Davi Marcelgo
Antes de estrear na direção, Su Qiqi foi co-produtora de obras prestigiadas, como Uma Nuvem no Quarto Dela (2020), vencedor do Festival de Roterdã na categoria de Melhor Filme. Agora, ela dirige, escreve e atua em Conversas pela Noite, filme selecionado para a seção Competição Novos Diretores da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Quando em um relacionamento, antes de dormir, os parceiros deitam-se para conversar sobre o dia, a rotina, acontecimentos e o que está na cabeça. Este momento sucinto é de suma importância para conectar casais e desafogar do caos cotidiano. Mas quando o momento desaparece e é engolido junto aos problemas, o que resta?
Do mesmo modo, outros cineastas já responderam essa dúvida, à exemplo de Richard Linklater em a trilogia do Antes, que percorre as etapas de um relacionamento, a energia dos primeiros encontros, o amadurecimento e o esfriamento da paixão. Conversas pela Noite destaca esse momento longínquo que só acontece com amores que duram mais de mil e uma noites.
O casal protagonista está há bastante tempo juntos, moram na mesma casa e tem uma filha, que ainda é criança. Qiqi, interpretada por Su Qiqi, está passando por um momento delicado na carreira, mas prefere não comentar com o marido porque tem medo que ele rebaixe seus sentimentos. Essa adversidade não merece tanta atenção assim. O marido Ma Yuebo é um poeta, tem facilidade de expressar os sentimentos, seja escrevendo uma poesia ou lendo junto a esposa, para que ela compreenda o que o assombra. Para ela, um carro em movimento é o suficiente para fazê-la vomitar e perder a noite de sono.
No olho do furacão, o par não está mais em sintonia. Ao comer na mesa, eles se distraem com celulares e não se conectam entre os intervalos do trabalho, um dos poucos momentos que podem ficar juntos. Só se dispõem a falar após um almoço com amigos, em que discutem sobre diversos temas e acabam se tornando espelhos para Qiqi e Yuebo. Logo, descobrimos quais questões sobre a vida os incomoda nessa fase da vida: arrependimentos, o medo de não ter mais tempo para nada, tornar-se anacrônico. E como cada um deles enfrenta impasses: o marido legitima o lúdico, as poesias; a esposa se isola ou fala com outras mulheres.
O filme de estreia de Su Qiqi é cheio de marcas autorais que, junto à fotografia de Zhang Zhengan, podem já definir características da sua direção. Os planos longos sem cortes, o estilo contemplativo, as grandes linhas de diálogo e a aposta nas cores preto e branco para dar vida ao seu casal. As inclinações para contar a história são articuladas por uma consciência sobre unidade fílmica e como elementos funcionam em conjunto numa estrutura.
Quando dedica tempo para passear e conhecer a casa, os espaços e os móveis, a diretora permite a familiarização do lar. Ao abandonar o colorido, Qiqi abraça um registro cru da vida adulta, que de repente a magia das borboletas na barriga já não batem mais suas asas. Unindo as técnicas com a temática de um coming of age da vida adulta, a diretora cria uma atmosfera inquietante, silenciosa e cheia de estilo que conclui numa estrada infinita, em que os protagonistas precisam atravessar para virar a página. Se a cineasta também seguir por este caminho, sua visão continuará promissora.
Su Qiqi não dá a solução ou dicas de como superar fases difíceis, mas, assim como no título, Conversas pela Noite, os diálogos são foco central e moradas de alívio. É através dela que trama e desenvolvimento das problemáticas avançam. Esfriar a relação após tanto tempo juntos faz parte do jogo. A escritora e diretora mergulha seus personagens em diálogos que ultrapassam a noite e permite que o casamento veja mais uma vez a luz do dia. O casal continuará a passear por parques, cômodos da casa e estradas vazias até que consigam trazer as noites de conversa de travesseiro.