotos de família. Se não for permanente, você pode tirar uma foto com ele, só isso”, declara o rapper.

O resultado da colaboração entre a dupla é um trabalho experimental e proveitoso para ambos os produtores, já que, além de cantor e compositor, Hendricks também é produtor e pôde dar seu toque no EP. Em entrevista para a Cambridge Union, ele diz que começou a fazer rap porque ninguém gostava dos seus beats antes. Mas reforça: “Em primeiro lugar, sou um produtor. Depois, um rapper. Mas levo os dois a sério!”. No final, são dois amigos dentro de um estúdio experimentando e produzindo o que mais os agrada sonoramente.

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