48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: entre telas, trânsito e tesouros

O evento aconteceu entre os dias 17 e 30 de Outubro, com direito a exibição de Ainda Estou Aqui (2024)

Pôster da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com uma ilustração criada por Satyajit Ray em tons terrosos. A imagem central representa uma cena interior com três figuras humanas. No primeiro plano, à direita, duas pessoas estão sentadas no chão; uma delas parece estar penteando o cabelo da outra, com gestos suaves e intimistas. No fundo, uma terceira pessoa está sentada mais distante, observando ou participando de uma interação sutil com as outras figuras. A ambientação sugere uma cena doméstica ou cotidiana, com paredes e sombras que adicionam profundidade à composição. No centro do pôster, há um símbolo estilizado que lembra uma flor em vermelho e verde, contrastando com os tons suaves da ilustração.
A abertura oficial do festival contou com a exibição do longa-metragem Maria Callas, dirigido por Pablo Larraín e protagonizado por Angelina Jolie (Foto: Mostra SP)

Henrique Marinhos

A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dirigida por Renata Almeida, é um dos maiores e mais prestigiados eventos do calendário cinematográfico nacional. Neste ano, a 48ª edição do festival aconteceu de 17 a 30 de outubro, e celebrou a Sétima Arte em toda a sua diversidade. Desde a 44ª Mostra, o Persona tem o privilégio de acompanhar e cobrir essa jornada.

Com mais de 400 títulos de 82 países na programação, cada sessão parecia uma escolha calculada que trazia uma conexão implícita com aqueles que buscavam assistir aos mesmos filmes que você. Ao longo dos dias, o festival enriquece a cidade de São Paulo como um epicentro de cultura, discussão e inovação cinematográfica entre as poltronas e intervalos das sessões.

No entanto, assistir a três filmes em três locais diferentes em um único dia pelos cinemas de uma megalópole não é tarefa simples (contagem ilustrativa considerando o humanamente possível). A logística entre duração dos longas, trailers, tempo de deslocamento, trânsito e o dilema entre metrô ou carro fez da experiência quase um fluxograma – muito semelhante a atravessar os palcos de um festival de música em busca da grade dos melhores shows. Essa complexidade não diminui o prazer de estar ali, pelo contrário, cada sacrifício é recompensado ao sentar-se em frente à tela e vivenciar histórias em que apostamos tanto.

Painel com fotos de diversos rostos da equipe projetados em um telão durante a cerimônia da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Abaixo, Serginho Groisman e Renata Amaral
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo teve sua origem em 1977, idealizada pelo crítico Leon Cakoff, responsável pelo departamento de Cinema do MASP (Foto: Mario Miranda Filho)

Para um evento que já está em sua 48ª edição, poderíamos ter sido poupados de algumas frustrações, como sessões extremamente disputadas que não tiveram um esquema de venda claro e, em algumas ocasiões, sem aviso prévio ou com regras instáveis. Considerando que, a essa altura, esse tipo de situação poderia ter sido prevista e prevenida, em contrapartida à remediação que tiveram de adotar.

Ainda assim, a Mostra é única em oferecer um espaço para filmes novos, muitos dos quais não terão distribuição comercial ampla. A oportunidade de assistir a essas produções, ao lado dos próprios realizadores, faz da experiência inestimável. A presença de atores, diretores, produtores e membros da equipe de produção só enriquece nossa relação com as obras, trazendo um novo nível de profundidade ao ato de ir ao cinema.

A imagem mostra o espaço Petrobras na Cinemateca Brasileira, uma grande sala de cinema com fileiras de cadeiras de madeira estilo espreguiçadeiras, onde o público está sentado, aguardando o início da sessão. No primeiro plano, várias pessoas estão sentadas, algumas em conversa e outras olhando para frente. À esquerda, um homem de jaqueta verde e chapéu está relaxado em sua cadeira, enquanto outros ao lado interagem entre si. O público ao fundo ocupa quase todas as cadeiras disponíveis. As paredes são pretas, e banners com logotipos e informações do evento estão pendurados nas laterais. O espaço é iluminado por luzes focais no teto, criando um ambiente adequado para a exibição de filmes.
Em suas primeiras sete edições, os filmes selecionados pela Mostra SP precisavam ser submetidos à aprovação prévia dos censores durante a Ditadura Militar (Foto: Mario Miranda Filho)

O encerramento do evento, comandado com familiaridade por Serginho Groisman e Renata Almeida, foi repleto de momentos de afeto e celebração. Walter Salles e a equipe de Ainda Estou Aqui, um dos grandes favoritos ao Oscar, receberam seus prêmios em uma cerimônia que reconheceu o talento e o esforço de seus participantes. Em seu discurso, o diretor destacou: “O filme nunca está pronto, ele se completa no olhar do outro, no olhar de vocês“. 

Apesar de apressada em alguns momentos, tentando justa e rigorosamente cumprir horários, a cerimônia conseguiu oferecer uma boa dose de emoção. Não só presencial como remotamente, com mensagens em vídeo de diretores internacionais que não puderam comparecer. Com poucos lugares marcados na plateia geral, com exceção dos lados do palco, o público pôde acompanhar a premiação nas primeiras fileiras, na frente até mesmo de alguns premiados.

Foto dos jurados da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Thierry Méranger, Gonçalo Waddington, Hebe Tabachnik e Mohsen Makhmalbaf. Thierry Méranger, à esquerda, é um homem de meia-idade, com barba e cabelo ralo, vestindo um terno preto e camisa branca, sem gravata. Ao lado dele, Gonçalo Waddington, de cabelos cacheados e volumosos, veste uma camisa clara com estampa discreta. Hebe Tabachnik, terceira da esquerda para a direita, é uma mulher de cabelos escuros, volumosos e cacheados; ela veste um terno preto e usa brincos grandes e um colar. À direita está Mohsen Makhmalbaf, um homem mais velho, de rosto sério e cabelo curto, sem barba, usando um terno preto e camisa preta. Eles estão posicionados em frente a uma parede de tijolos, alinhados lado a lado.
A nova seção do festival é a Mostrinha, dedicada exclusivamente ao público infantil com 22 obras (Foto: Edu Tarran)

Os longa-metragens da seção Competição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri. Formado pela atriz brasileira Camila Pitanga (que infelizmente não pôde comparecer), pelo ator e cineasta português Gonçalo Waddington, pela curadora e produtora Hebe Tabachnik, pelo produtor Kyle Stroud, pelo diretor e escritor iraniano Mohsen Makhmalbaf e pelo crítico de cinema francês Thierry Meranger. 

O público da 48ª Mostra também desempenhou um papel fundamental na seleção dos filmes premiados. Após cada sessão, os espectadores recebiam uma cédula para avaliar o filme assistido numa escala de um a cinco. As notas atribuídas foram compiladas para determinar seus favoritos, tanto entre os longas internacionais quanto entre as produções brasileiras. 

Denise Fernandes, diretora do filme Hanami, fala ao microfone no palanque da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ela é uma mulher negra de cabelos cacheados escuros e longos, vestindo um suéter claro com textura. Denise segura um troféu ao falar ao microfone, com um sorriso leve e uma expressão de concentração. O palco tem um fundo escuro, destacando a oradora.
O BRADA, que tem prêmio dedicado no evento, é um coletivo de Diretoras de Arte do Brasil que pretende unir mulheres, pessoas trans, não bináries e quaisquer outras formas de expressão de gênero minoritárias (Foto: Mario Miranda Filho)

Além do júri oficial e da votação popular, a imprensa especializada presente no evento contribuiu para o reconhecimento das obras em destaque. Críticos de Cinema avaliaram os filmes exibidos e concederam o Prêmio da Crítica às produções que mais impressionaram. A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema – também participou desse processo, elegendo o melhor filme nacional.

Outras iniciativas foram o Prêmio Paradiso, que ofereceu apoio à distribuição nos cinemas para o filme da seção Mostra Brasil que recebeu a maior votação do público, garantindo sua estreia nas telas nacionais. Já o Prêmio Brada reconhece o trabalho de direção de Arte que se destacou, visibilizando esse ofício na criação da atmosfera e estética. Pela segunda vez, a Netflix entregou um prêmio no festival, concedido a um filme brasileiro participante que ainda não tinha contrato com serviços de streaming. Esses e outros vencedores ficaram marcados para sempre na história da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Francis Ford Coppola, sorrindo, segura um troféu em forma de espiral ao lado de Renata Almeida, diretora da Mostra. Coppola, um homem mais velho, com cabelo grisalho e barba branca, veste um terno branco com camisa e gravata vermelha com padrão xadrez. Ao seu lado, Renata Almeida, uma mulher de cabelos castanhos escuros presos, usa óculos de armação fina e veste um vestido escuro com aparência metálica. Ela sorri para Coppola enquanto segura o troféu. Ambos estão em roupas formais durante a cerimônia de premiação da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com um banner do evento ao fundo.
Coppola é tio do Nicolas Cage (Foto: Mario Miranda Filho)

Logo após a premiação, um dos momentos mais esperados da noite foi a exibição de Megalopolis, apresentada – pessoalmente – por Francis Ford Coppola. Antes do play, Coppola brincou: “Antes de me premiar, vocês deveriam ter assistido ao filme“. O diretor recebeu o prêmio Leon Cakoff, pelo seu “papel visionário, sua arte da desmesura e a fé no Cinema que ultrapassa o tempo”. 

O festival terminou de maneira simples, mas significativa. Os créditos subindo, as luzes se acendendo e o público sendo convidado para um coquetel na Cinemateca Brasileira. O Persona, mais uma vez, marcou presença com uma cobertura dedicada, produzindo 35 críticas distribuídas nas diferentes seções: Uma crítica na Retrospectiva, uma na seção Apresentação Especial, 12 críticas nas seções Perspectiva Internacional e Mostra Brasil, e 8 críticas na seção Competição Novos Diretores. Os autores que participaram dessa cobertura, tanto online quanto presencialmente, foram: 

Davi Marcelgo (Onda Nova – Gayvotas Futebol Clube; Eu Vi o Brilho da TV; Maria Callas; No Céu da Pátria Nesse Instante; Oeste Outra Vez; Anora; Persona Entrevista: Davi Pretto, Olívia Torres e Paola Wink; Enterre Seus Mortos; Baby); Guilherme Moraes (Ubu; O Senhor dos Mortos; Não Sou Eu; Através do Fluxo; O Brutalista; Os Enforcados; Tudo Que Imaginamos Como Luz); Henrique Marinhos (Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais; La Pampa; Lispectorante; Uma Terra Deixada para Trás; O Pardal na Chaminé; Corações Jovens); Nathalia Tetzner (Bangarang; Bicho Monstro; Sob O Céu Cinzento); Vitória Borges (Precisamos Falar; Continente; Zafari); Guilherme Veiga (Um Homem Diferente; O Planeta Silencioso); Jamily Rigonatto (Sem Vergonha; O Palhaço de Cara Limpa; A Procura de Martina); e Guilherme Machado Leal (Os Maus Patriotas; Ainda Estou Aqui).

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