Ana Laura Ferreira
A genialidade é algo difícil de ser dimensionada. Por vezes críticos e especialistas rotulam o valor artístico de uma produção, que sendo arte transcende qualquer medida estipulada e impacta de forma única em cada um que tenha acesso a ela. O equívoco desta etiqueta é eventualmente julgar uma obra como ruim, quando na verdade ela só está à frente de seu tempo. E foi assim, dividindo a crítica da época, que a banda Queen lançou seu quarto álbum em estúdio no ano de 1975. A Night At The Opera é considerado, hoje, como uma das obras primas da história da música, mas a excêntrica genialidade de seus ingredientes a fez ser questionada na conservadora década de 70.
Muito mais do que apenas uma noite de ópera, o disco nos leva por uma sensorial viagem entre as mais diversas fases, gêneros e segmentos do teatro. Apesar da sonoridade elementar e inovadora, que se utiliza de componentes não usuais, essa mistura extrapola os limites da imaginação criando uma montanha russa de emoções a quem a escuta. As variações migram entre a comédia juvenil entoada em I’m In Love With My Car e caminham em direção grande epopeia do rock que é Bohemian Rhapsody.
O disco, responsável por definir a estética sonora da banda a partir de então, deixa para trás – mas não totalmente – o rock metálico para embarcar de vez no Glam Rock. Sua combinação, apesar de heterogênea, consegue construir um álbum coeso e interligado por uma composição que se ampara em atos. Apesar de não conseguirmos dividir de forma tão clara cada uma das diferentes fases do disco por serem tantas, sua abertura, assim como seu encerramento, deixam explícitas a grandiosidade da obra, por pouco, teatral.
A inspiração que levou a banda a dar o pomposo nome de A Night At The Opera para o disco veio do filme homônimo dos irmãos Marx, de 1935. O longa, eleito pela American Film Institute como uma das 100 melhores comédias de todos os tempos, ficando com a 12ª posição, não se assemelha em nada com as narrativas contadas no álbum. Ainda assim seu espírito se faz presente, mesmo que apenas como uma pitada cômica.
E apesar de toda influência externa trazida para dentro do disco, ele mantém características bem pessoais de cada um dos integrantes do Queen. O cuidado para que suas personalidades não desaparecessem em meio às dezenas de referências fica claro desde a escolha das músicas, ao selecionarem composições de todos os membros da banda, até o processo de masterização do disco, feito por eles próprios em parceria com o produtor Roy Thomas Baker. Assim, em meio a tantos detalhes, escolhidos a dedo para construir uma obra com identidade própria, até a capa foi feita pessoalmente por Freddie Mercury ao unir os símbolos referentes ao signos do zodíaco de cada um dos integrantes.
Dos diferentes caminhos pelos quais o disco se aventura, 39’ talvez seja o mais inusitado deles. A composição de Brian May sobre uma viagem em direção ao amanhã azul, no ano de trinta e nove, em concomitância com a sonoridade perfeita para embalar essa jornada, fazem dela uma história de ficção científica ao nível de Aldous Huxley. Entretanto, o futurismo trazido pela canção é logo quebrado por Seaside Rendezvous e sua marcante característica retirada das populares apresentações Vaudeville do início do século passado.
Seguindo por uma sequência cada vez mais grandiosa, o álbum se depara com uma canção apocalíptica de oito minutos. O sentimento alarmante e premonitório que embala The Prophet’s Song apenas reafirma sua grandiosidade, em especial quando esta se conecta a sua sucessora, criando uma bela antagonia entre a impiedade e a clemência. Love of My Life abre caminho para uma diferente sensação de urgência, migrando da conservação para o coração partido.
Faz parte da coletânea escolhida para construir A Night At The Opera o maior hino da banda e também a música pela qual todos a conhecem: Bohemian Rhapsody. A melodia que combina o rock a um coral de 100 vozes, trazendo influências de diferentes gêneros e entoando em diversas línguas, fazem dela uma mistura inusitada que só poderia ter saído da mente de Mercury. Mística, fantasiosa, mas ainda assim palpável, a canção, escolhida pela BBC como o mais importante videoclipe da história do rock, rege um espetáculo completo, com diferentes atores, personagens e cenários.
Quem mais além do Queen teria poderio suficiente para encerrar um álbum com nada mais do que sua própria versão do hino britânico? God Save The Queen é apenas uma pequena cereja no topo desse delicioso bolo, colocada ali não só como uma reafirmação da grandiosidade do disco, como pelo simples motivo ambíguo de seu nome. O encerramento luxuoso não destoa nem um pouco das outras canções, apenas adicionando mais uma camada temática a essa estrutura tão complexa.
Em seu aniversário de 45 anos, A Night At The Opera deixa claro que é muito mais do que apenas um disco. Ela é a junção singular de ingredientes que só poderiam ser unidos por um conjunto específico de músicos. Sendo, provavelmente, o álbum mais importante da carreira do Queen, sua magnitude não se restringe a questões técnicas ou ao uso exagerado de elementos, mas sim a possibilidade de criação de narrativas únicas que se combinam nas esferas musicais, mas se mantêm independentes, funcionando de acordo com o gosto de quem as escuta.