Talita Mutti
Em uma mistura de confusão e autoconhecimento, Tyler, The Creator revela seu verdadeiro ‘eu’ em CHROMAKOPIA, lançado em Outubro de 2024. Com faixas marcadas por sua produção criativa e autêntica, repletas de composições que constroem uma experiência completa e imersiva, a obra consolida a relevância do cantor na cena musical. Tyler Gregory Okonma explora um outro lado do rap atual, com oito álbuns de estúdio na discografia, ele constroi narrativas através dos alter egos que marcam cada trabalho, junto de uma produção carregada de elementos que o difere de outros artistas da cena. Okonma externa pensamentos e temas que o assombram, refletindo cada fase da própria vida, mas sempre por trás de um personagem.
A revolta, agressividade e dificuldade de aceitação são temas predominantes em Goblin (2011), Wolf (2013) e Cherry Bomb (2015). Enquanto o amor, autoconhecimento, sexualidade e solidão são tópicos presentes em Flower Boy (2017) e IGOR (2019), álbuns em que ele expõe seu amadurecimento, fechando feridas que estavam abertas desde seu debut e, ao mesmo tempo, mudando a narrativa dos alter egos. Em CHROMAKOPIA não foi diferente. Logo de cara, ‘T’ apresenta seu novo personagem na faixa de nome St. Chroma.
O disco pode não ser o trabalho mais inovador de Tyler, The Creator. É certo que, se você é fã do artista, deve ter sentido certa familiaridade ao escutar Darling, I, composta por uma melodia parecida com SWEET/ I THOUGHT YOU WANTED TO DANCE, por exemplo. Mas, mesmo usando de ritmos e estilos parecidos, o produtor traz elementos que reciclam seu próprio repertório e, de certa forma, reinventam o que ele já criou em outros trabalhos.
O disco tem uma entrada agressiva, com sons de marcha e um suspense através do sussurro de St. Chroma e, mais uma vez, o rapper faz mágica através de sua produção. A faixa apresenta uma crescente estrondosa a cada elemento que lhe é adicionado: latidos do próprio produtor, passos, melodia, cantos ecoantes da palavra “CHROMAKOPIA” e, principalmente, os vocais de Daniel Caesar, que constroem uma atmosfera que leva o ouvinte a uma sensação de imersão total ao que está prestes a ser apresentado. “Você consegue ver a luz?” certamente, após ouvir essa música, sim.
Todas as faixas foram escritas, produzidas e estruturadas por Tyler Gregory Okonma e, como em outras eras, a lírica reflete muito do que o rapper vive e traz à tona suas próprias reflexões sobre a vida. Mas, dessa vez, essa versão de ‘T’ realmente se preocupa com o futuro. O tempo tem passado; sua mãe tem envelhecido; seus amigos têm construído família; sua ex já se casou. E ele? Tem uma Ferrari e algumas coisas para falar. Parece ser um misto de sentimentos, uma parte dele não se importa com o futuro, porém, quando começa a pensar em tudo o que lhe é cobrado conforme a idade, não soa como algo obrigatório, e sim como o tempo passando e ele estagnado.
Okonma se vê, pela primeira vez, preocupado com o futuro. Ele mesmo não se reconhece. Não é algo característico de sua personalidade. Tomorrow, décima faixa do álbum, muda de marcha com uma melodia lenta e reflexiva que parece mais íntima do que seu estilo usual. “Não espere por mim, eu ficarei bem” – a repetição desse verso ao longo da música reforça seu desejo de independência e sua relutância em se conformar às expectativas. A faixa é profundamente pessoal para o produtor, abordando medos universais sobre envelhecer e as expectativas que vêm com isso. Sua decisão de focar no medo da paternidade em um mundo que está sempre mudando é identificável, e a produção delicada permite que suas letras introspectivas ecoem.
Em uma conversa muito sincera, o compositor escolhe citar supostos casos de pessoas que perderam sua personalidade por tentarem provar algo para outras pessoas ou, como em suas palavras, “para ter validação de gente burra e confusa”. Seja um rapper, um ‘riquinho’ que tenta pagar de gangstar, um homem gay no armário, uma mãe frustrada e, no final, o próprio ‘T’. Em Take Your Mask Off, há uma introdução serena que prepara o cenário para uma exploração profunda de identidade e autenticidade, um tema recorrente na discografia de Tyler Gregory Okonma. Esta exploração sincera da vergonha e da autenticidade convida os ouvintes a se envolverem em uma diálogo mais amplo sobre aceitação e a coragem necessária para viver a verdade.
Após a ponte, o rapper parece estar dentro de um monólogo, falando de todas suas inseguranças e desafios que enfrentou durante sua vida e carreira. Com os vocais de Daniel Caesar, ‘T’ constrói uma faixa harmônica e tranquila, acompanhada de muito sentimento e sinceridade na lírica. Take Your Mask Off pode ser relacionada com o próprio alter ego do álbum, que utiliza uma máscara semelhante ao rosto do cantor. “Esse é o primeiro álbum que tudo o que eu disse é verdade. É tão honesto que acho que tive que usar uma máscara com meu próprio rosto para conseguir colocar algumas dessas coisas para fora”, afirma o artista ao falar sobre CHROMAKOPIA para o portal X.
Além de crescimento pessoal e autoconhecimento, o compositor aborda os desafios da fama e, em um videoclipe com possíveis referências de outros artistas, como Runaway de Kanye West, ele externa a paranoia que o assombra. Em outros projetos, o produtor já havia exposto como a fama se tornou um obstáculo em sua carreira e Noid confirmou isso. Okonma exemplifica o quão angustiante é a vida de quem tem que se submeter a esse tipo de exposição, mostrando que nem na própria casa há privacidade. Tudo é visto, gravado e registrado. Sempre há alguém olhando e, mesmo sendo uma pessoa pública, expondo em outras músicas que é ‘o melhor da cidade’, até ele precisa de espaço. Esse alter ego de ‘T ’ humaniza e mostra como a vida dele realmente é.
Como de costume, o rapper não tem medo nenhum de esconder que se vê como um dos ‘melhores da cena’. Com uma produção intimidadora, Sticky é um exemplo de como o disco cresce. Com a participação de GloRilla, Sexyy Red e Lil Wayne, a faixa é marcada pela energia agitada e toda a criatividade do artista. Formando uma fusão dinâmica de estilos, entrelaçando sem esforço entre rap e sons experimentais. O refrão, “A coisa tá ficando feia, feia…“, que funciona como um gancho que traz o ouvinte a crescente da música, parece estar te levando para algum lugar. Assim, prendendo o ouvinte e tocando na energia divertida e caótica da faixa.
A composição na música é igualmente envolvente, cheia de reviravoltas imprevisíveis. O produtor brinca com sons diferentes, desde as batidas infundidas de trap nos versos até os breakdowns distorcidos e pesados de baixo. Há uma energia frenética nas transições que mantém o ouvinte envolvido, tornando-a uma daquelas faixas que parece mais intrincada a cada audição. A disposição de ‘T ’ em experimentar batidas e texturas compensa aqui, dando uma vantagem única dentro do álbum que, a cada vez que você der o play, vai perceber algo novo que não tinha escutado.
Além de Daniel Caesar, Lil Wayne, GloRilla e Sexyy Red, CHROMAKOPIA conta com a presença de nomes relevantes na cena, como Doechii, Teezo Touchdown, Latoiya Williams, Schoolboy Q, Santigold, Lola Young Childish Gambino e Willow. Escolhas que encaixaram perfeitamente no projeto. Tanto em relação aos vocais que ajudaram na composição da produção dinâmica e fantasiosa, quanto aos feats marcados por autenticidade e potência.
Em CHROMAKOPIA, o rapper externa temas profundos que o assombram a vida inteira, mas, como em todo álbum, ele traz uma narrativa diferente. Os receios com a fama; a paternidade; o medo de ser insuficiente. Esses e outros temas já foram abordados pelo o rapper de Goblin, Wolf e seus outros discos. Entretanto, agora, vemos Tyler Gregory Okonma maduro e compreendendo questões que apenas com a idade seriam fáceis de assimilar.
Para os fãs de longa data, é como um reencontro, com uma sensação de nostalgia. Um pressentimento de que já vimos alguém, mas que, hoje, está totalmente diferente. CHROMAKOPIA é sobre amadurecimento, aceitação e, nas palavras do rapper, sobre os conselhos que a mãe do artista dava, que só com o tempo ele pôde entender. “Você nunca cansa de me impressionar; continue brilhando”, reforça a mãe no final do álbum.