À la Gonzaguinha, Bangarang fica com a pureza da resposta das crianças

Cena do filme Bangarang. Na imagem, um menino está de costas para a câmera, observando a capital homônima da província de Taranto, localizada na Itália. A paisagem é formada por construções antigas e desbotadas, além de estar com uma cortina de poluição. A câmera captura o menino de costas a partir do busto, ele veste uma camiseta cinza. O cenário reflete abandono e descaso das autoridades.
Bangarang, do cineasta Giulio Mastromauro, integrou a programação da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Novos Diretores (Foto: Zen Movie)

Nathalia Tetzner

Não existe criatura mais honesta e transparente do que uma criança. Usufruindo dessa característica intrínseca dos ‘pequeninos’, o documentário Bangarang apresenta o cenário quase apocalíptico vivido pela comuna italiana Taranto e seus habitantes. Nessa película de tons alaranjados e muita poeira, todos os seres vivos são afetados pela poluição oriunda da Ilva, uma usina siderúrgica em atividade desde a década de 1960. Contudo, no universo do cineasta Giulio Mastromauro, apenas infantos e animais compõem as cenas.

A obra, que integrou a seção Novos Diretores da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, retrata o abandono e descaso das autoridades com um dos maiores desastres ambientais e sanitários da história da Europa. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (Istat), em pesquisa realizada em 2018, cerca de 1500 pessoas morrem por ano na cidade em decorrência de tipos de cânceres que, pela ciência, podem ser originados ou potencializados pela contaminação do meio ambiente. 

Dessa forma, a escolha de deixar a posse da mensagem nas mãos de crianças é, ao mesmo tempo, uma bênção e maldição. Entre muitas risadas e ‘dancinhas’ do TikTok, Mastromauro coloca nas telonas o microcosmo dos moradores mais novos de Taranto; um universo em que a ‘pancadaria’ é organizada pelas meninas e em que os dias sem vento são aproveitados ao máximo, uma vez que são impedidos de sair de casa quando a ventania dissemina ainda mais os dejetos da maior fábrica de aço do continente europeu.

Cena do filme Bangarang. Na imagem, vemos um cavalo-marinho em seu habitat natural: o oceano. A composição da fotografia captura o animal sozinho em meio a imensidão azul do mar. O cavalo-marinho apresenta uma coloração alaranjada que contrasta com a luz vinda da superfície. Abaixo dele, é possível enxergar o fundo arenoso do local.
O documentário venceu o prêmio especial do júri da seção Panorama Itália do Festival de Roma (Foto: Zen Movie)

Traduzindo em cores esse inferno na terra, Sandro Chessa faz um ótimo trabalho na Fotografia de Bangarang. É difícil não se sentir impactado pelas escolhas de perspectivas e tons que cercam os infantos na terra e os animais na água, ambos extremamente poluídos. Por outro lado, a montagem feita pelo diretor e por Cristina Barillari peca um pouco no ritmo e na inserção de depoimentos. Aos poucos, a paisagem, naturalmente exaustiva, fica ainda mais insuportável com a alternância entre muito barulho e contemplação.

Em resposta a uma pergunta feita pelo Persona, ao final de uma exibição na Mostra SP, Giulio Mastromauro e a produtora Virginia Gherardini comentaram sobre como as crianças que participaram do documentário reagiram ao assisti-lo. A dupla afirmou que foi exatamente como a ingenuidade retratada no longa. Todos são muito inocentes para compreenderem a gravidade em que se encontra o local, apesar dos ‘pequeninos’ terem, inconscientemente, representado muito bem a realidade cruel da província.

No entanto, embora não tenham, por hora, plena consciência crítica sobre a fábrica de aço – que além de destruir tudo e todos lentamente com a poluição, é também o ‘ganha pão’ de suas famílias –, as crianças sabem muito bem que “o TikTok acabou com nossas cabeças”. Ao som de falas audaciosas recheadas de gargalhadas, Bangarang age como Gonzaguinha na faixa O Que É O Que É?, do disco Caminhos do Coração (1982): “Eu fico com a pureza/Da resposta das crianças/A vida é bonita”. 

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