A melancolia e a esperança em Circles, de Mac Miller, completam cinco anos

Capa do álbum "Circles", do cantor Mac Miller. São duas fotos sobrepostas, criando um efeito de movimento. Nas duas, o rapper aparece ao centro, usando uma blusa de frio preta, com a mão na cabeça. Em uma das fotos, Mac está de olhos fechados e com a cabeça tombada para o lado direito; na outra, com a cabeça parada ao centro e olhos abertos.
Circles, primeiro álbum póstumo de Mac Miller, completa 5 anos (Foto: Warner Records)

Ana Beatriz Zamai

O primeiro dos, até o momento, quatro álbuns póstumos de Mac Miller, foi lançado cinco anos atrás. Circles foi gravado em 2018, mesmo ano de lançamento de Swimming, quinto álbum do estúdio de Mac, e após a morte do rapper.  Contudo só foi divulgado em janeiro de 2020, quando a família pediu para o produtor Jon Brion finalizar a obra. Se destacando como um dos poucos rappers brancos – e bons – desse meio, Miller se afasta um pouco do rap para se misturar com o R&B.

Brion é um produtor e compositor americano, responsável por When The Pawn (1998), de Fiona Apple e Late Registration (2005) de Kanye West, além de sua parceria com o diretor Charlie Kaufman nas trilhas sonoras de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e Sinédoque (2008). A própria família do rapper deu a informação, em um post no Instagram, que o produtor finalizou o disco de Mac Miller se baseando no tempo que passaram juntos e nas conversas. 

Segundo Jon, o projeto inicial do artista era um trio de álbuns que se complementariam. O primeiro, Swimming, lançado em 2018, seria uma mistura de song form – na tradução literal, forma da música, é a maneira que a obra é organizada, como refrões, pontes e versos – e hip-hop. O segundo, Circles – nome que Miller já havia decidido anteriormente, seria apenas song-based – algo que está relacionado ou construído a partir de canções – sem o conhecido frat rap do cantor. O terceiro projeto, sem nome e músicas conhecidas por Jon ou pelo público, seria apenas de hip-hop. A ideia era fazer álbuns com dois estilos diferentes que se complementam, formando um círculo, com o conceito sendo nadando em círculos – Swimming in Circles.

O cantor Mac Miller aparece ao centro da imagem, usando uma camisa de frio. Ao fundo, sua casa, onde aparece a porta, uma parte do telhado e algumas folhas. Mac está com o cabelo raspado, mas não totalmente, sorrindo, com barba. Sua tatuagem de, aparentemente, uma rosa, aparece no pescoço.
Mac Miller faleceu em setembro de 2018, com 26 anos, por overdose acidental com mistura de opióide, cocaína e álcool (Foto: Clarke Tolton/Rolling Stones)

Mac Miller já era um grande compositor e produtor por si só. O que Brion fez foi expandir criativamente e experimentalmente seu talento, criando uma nova fase na vida musical do rapper. Esse novo período, que teve início ainda no registro anterior, foi marcado por músicas com letras mais sinceras, acompanhadas pelas batidas presentes no enorme currículo de Brion: minimalistas, poéticas e nostálgicas, comuns nas trilhas cinematográficas do produtor. Alguns dos responsáveis por essas batidas foram dois aliados que Jon trouxe: o baterista Matt Chamberlain (Fiona Apple) e o baixista e guitarrista Wendy Melvoin (Prince).

Uma das exceções do álbum é a música I Can See, que tem um teor mais psicodélico e futurista, até mesmo no videoclipe. O som combina com a letra, que além de versos que devaneiam, como “E agora eu sei que, se viver é apenas um sonho, então nós também somos (apenas um sonho)”, também é a faixa que Mac se mostra mais direto no pedido de socorro, em dizer que está se afundando: “Bom, eu preciso que alguém me salve, hmm/ Antes que eu me enlouqueça”.

No canto esquerdo da imagem, uma mulher usando terno e cabelo curto liso amarelo neon. No outro canto, uma mulher de calça preta com o celular na mão. Ao centro, Mac Miller aparece com um moletom bege, cabelo raspado, mas não totalmente, com a mão cobrindo a boca. Suas tatuagens da mão e dedos aparecem. Ao seu lado esquerdo, Ariana Grande faz o mesmo gesto com as mãos. Ariana está de top branco, um casaco rosa transparente, uma choker rosa, um óculos de sol rosa na cabeça, e os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo.
Muitos fãs acreditam que a voz feminina no fundo de I Can See é da artista Ariana Grande, namorada de Mac por alguns anos (Foto: Instagram/@arianagrande)

Foi em Circles, juntamente com Swimming, que Mac Miller conseguiu expressar seus sentimentos em relação à depressão e sua dependência em drogas. A primeira ideia é pensar que, se o álbum tem essa temática, as músicas apresentam um teor depressivo e triste, mas não é o caso – não por completo. O artista demonstra ter crescido e aprendido suas lições, encontrando paz em se deixar mostrar quem é e o que sente

Blue World é o exemplo perfeito para demonstrar essa evolução. Usando o sample de “It´s a Blue World”, do quarteto The Four Freshmen, Mac intercala entre como se sente em relação às drogas e a depressão, como se o diabo (em referência às drogas) estivesse batendo em sua porta, e a esperança de que tudo vai dar certo. Em meio a uma batida mais agitada do que o restante e mais próximo do hip hop, Miller diz “Esse mundo maluco me deixa louco”, mas depois “Nós nem estamos preocupados, apenas rimos, isso é maravilhoso/ Você sabe como é, não está quebrado, então não tente consertar/ Ei, um dia desses todos nós sobreviveremos, não tenha medo”

A revista digital Pitchfork, em sua crítica, comentou que foi muito difícil categorizar Circles, pela quantidade de aspectos diferentes. Outras críticas descreveram o álbum como hip-hop, funk e emo-rap, com elementos de soft rock, pop, R&B, lo-fi, indie folk e synth-pop. Porém não foi a partir de Circles que o artista evoluiu seu estilo. Miller saiu de K.I.D.S., em 2009, como um rapaz imprudente conhecido pelo frat rap, e avançou para álbuns cada vez mais sinceros e profundos, indo desde Blue Slide Park, Watching Movies With The Sound Off e GO:OD AM para The Divine Feminine, provavelmente sua obra mais completa e diversificada, Swimming, e, enfim, Circles, que passa pelo seu lado mais profundo, mostrando o que se pode ver como créditos finais. 

O álbum conta com apenas um feat, Hand Me Downs, na presença de Baro Sura. A voz rouca de Mac combina com a de Baro, trazendo um bom equilíbrio e dando uma liberdade a Mac de mostrar seu hip hop de novo, mesmo que intercalado com a poesia da música, e toda essa combinação transforma a música na melhor do álbum. Em Hand Me Downs, Miller demonstra que o que sente não é de hoje, mas que agora está piorando: “Desde que me lembro, tenho me mantido firme, mas estou me sentindo estranho”. O videoclipe traz pedaços da gravação e produção, com Mac tocando os instrumentos presentes na música e que, assim como a canção, trazem conforto para o fã, que sente uma proximidade do cantor.

Apesar de Mac estar no ciclo do desespero à uma possível redenção, constantemente com o pensamento de que talvez morrer não seja tão ruim quanto viver, ele estende a mão ao ouvinte, como quem diz “Não é porque eu estou assim, que você também precisa estar”. Esse suporte pode ser visto – e ouvido, em Hands, que destoa do restante do álbum tanto na batida quanto na letra, por ter um teor positivo. “Por que você não acorda de seus pesadelos?/ Quando foi a última vez que você reservou um tempinho para si mesmo?/ Não há razão para ficar tão deprimido/ Porque carregar esse peso vai quebrar seus joelhos de vidro”. 

Circles pode ser considerado como uma carta de despedida de Mac Miller para os fãs, já que os outros álbuns póstumos lançados até o momento (“Faces”, “I Love Life, Thank You” e Balloonerism, o último tendo sido lançado no aniversário de Circles) foram gravados antes deste registro, só não haviam sido finalizados e divulgados. Mesmo que sem saber que seria sua última mensagem, Mac nos diz para aproveitar mais a vida, ir com calma e sem pressa, viver um dia de cada vez e depois pensamos no amanhã. Como diz em Complicated: “Algumas pessoas dizem que querem viver para sempre/ Isso é muito tempo, vou apenas viver o hoje. […] Antes de começar a pensar no futuro/ Primeiro, posso viver o hoje?”.

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