Davi Marcelgo
Quais as formas existentes para explicar uma personagem? O que pode ser usado para defini-lo? Talvez, dizer que Andy (Anne Hathaway) de O Diabo Veste Prada (2006) é uma assistente e Woody (Tom Hanks) de Toy Story (1995) é um brinquedo. Afinal, em um mundo capitalista, narrativas e identidades são construídas por meio de profissão e utilidade. Em A Perfect Love Story (Where Nothing Goes Wrong or Does It…?) – (Uma História de Amor Perfeita Onde Nada dá Errado ou Dá…?, em tradução livre) –outras características vão definir as personagens desta história. Dirigido, produzido e escrito por Emina Kujundžić, o longa bósnio ganhou vida por meio de financiamento coletivo e doações privadas.
No filme, uma roteirista encontra um produtor, que não gosta dos escritos e questiona os papéis das protagonistas. A escritora rebate explicando características da personalidade, mas sem responder o que o homem queria: que raios os humanos desta história fazem da vida? Descobrimos que nada fazem, apenas vivem e são muito diferentes. O casal protagonista não possui nome – nos créditos, são mencionados comoCabine “Ele” (Victor Bessière) e “Ela” (Enisa Njemčević) – tampouco profissão, para Kujundžić, basta o que amam e o que pensam. A partir disso, a diretora constrói seu road movie ao passo em que desconstrói algumas ideias sobre Cinema.
É comum se deparar com comentários em redes sociais que dizem ‘Tal cena é desnecessária’, o que não podia estar mais equivocado, porque tudo tem propósito dentro da unidade fílmica; não existem apenas fragmentos aleatórios de Fotografia, trilha sonora e outros elementos técnicos. Inclusive, ‘crítica técnica’ não existe, tudo é narrativa, ao menos que você escreva algo sobre a qualidade da marca de violinos para uma Música. Se a máxima arbitrária de inutilidade fosse aplicada, A Perfect Love Story seria dispensável. Ora, o amor também não é irrelevante no sentido utilitário de nossas vidas?
No filme bósnio, há rolos de emulsão fotográfica dedicados a contemplar a paisagem, ouvir sons ambientes e captar a experiência boêmia de Ele. As cenas, que parecem sem propósito, são sobre os pontos de vistas do casal: contra-lei e em dissonância, um querendo uma vida libertina e outro com responsabilidades familiares. Porém, para de fato conhecê-los, não basta saber nomes ou ocupações, mas sonhos e problemas que só são apresentados depois do espectador dividir um tempo com eles. O longa de estreia de Emina Kujundžić confronta a lógica comercial do mercado cinematográfico e a necessidade de rapidez.
Entretanto, nas contradições que a vida traz, Ela não pode desfrutar da vida sem responsabilidades e sentidos utilitários, sua família depende dela, momento em que a roteirista aproveita para traçar comentários sobre papéis masculinos e femininos pré-estabelecidos. Há leis que precisam ser seguidas para o sistema funcionar e há regras para um casal estar junto. Embora alguns erros estejam no caminho, a história de amor não é menos perfeita por isso. Portanto, ainda que despedido de planos ambiciosos, A Perfect Love Story não é menor dentro do que quer ser.
O Cinema tem suas próprias leis, por muitas vezes, reféns de estúdios e do dinheiro para existir, porém, quando livre, pode ser aquilo que é, sem se justificar ao público. Assim como suas personagens, seria Emina Kujundžić apenas dependente de suas convicções de Arte e os seus quadros precisam ser mais do que apenas devaneios? A resposta pode ser encontrada, ironicamente, no diálogo de um blockbuster: Duna (2021); quando Paul Atreides (Timothée Chalamet) diz ao pai, Leto Atreides (Oscar Isaac), que o futuro da Casa Atreides pode não ser seu destino. O pai responde que, caso seja a realidade, “ainda será a única coisa que já precisei que fosse. Meu filho.” A Perfect Love Story (Where Nothing Goes Wrong or Does It…?) apenas precisa ser um filme e, quando questionados sobre quem são Ele ou Ela, a resposta será qualquer uma que não suas funções.
A Perfect Love Story — Trailer Oficial (Brasil)