Guilherme Machado Leal
É ao som de The Best Summer of My Life, do compositor Graham Reynolds, que Antes da Meia-Noite se desenrola pelos seus 108 minutos. Com idas e vindas da canção ao longo do filme, o último capítulo da trilogia Antes – dirigida por Richard Linklater – dá, logo no seu início, o tom de como serão os próximos momentos vividos por Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy). Lançado em 2013, Before Midnight tem a difícil tarefa de superar ou, pelo menos, se equiparar ao nível de seus antecessores Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Pôr do Sol (2004).
Nove anos após os eventos do último longa, Jesse e Celine estão casados e com duas filhas. O problema é que ele possui um primogênito do casamento anterior e, por ter escolhido ficar com ela, mora na Europa e é distante do garoto. Por outro lado, a francesa ficcionada em conhecimento, após dar à luz, torna-se o que menos queria: uma dona de casa. Enquanto isso, o escritor – que escolheu sair dos Estados Unidos – é um autor aclamado devido aos sucessos dos livros em que conta a sua história de amor. No primeiro momento, pode parecer que as diferenças entre os protagonistas é algo puramente geográfico, mas, com as camadas captadas pelos fortes diálogos de Linklater, é possível identificar que há algo a mais.
Sobre o que difere Jesse e Celine, é perceptível que as ambições de ambos se intensificam ao longo da trilogia. No começo de sua história, por serem dois jovens apaixonados, eles não possuem outras preocupações a não ser viver a melhor noite de suas vidas. Alguns anos depois e com obrigações impostas inevitavelmente pela vida adulta, os protagonistas expressam os seus maiores devaneios. A francesa reconhece que, após muitos séculos de luta feminina, deve se concentrar em fazer algo importante que ressoe e mude o mundo. Seguindo o caminho oposto de sua amada, ele opta pelo simples: apenas viver uma vida recheada de romance com Celine. É isso que vemos, de uma forma nada maniqueísta, nos três filmes; mais uma vez, não há um lado que seja o correto, o espectador leva em conta os argumentos de ambas as partes.
Seria um erro tratar do fechamento da trilogia sem mencionar os dois filmes anteriores. No apaixonante Before Sunrise, na casa dos 20 anos, dois jovens se encontram em uma viagem de trem. Indo para caminhos opostos, eles se interessam um pelo outro e decidem abandonar o transporte e passar o dia em Viena. Após um dia marcado pelo amor à primeira vista, Jesse e Celine decidem se reencontrar exatamente seis meses depois do primeiro encontro. Já em Before Sunset, o queridinho dos fãs e o mais árduo de se assistir, o escritor está em Paris para uma sessão de autógrafos da sua turnê de lançamento de um novo livro. Ela, que mora na cidade, decide visitá-lo. Jesse precisa pegar um avião, mas, ao ver a amada, opta por passar suas últimas horas na França caminhando com o seu primeiro e único amor.
Inclusive, isso é o que torna esses três filmes tão especiais: uma câmera, dois atores comprometidos com os seus respectivos personagens e uma bela direção com cortes ininterruptos. Por conta do roteiro de Richard Linklater, que é o ponto alto da trilogia, os telespectadores são transportados para o ambiente europeu por algumas horas. Os longas do diretor são aclamados justamente pelo seu texto impactante, dito muitas vezes de forma sútil, mas que fica e se espalha pelo imaginário popular. Quem nunca ouviu a frase “Não se pode substituir ninguém, porque todo mundo é uma soma de pequenos e belos detalhes” e se perguntou de qual filme era aquela citação? Ou, até mesmo, o seguinte pensamento de Celine: “Acho que, quando você é jovem, acredita que conhecerá muitas pessoas com quem se conectará, mas, mais tarde, perceberá que isso acontece apenas algumas vezes”.
O ponto é que as pessoas amam Jesse e Celine pois se veem neles ou porque gostariam de ser como eles, de viver o que eles viveram. Aliás, grande parte da identificação do público com os protagonistas é devido ao trabalho espetacular de Julie Delpy e Ethan Hawke. Em Antes da Meia-Noite, os atores se juntam ao diretor para escrever os personagens principais, algo que não é recorrente na indústria de Hollywood. É por isso que a trilogia Before pode ser considerada única aos olhos de quem a vê: nela, o importante é a mensagem, o amor e os seus desdobramentos, abordar de uma forma tão específica e singular um sentimento que é universal, mas que pertence a apenas dois seres humanos que decidiram se conhecer profundamente em uma tarde em pleno verão europeu.
Obras românticas existem aos montes. No entanto, assim como na vida real, há momentos da Arte que possuem a incrível capacidade de nos marcar de uma forma inexplicável. Não tem explicação, apenas sentimento. Anos serão vividos e as pessoas ainda irão comentar sobre a trilogia que tem diálogos ‘diferentes’ dos convencionais filmes de romance. Um texto sequer poderia descrever o que é a experiência de, pela primeira vez, acompanhar conversas frenéticas e cheias de vida entre duas pessoas que se amam. Porém, é preciso tentar dissecar o amor de Jesse e Celine para compreender o porquê da existência desses dois personagens é tão necessária para a cultura pop.
De volta para a Grécia, país em que se localiza o terceiro longa, vemos um casal no início de seus 40 anos tentando reviver a chama que possuíam no verão de 1994. De férias na casa de amigos, os protagonistas discutem sobre o amor pela ótica de gêneros, ou seja, como homens e mulheres enxergam e vivem as diferentes camadas do sentimento amoroso. Há uma cena em que é reforçada a diferente preocupação acerca de suas prioridades; se um homem ficasse em coma e acordasse anos depois, ele se perguntaria sobre o seu pênis, caso fosse uma mulher nessa situação, ela ficaria preocupada e perguntaria sobre os seus entes queridos. Esse é o ponto chave do embate entre Jesse e Celine: o que eles abandonaram em troca do amor que possuíam um pelo outro.
É visível pela atuação de Delpy que sua personagem está cansada. Por ser uma desbravadora do novo, ao cair na mesmice com Jesse, ela vive em uma eterna fadiga. Tudo se torna chato e indiferente para ela. A conversa sobre amor pelo território europeu foi trocada por obrigações de pais: após o nascimento das gêmeas, a interação entre eles se concentrou no dever de cuidar de outros dois seres humanos. Devido à sólida construção dos protagonistas nos dois primeiros filmes, Linklater faz com que o seu público reconheça o esgotamento de ambas as partes acerca do que compreende o acordo matrimonial e as suas implicações. Então, eles decidem tirar uma noite a sós para descansarem depois de inúmeros anos de intermináveis obrigações.
O acerto de contas prevalece em relação ao descanso, o que prepara lentamente o espectador para o choque entre os protagonistas nesse determinado ponto da história. Em Before Midnight, há a impressão de que Jesse e Celine estão prestes a explodirem um com outro, já que as ambições de ambos – algo que pode ser visto ao longo da trilogia – são incompatíveis. Aliás, a escolha do quarto de hotel como espaço para a discussão do casal pode, de certa forma, representar o estado da relação dos personagens naquele momento: pequeno e sufocante, o cômodo não comporta os assuntos inacabados deles, o que deixa o atrito mais fervoroso e interessante de se assistir.
O casal, que antes era marcado por ser único, agora é universal e se adequa à normalidade: eles se machucam a todo momento, com o objetivo de, no final, ter um vencedor. Porém, o que torna única essa terceira experiência é a forma como Jesse e Celine estão certos e errados na mesma proporção. O diretor e os atores trazem frescor a um assunto extremamente batido e abordado na cultura pop, a famosa ‘DR’ entre casais. Todo aquele encanto sentido em Viena e o reencontro inesquecível vivido em Paris se perdem em pleno território grego.
Em questão de segundos, a protagonista percebe – e aqui a interpretação é subjetiva – que o amor é mortal e efêmero, mas que também é profundo e verdadeiro. Celine e Jesse se estressam constantemente um com o outro e, em certos pontos, parece que se odeiam. No entanto, ambos reconhecem a preciosidade de seu amor, fazendo com que as adversidades – ainda que dolorosas – sejam meros obstáculos no lindo caminho construído durante esses anos todos.
Finalizando o terceiro ato do último capítulo do casal, Richard Linklater se afasta com a câmera de uma forma progressiva para que o público sinta e perceba o quão próximo se sentiu com esses personagens. A frase “Deve ser uma noite das boas que estamos prestes a ter” encerra a trilogia e dá margem para inúmeras interpretações: eles ficaram juntos ou se separam? O casamento se tornou monótono ou eles ainda conseguiram encontrar as particularidades um do outro?
Para a trilogia Before, o final nunca foi o motivo, mas sim a jornada. O caminho percorrido por duas almas com seus respectivos mundos foi lindo e único de se acompanhar. Com o aniversário de 10 anos de Before Midnight e todos os conceitos abordados no filme, Jesse e Celine deixam para a Sétima Arte o retrato de todas as camadas do amor: a paixão ardente, o pensamento constante no outro, o afastamento e reencontro de almas gêmeas. Além da adequação do romance vivido por eles à normalidade monótona pela qual todos os casais eventualmente irão passar, o que sintetiza o filme de 2013. Assim, acontece o encontro singular de dois mundos que, graças ao destino, colidiram e deram ao Cinema a mais bela experiência amorosa que um ser humano poderia pensar em ter e assistir.