Anna Clara Leandro Candido
Em comemoração aos dez anos do lançamento da trilogia Jogos Vorazes, Suzanne Collins presenteou os fãs com um prelúdio da vida do presidente Coriolanus Snow. O novo livro traz a mesma escrita envolvente que seus antecessores, ainda que mais madura, e apresenta ao leitor uma Panem pós-guerra, vista através dos olhos de um morador da Capital. O livro desenvolve uma discussão filosófica iluminista ao mesmo tempo em que narra os fatos e caminhos que levaram o jovem Snow a ser o tirano que governa o país na trilogia original, dando aos fãs muito sobre o que refletir.
A história apresenta Coriolanus Snow com 18 anos tentando colocar comida na mesa para sua prima e avó, enquanto mantém as aparências de uma antiga e respeitada família da capital. Os Snows perderam toda sua fortuna depois que o Distrito 13 foi destruído e agora dependem do sucessos de Coriolanus como mentor na 10° edição dos Jogos Vorazes para recuperarem o mínimo do conforto que tinham. Mas ele percebe que a sorte não está a seu favor quando se vê designado ao tributo considerado o mais fraco na arena, a garota do Distrito 12, Lucy Gray Baird.
É durante a mentoria dos tributos que a filosofia e objetivos que originaram o massacre anual de 24 crianças são apresentados aos leitores e a Coriolanus. Um jovem ambicioso, manipulador e arrogante, mas que ainda se importa com as pessoas mais próximas a si, um fato surpreendente se levar em consideração o presidente tirano e sanguinário que foi apresentado nos livros anteriores.
Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, em nenhum momento Collins procura fazer de Snow uma pessoa boa e justa da qual os fãs pudessem gostar. Seus pensamentos mais profundos e sórdidos estão presentes desde a primeira página, seu caráter egocêntrico faz parte de cada uma de suas decisões. Mesmo em atos mais benevolentes, a simples ordem na qual suas reflexões são apresentadas mostram quais foram seus verdadeiros motivos ao realizá-los ,o que realmente importou para ele.
Deste modo, a autora trilha o caminho que levou Snow à presidência. Ela utiliza das relações dele com os personagens ao redor para lapidar suas crenças e ideais. Principalmente na interação dele com Lucy Gray, sua relação de tributo e mentor desenrola-se em diversas camadas e, a partir delas, são introduzidos debates advindos da filosofia iluminista. As ideias criadas por Thomas Hobbes e John Locke são as bases para os personagens Snow e Lucy respectivamente. Assim, no decorrer do livro pode-se notar atitudes ou conversas que constroem a representação dessas filosofias. Para que no fim, tanto a Capital e os Distritos quanto os dois personagens possam ser vistos como figuras representativas delas.
É também através desses embates que a obra ressignifica muitos dos principais símbolos da trilogia original. O tordo, os gaios tagarelas, as rosas, as canções No Fundo da Campina e A Árvore Forca ganham uma nova importância e significados mais profundos. Eles fazem com que todos os livros anteriores possam ser relidos com uma nova visão. Portanto, ao contrário da trilogia original os Jogos Vorazes não são o foco deste livro, tanto que a 10° edição só tem início no meio da obra, podendo desagradar alguns fãs que esperavam por mais ação e violência.
Por outro lado, o trabalho meticuloso de Suzanne Collins para apresentar o passado tanto de Panem quanto do presidente Snow é inovador para a saga, traz reflexões complexas que, por conta da necessidade dos personagens em sobreviver aos Jogos, não puderam ser aprofundadas ou bem trabalhadas anteriormente. Mas agora receberam um novo palco, repleto de planos, mistérios, personagens novos, mentiras e traições, que agradou os antigos fãs ao mesmo tempo em que honrou o legado da saga.