Fale direito com ela: em BB/ANG3L, Tinashe reforça o porquê de não poder ser ignorada

Capa do álbum Baby Angel da cantora Tinashe. A imagem é quadrada e engloba a foto da cantora do busto para cima mostrando seu rosto em perfil à esquerda. Ela é uma mulher negra, com cabelos loiros e longos. Sua pele está reflexiva pois está molhada assim como sua camiseta regata branca e seus cabelos. Seus olhos são escuros e nos encaram com emaranhados de fios de cabelo à sua frente.
Em BB/ANG3L, o número três mais uma vez se faz presente como um símbolo angelical (Foto: Nice Life Recording Company)

Henrique Marinhos e Leonardo Pulcherio

Tinashe é uma artista que nunca escondeu sua sede por autenticidade em tudo o que faz. Após dois projetos lançados de maneira independente, BB/ANG3L (pronuncia-se “Baby Angel”) é o primeiro disco da cantora sob o selo da gravadora Nice Life Recording Company desde seu rompimento com a RCA Records, em 2019. Logo ao se ouvir o projeto completo pela primeira vez, sua liberdade para explorar a Arte livremente é perceptível. O grandioso álbum de sete músicas tem apenas 20 minutos de duração e mostra um lado mais vulnerável da artista, desde a capa sem grandes edições até composições que se comunicam com o ouvinte de maneira mais íntima.

O sexto álbum de estúdio – e possível primeira de duas partes – traz o gosto de uma produção completa, algo que não tem sido visto nos últimos anos da indústria musical. Conceitos misteriosos e fechados, que refletem sobre algo – si mesma, nesse caso – em uma obra estratégica, não têm sido o foco das tendências à la TikTok das novas gerações. Com um passo além, a cantora ainda o relaciona com suas últimas produções desde a saída da RCA. Em Songs For You, ela trata dos diferentes estágios do luto após um rompimento ruim. Em 333, aborda a espiritualidade e manifestação para se curar e sair de um lugar sombrio. E o mais recente BB/ANG3L, abraça a regressão e a humanidade assumindo seus erros atuais e futuros.

O single escolhido para abrir os trabalhos do projeto, Talk to Me Nice, resume muito bem todo o conceito em um R&B alternativo com toques de hip-hop e neo-soul. A música de quase quatro minutos de duração remete aos primeiros projetos da artista, sendo construída em dois momentos que se complementam perfeitamente em uma batida sóbria, envolvente e pouco comercial, em que ela explora os tons agudos e graves da sua voz em uma densa composição sobre autopreservação e autoconfiança dentro de um relacionamento. No clipe, diferentes elementos são utilizados de maneira subjetiva – pele falsa, copos d’água e chuva cenográfica – para explorar o conceito de identidade e a interpretação de terceiros sobre si. 

Ainda que viajando por diferentes gêneros, Tinashe não deixou o bom e velho R&B de lado, que aparece de maneira mais familiar em faixas como Uh Huh – que ganhou um clipe no dia de lançamento do álbum – e None of My Business. Ambas as canções são as mais comuns quando comparadas às demais, mas ainda assim não deixam a desejar. Enquanto a primeira esbanja sensualidade em uma batida hipnótica, a segunda mostra os vocais avassaladores da artista, que canta sobre estar viciada em um amor tóxico.

Foto de Tinashe usada para o ensaio fotográfico do álbum BB/ANG3L. Ela é uma mulher negra, com cabelos loiros e longos e está usando um vestido preto. A imagem retangular mostra a artista um pouco abaixo da cintura pra cima sentada em uma cadeira de madeira com a mão esquerda sobre o encosto apoiando o seu queixo. Ao fundo, as paredes em tons pastéis combinam com o tom loiro dos seus cabelos que cobrem parte do seu olho direito.
Segundo Tinashe, None of My Business foi a primeira música gravada para o álbum (Foto: Nice Life Recording Company)

Durante o processo criativo de BB/ANG3L, Tinashe não temeu se aventurar no diferente. Grande parte da produção do álbum é assinada por ela e pelo produtor Machinedrum, responsável por trabalhos de Azealia Banks, Arca e Tanerélle. Juntos, a dupla explora fortemente o drum and bass, que dá o tom para canções como a romântica Gravity e a cinemática Tightrope. Treason, também produzida pelo duo, é um mergulho em seus sentimentos e traduz quase que sensorialmente a angústia descrita na letra. Rápida e direta, a canção já é considerada por vários fãs a melhor faixa de abertura até então.

“Dirigindo sem faróis
Estou ultrapassando todos os sinais vermelhos,
Descendo uma mão única e errada
Não há ninguém assustado aqui
E eu já sei como isso termina”

O alinhamento com suas vontades e desejos tem sido o foco da mídia e de toda sua carreira desde o começo na RCA, e isso vai além de suas produções. Quase como em um diário, as escolhas de Tinashe nos permitem ver não só um trabalho, mas a beleza e nuances de quem o faz. Em uma clara ascensão, desde a crítica às paradas musicais, a independência e a propriedade artística a caem muito bem. No single Needs, que debutou no Top 100 dos Virais Globais do Spotify, a artista mostra confiança e desejo, sem se deixar levar por ninguém. Ela também exibe sua versatilidade como cantora, compositora e dançarina, em uma mistura R&B, pop e dance. Com uma estética urbana e colorida, o clipe é um convite para se divertir e se libertar em clássicas – e ótimas – cenas de um mercadinho estadunidense.

Imagem da cantora Tinashe no clipe da música Needs. Na imagem a cantora está deitada em um frigorífico. Ao seu redor estão ramos de uvas, carnes em embalagens e ervas comestíveis. A cantora é uma mulher negra de cabelos loiros trançados e está com sua mão segurando sua coxa. Em seu busto está um biquíni feito de várias fatias de peito de peru que se repetem em sua calcinha.
Gravado em apenas dez dias, o projeto audiovisual THE BB/ANG3L EXPERIENCE une a música e a performance após cancelamento de turnê (Foto: Nice Life Recording Company)

Desde seus primeiros passos na indústria, Tinashe se mostrava como uma grande promessa no R&B alternativo. Seu primeiro single oficial, 2 On, foi um hit nos Estados Unidos e ficou na 24ª posição da maior parada musical do país. Nessa mesma época, a cantora participou de colaborações com nomes como Usher e Britney Spears. Entretanto, o insucesso comercial dos singles posteriores fez com que sua gravadora a colocasse em segundo plano e mal promovesse suas canções. Foi um período de cinco anos até lançar o seu segundo álbum de estúdio que, com uma recepção morna da crítica e público em geral, marcou o rompimento definitivo da cantora com a RCA Records. A partir disso, Tinashe lança a sua própria marca e volta a ter controle da sua carreira.

O primeiro disco independente da artista, o Songs For You, lançado em 2019, além de aclamado pela crítica e fãs por misturar diversos gêneros musicais de maneira coerente, chegou ao topo do iTunes Albums dos Estados Unidos na noite de lançamento, sendo primeiro álbum independente a conquistar esse feito desde Blonde, de Frank Ocean, em 2016. Já seu projeto seguinte, 333, mostrava ainda mais a versatilidade da cantora, flertando como nunca com gêneros alternativos.

No ao vivo, Tinashe também não decepciona. Como headliner do festivaltnic GRLS! em São Paulo, em Março de 2023, ela fez questão de receber seus fãs todos os dias em seu hotel. Sua performance completa, com coreografia impecável, nenhum desafino e até mesmo trocas de looks foi amplamente elogiada por vários veículos. A experiência proposta pela artista marcou a vida de muitos fãs, que vieram até de Belém (Pará), para conhecê-la, cumprindo suas expectativas e aglomerando a estação Armênia em uma chuva intensa na volta, dando uma passadinha em um after na ZIG para cantar as mais injustiçadas.

Desde depoimentos em entrevistas até letras autorais em sua música, passando por coreografias e outras formas de expressão, uma das muitas vantagens da Arte é a própria tradução de quem a produz e a identificação de quem a recebe. Em termos técnicos, e principalmente comerciais, a entrega de sinceridade e a oportunidade de espaço para experimentações soam quase como uma utopia no que diz respeito ao mainstream. E ainda que ser uma artista independente confira poder, liberdade criativa e empoderamento, de nada adianta sem a coragem – e claro, um orçamento.

“Quem somos em um nível essencial, quando estamos sozinhos – crus e sem filtros, é o que eu quero que este álbum reflita.”

Depois desses quatro anos, sua nova fase na Nice Life Recording Company até então parece bem confortável. Citada como uma das figuras mais promissoras da Música, o dono da gravadora também tece elogios merecidos aos seus últimos dois álbuns e a deseja boas vindas ao novo lar, que descreve como uma comunidade de artistas que se consideram oprimidos, citando, particularmente, a cantora como um encaixe perfeito que ultrapassa limites e derruba barreiras. Agora com mais apoio, uma equipe maior e mais liberdade criativa, BB/ANG3L marca o pontapé de um novo começo na carreira de Tinashe.

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