A Semente do Fruto Sagrado planta um bom roteiro em solo fértil

Longa-metragem alemão, A Semente do Fruto Sagrado concorre a Melhor Filme Estrangeiro na 97ª edição do Oscar (Foto: Films Boutique)

Jamily Rigonatto

Frondosas e firmes, as figueiras são vistas em todo o mundo como uma representação da longevidade. Com frutos adocicados e nutritivos, os figos, remete a aconchego, segurança e estabilidade. No islamismo, um juramento é amplamente conhecido pelos seguidores da religião “pelo figo e pela azeitona”, um simbolismo da importância de respeitar o sagrado. Esse elemento estimado por diversos povos está presente no título de um dos concorrentes a Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2025, mas, ao contrário do esperado, A Semente do Fruto Sagrado mostra que a colheita nem sempre é boa.

Contando a história de uma família Iraniana de classe média alta, o longa-metragem expõe um desencontro no pensamento geracional. Com Iman (Missagh Zareh), o patriarca do núcleo familiar, sendo promovido a investigador e tendo que assinar processos cuja punição são penas de morte, a pacata vida da mãe Najmeh (Soheila Golestani) e das filhas Sana (Setareh Maleki) e Rezvan (Mahsa Rostami) ganha um tom de reviravolta.

Ao contrário do que a sinopse sugere, a narrativa de The Seed of the Sacred Fig – nome original da produção – é surpreendentemente convidativa. Longe de ser mais um filme sobre relações de parentesco desgastadas pelo dia a dia, a obra escolhe retratar como as divergências religiosas, políticas e morais podem gerar violência dentro de uma casa. Além da escolha de roteiro ousada assinada por Mohammad Rasoulof, destaca-se a maneira que é conduzida, prendendo o telespectador que fica permanente tenso à espera do desenrolar dos acontecimentos.

O diretor de A Semente do Fruto Sagrado Mohamed Rasoulouf passou meses preso no Irã e atualmente está exilado na Alemanha (Foto: Films Boutique)

Em pouco tempo, a promoção de Iman no trabalho passa a inserir certo afastamento na rotina da família, até o ponto em que o sumiço da arma de autodefesa do homem dentro da própria residência cede o último fio de confiança entre eles. A partir desse momento, as mulheres da casa recebem um tratamento adverso, sem poder reivindicarem ou expressarem as suas vontades.

As filhas são jovens que passam por um momento de transição e, entre toda a violência policial que fere os responsáveis pelas manifestações contra o regime de traços ditatoriais vigente no Irã, estão adquirindo pensamento libertários próprios e querem se expressar de uma maneira distinta, inclusive tirando o Hijab – vestimenta obrigatória para o gênero feminino na República do Irã. No entanto, são tolhidas dessas ideias pelo pai, que reaje de uma maneira cada vez menos flexível.

A grande sacada do longa-metragem é a forma de guiar a progressão dos eventos. No início, a família simpática cativa quem está assistindo, de forma a criar certa empatia entre o nós e o eles. Assim, o desvio de comportamento de Iman vem como um elemento inesperado capaz de assustar o mais desconfiado dos telespectadores. Um grande feito da atuação de Zareh, que transmite cada passo da perda de seus princípios e ideais sobre a integridade da vida. 

A atuação das jovens irmãs é um dos pontos positivos de A Semente do Fruto Sagrado (Foto: Films Boutique)

Mudanças sociais e políticas impactantes vêm de elementos encarados pelo conservadorismo como rebeldia. Em A Semente do Fruto Sagrado isso não é diferente, mas mostra o quanto a rigidez moral é violenta de um lado só: o que prega a paz religiosa. O concorrente de Ainda Estou Aqui na corrida do Oscar pode não ter uma carga dramática tão sensível quanto, mas se mostra um dos enredos mais completos do jardim de filmes internacionais dos últimos anos. Entre força política e desesperança, o longa-metragem prova que ignorar a subversão da juventude é andar para trás.

Por falar na maior premiação do Cinema, vale lembrar que a disputa não é só contra o título brasileiro, mas também com A Garota da Agulha, Flow e o polêmico Emilia Perez. No Globo de Ouro desse ano, a obra foi indicada na mesma categoria, além de ter recebido o prêmio especial do júri no Festival de Cannes em 2024, se tornando um nome com grandes possibilidades de projeção no mercado dos prêmios cinematográficos.  

Segundo a ONU, de setembro a novembro de 2022 mais de 14 mil pessoas foram presas nos protestos do Irã (Foto: Films Boutique)

Em alguns momentos, a obra é gráfica e cruel, usando a violência como um elemento nem um pouco censurado. Alguns vídeos apresentados na televisão ou nos celulares das jovens irmãs são, inclusive, cenas reais das manifestações que ocorreram no país. Essa visão criativa tira pontos da sensibilidade, os colocando em massa no tom de denúncia. Algo que não desagrada, mas deixa o público com uma sensação de impotência desoladora.

Outro ponto a ser destacado é a fotografia, dirigida por Pooyan Aghababaei, que, em partes, consegue ter enquadramentos precisos em expressões faciais e movimentos essenciais para a leitura da narrativa. No entanto, por vezes, parece um pouco amadora, deixando a estética em segundo plano e a pouca modulação cênica bastante evidente. Não é o tipo de prejuízo irremediável, mas quando se pensa no que é avaliado pela Academia, pode pesar.

Necessário, A Semente do Fruto Sagrado tem irreverência na dose certa e uma sequência que mistura elementos dramáticos, suspense e realidade com uma destreza admirável. Longe das disputas por uma certa estatueta dourada, o filme merece a atenção de públicos de todo o mundo. Lembrar que diversas pessoas são torturadas e presas por quererem sua independência de pensamento, comportamento e direcionamento política alerta: nem toda semente germina para alimentar, em alguns casos, ela suga o que há de bom no solo e cai como uma praga

 

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