Vinícius Siqueira
Coragem. Sangue. Orgulho. Vingança. Crueldade e, finalmente, bravura. Palavras que carregam significados tão profundos. Termos que carregam histórias – sejam elas boas ou cruéis. Palavras que carregam em si cargas emocionais muitas vezes incompreensíveis, que contaram uma história de vingança, de perseguição, de derrocada moral e de justiça. Palavras essas que, por fim, teceram o primor da trama de Bravura Indômita (True Grit, no original).
Lançado no ano de 2010, mas só chegando aos cinemas brasileiros em 2011, a obra dirigida pelos Irmãos Coen (Ethan Coen e Joel Coen) representa um marco no gênero de faroeste e um grande tributo para os clássicos do gênero. Tendo sido capaz de construir uma trama que foge a grande parte dos clichês e estereótipos comuns ao gênero western (faroeste), Bravura Indômita nos dá um enredo surpreendente e recheado de cenas de tensão, suspense ou pura reflexão. Além de algumas cenas de ação e tiroteio que trazem o charme inerente aos clássicos do cenário do Velho Oeste.
A obra de 2010 é uma refilmagem do filme lançado em 1969 e estrelado por John Wayne. Inspirado em um romance escrito por Charles Portis um ano antes, os Irmãos Coen buscaram traduzir o caráter cômico trazido pelo clássico de 69 e pela obra de Portis, mas ainda visando adicionar um tom mais realista para o cenário ao mostrarem o quão cruel esse mundo pode ser. Para quem assistiu ao original, a refilmagem pode trazer um sentimento de nostalgia, apesar de possuir de maneira escancarada o caráter real típico dos filmes de Ethan e Joel Coen, como A Balada de Buster Scruggs (2018) e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007).
Tanto no clássico de 69 quanto na versão de 2010, o sentimento de vingança é a espinha dorsal que sustenta o enredo. Obviamente acompanhado de outras nuances emocionais conforme os personagens e a história se desenvolvem, mas, ainda assim, o que fundamenta a história em toda a sua plenitude é uma busca por vingança diluída na moralidade da justiça.
O enredo tem início com a narração de Mattie Ross (Hailee Steinfield, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel com apenas catorze anos) que, já mais velha, conta a história de como aos catorze anos de idade partiu em uma cruzada para vingar o assassinato de seu pai. Logo no começo do filme é revelado que o pai de Mattie foi morto por um homem chamado Tom Chaney (Josh Brolin), o qual representará o algoz máximo para Mattie e o motivo de ela se lançar corajosamente em um mundo impiedoso.
Para acompanhar a protagonista em sua busca por justiça, estarão o agente federal Reuben “Rooster” Cogburn (Jeff Bridges) – um homem que, martirizado pelo tempo e pela bebida, se encontra na beira da derrocada moral – e o texas ranger LeBouf (Matt Damon). Não é a primeira vez que Jeff Bridges trabalha com os Irmãos Coen, em 1998 o ator protagonizou O Grande Lebowski, uma obra que na época não foi muito bem recebida pela crítica, mas envelheceu para o status de um filme cult. E, por fim, Bravura Indômita se provou um grande sucesso para as bilheterias – faturando aproximadamente 252,3 milhões de dólares – e para a crítica – recebendo onze indicações ao Oscar, sete indicações para prêmios BAFTA, das quais recebeu uma nomeação por Melhor Fotografia, e ainda recebeu mais três indicações para o SAG Awards.
Um dos pontos altos de todo o enredo de Bravura Indômita é o desenvolvimento da relação entre Cogburn e Mattie Ross, que, aos poucos, passa de um simples contrato para se realizar a caçada de um homem para um estado de confiança e até companheirismo. Nesse ponto, o personagem de Jeff Bridges se mostra extremamente carismático e com uma profundidade considerável.
O mesmo se coloca como um agente federal que já viu e fez muita coisa, mas, que gradualmente, tem seu orgulho ferido por não possuir a glória de outrora, e encontra seu consolo na bebida. Quando a trama se inicia e Mattie se encontra pela primeira vez com Rooster, o homem apenas busca desesperadamente um fim para sua história, seja ele na miséria ou nas matanças com as quais se defronta na caça por Tom Chaney.
Conforme sua jornada se desenrola, Mattie Ross é lançada em um processo de amadurecimento inevitável, tendo que mostrar coragem e tenacidade caso queira sobreviver como uma menina de catorze anos em um violento mundo de homens. Por causa de sua ambição em achar o assassino de seu pai, a personagem permeia entre um ímpeto constante em direção ao seu objetivo, e a inocência que uma garota de sua idade ainda tem em relação ao mundo – inocência essa que aos poucos se despedaça em razão da crueldade que a cerca e da força necessária para resistir aos intempéries do Oeste.
Todo esse processo de desenvolvimento de personagem e um trabalho sem igual no desenvolvimento da relação entre Mattie, Cogburn e LeBouf fazem com que Bravura Indômita seja mais que um filme de faroeste à moda antiga. Aos poucos, o espectador cria uma empatia inevitável pelos personagens, não necessariamente pela atuação envolvida – com exceção da presença de Jeff Bridges, que rouba a cena em grande parte do enredo -, mas sim pelas motivações (explícitas ou implícitas) que os personagens apresentam para se lançarem na selvageria do Velho Oeste em busca de um homem condenado pela lei.
Analisando o filme como um todo, o mesmo apresenta uma amálgama quase perfeita entre ambientação extremamente rica e bem trabalhada. O realismo ao detalhar o meio no qual as personagens estão inseridos tornou-se marca registrada dos irmãos Coen, assim como uma trilha sonora marcante assinada por Carter Burwell a qual remete à cantigas clássicas do Velho Oeste e aos filmes clássicos de western – personagens carismáticos e com bom desenvolvimento e um balanço perfeito entre cenas de ação e tensão.
Para os fãs do gênero de faroeste, Bravura Indômita consegue trazer o caráter cômico do filme de 69, e certa nostalgia em relação à clássicos estrelados por John Wayne, Clint Eastwood, Terrence Hill e Bud Spencer, ao passo que se mostra único ao introduzir algumas pontadas de suspense para contrabalancear com cenas de tiroteio de tirar o fôlego.
Bravura Indômita não é um filme sobre heróis, nem um filme sobre um grande vilão ou um grande mocinho. É sobre personagens bravos, corajosos e em conflito. Permeado por cenas brutais de violência explícita, mas que não dependem dos clichês para se sustentar. Sem dúvida alguma, a obra representa um tributo aos clássicos do gênero, mas sem perder seu caráter único.
Com uma ambientação e interações mais realistas – uma característica de filmes de faroeste mais modernos que se seguiram, como Os Oito Odiados, lançado em 2015 sob a direção de Quentin Tarantino, e Sete Homens e Um Destino, lançado em 2016 sob a direção de Antoine Fuqua -, e trilha sonora acompanhadas de cenas gloriosas típicas dos clássicos, relembrando obras como O Bom, O Mau e o Feio (1966) de direção de Sergio Leone e estrelado por Clint Eastwood, e o próprio Bravura Indômita de 1969, a direção dos Irmãos Coen tenta puxar o melhor de duas épocas. Dez anos depois de seu lançamento, Bravura Indômita é sobre pessoas corajosas, que, apesar dos inevitáveis momentos de fraqueza, ainda mostram que é sempre possível resgatar a bravura indomável que jaz em cada um para sobreviver à realidade cruel.