Guilherme Hansen
O cinema dos anos 1980 é famoso por inúmeros filmes de grande sucesso, verdadeiros clássicos que permanecem na memória do público e que até hoje exercem influência na chamada “cultura pop”. Vários desses filmes cult são direcionados ao público adolescente e têm seus roteiros ou a direção assinadas por John Hughes.
Nascido em 1960, ele começou sua carreira como diretor de criação da agência de publicidade Leo Burnett e foi colaborador da extinta revista de humor National Lampoon. No entanto, é claro que foi em Hollywood onde ele realmente marcou história. Alguns dos maiores sucessos do diretor são: “Gatinhas e gatões”, “A garota de rosa shocking“, “Mulher nota 1000”, o aclamado “Clube dos cinco” e o não menos célebre “Curtindo a vida adoidado”, que completou 30 anos de lançamento no dia 11 de junho.
A história deste último filme é bem simples. Ferris Bueller (Matthew Broderick) é um adolescente que está no último ano do colegial e deseja faltar da escola simplesmente para se divertir. Para isso, ele finge estar doente para seus pais, que assim o permitem ficar em casa sem desconfiarem da mentira do filho. Tudo seria perfeito se não fosse a implicância de sua irmã Jeannie (Jennifer Grey) e a perseguição implacável do diretor da escola em que estuda, Edward Rooney (Jeffrey Jones), que tenta capturá-lo a qualquer custo.Ferris então usa dos mais variados métodos para fugir do flagrante do diretor e da irmã. Junto com ele, está seu influenciável amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada Sloane (Mia Sara), que se divertem de maneira descompromissada pela cidade de Chicago.
Aparentemente, é uma história boba e trivial. Porém, existem vários recursos que tornam o filme atraente. Um dos mais eficazes é quando o protagonista olha para a câmera: essa técnica produz uma sensação direta de proximidade com o espectador e, no filme, além da intimidade, é criada uma grande empatia entre protagonista e público, que se sente plenamente identificado com as motivações de Ferris para matar aula, por mais “errados” que sejam os métodos que ele usa para alcançar aquilo que almeja. Isso é obtido logo no começo do filme, por exemplo, quando Ferris, ao abrir a janela de seu quarto, logo diz: “Você acha que eu perderia um dia ensolarado como esse enfurnado naquela escola?”.
Aliado a isso, outro fator determinante para a graça do filme é o retrato caricato do diretor Rooney, que, além de se comportar como se estivesse à beira de um ataque de nervos, corre atrás do protagonista até mesmo em sua residência, tamanha a obsessão para pegá-lo burlando aula. Rooney, mais que um diretor rígido, transforma-se no antagonista do filme. Diante de tudo isso, não é difícil torcer para que ele se dê mal, o que acontece de maneira bem humorada.
Contudo, o maior segredo de “Curtindo a vida adoidado” talvez seja a sua mensagem. Diante de tantas incertezas que o futuro reserva, sobretudo na adolescência, na qual ocorrem vários tipos de transformações e decisões para o porvir que devem ser tomadas, qualquer jovem que assistir ao filme se sentirá retratado de alguma forma – afinal, só se é jovem uma vez na vida e não haverá outro momento para aproveitar a vida sem maiores responsabilidades.
A famosa expressão “Carpe diem” (Aproveite o dia, em latim) poucas vezes foi tão bem representada nas telonas. No ápice da obra, Ferris convence Cameron a pegar a Ferrari de seu pai para que eles possam ir até o centro de Chicago, o que acontece apesar do amigo se opor abertamente à ideia, pois sabe do xodó que o pai possui com o automóvel. Após deixarem o carro em um estacionamento público, a turma consegue almoçar num restaurante de alto nível – graças à mais uma peripécia de Ferris, que finge ser “O rei da salsicha de Chicago”-, visitam um museu, assistem a um jogo de baseball (sendo televisionados e por pouco não flagrados por Rooney) e ainda invadem uma parada alemã, onde o protagonista canta “Twist and shout”, grande sucesso dos Beatles, em uma das cenas mais famosas do filme.
Aliás, a trilha sonora da produção é um show à parte. Além da faixa supracitada, bandas como The Smiths e The Dream Academy compõem a parte musical do longa. Apesar disso, a primeira edição de uma trilha sonora oficial será lançada somente neste ano, como comemoração dos 30 anos de estreia do filme. O lançamento está previsto para setembro.
O grande mérito dos filmes que John Hughes produziu e dirigiu é a representação realista dos jovens que criava. Os adolescentes de seus filmes são mostrados com mentalidade semelhante à idade que possuem, no entanto, sem estereótipos. Até são bagunceiros e pensam em sexo em boa parte do tempo, entretanto, também têm fraquezas e necessidade de se sentirem amados, como qualquer outro ser humano. Ao contrário de outros filmes teens, os protagonistas de Hughes são jovens comuns, que frequentemente sofrem bullying por não se encaixarem nos padrões da sociedade, sentem-se inadequados em relação aos outros e têm medos em relação ao futuro.
“Clube dos cinco” marcou época justamente por esse retrato forte, até cru, mas muito verdadeiro da alma jovem. A cena em que os cinco protagonistas sentam em roda e narram o motivo de estarem cumprindo o castigo que gera a história do filme (cujas falas foram improvisadas pelos atores), reflete como ninguém a turbulência emocional que pode ser enfrentada pelos adolescentes. Pressões intermináveis que eles não são capazes de corresponder e rótulos que eles carregam mostram como os jovens sentem-se manipulados e limitados diante da sociedade, que muitas vezes não os compreendem. Um dos possíveis motivos para essa profundidade é que Hughes, segundo consta, tinha um perfil parecido com os de seus personagens: era tímido, nerd e tinha um relacionamento conflituoso com os pais.
Como o próprio afirmou: “Os adultos sempre pareceram como outra espécie pra mim. Eu nunca esqueci o que é ser criança e olhar para os adultos.” (fala reproduzida no livro John Hughes: A life in film – biografia do diretor, escrita por Kirk Honeycutt, sem edição em português).
Outra curiosidade interessante é que o diretor era extremamente perspicaz: ele mantinha cadernos nos quais anotava os diálogos das pessoas nas ruas e que achava interessante, além de ter uma grande capacidade criativa (o roteiro de “Curtindo a vida adoidado” foi escrito em apenas seis dias).
No entanto, apesar de inúmeros acertos, Hughes também cometeu erros gravíssimos em sua carreira. Nos filmes citados, os protagonistas masculinos geralmente agem de maneira machista em relação às garotas que possuem algum relacionamento ou paqueram. O mais infeliz exemplo está em “Gatinhas e gatões”, no qual ocorre uma glamourização do estupro. Em um diálogo extremamente machista, o protagonista Jake (Michael Schoeffling) ao ter a então namorada, Caroline (Haviland Morris), dormindo bêbada em sua cama, afirma, ao dialogar com o “Nerd” (Anthony Michael Hall): “Eu poderia transar com ela quantas vezes eu quisesse.” Ademais, ao estar apaixonado por Sam (Molly Ringwald), pede para o amigo, então também interessado nesta, que ele lhe “dê” Sam, e assim “receba” em troca Caroline, para fazer o que quiser com a garota. Ao levar a namorada para o carro, Jake ainda lança um “aproveite!” para o Nerd.
Pelo contexto, não ocorre o ato do estupro em si mas, ainda assim, é inaceitável um filme tratar o tema de maneira tão irresponsável. Certamente é a maior mancha da carreira de John Hughes, que só foi ignorada devido à falta de conscientização das pessoas quanto ao assunto na época em que o filme foi produzido. Nos dias de hoje, uma cena como essa é imencionável, pois, de modo geral, as pessoas estão mais esclarecidas quanto à cultura do estupro presente na sociedade e que deve ser combatida.
A despeito de suas falhas, Hughes é o responsável por ter falado com milhares de pessoas ao redor do mundo, tanto no passado quanto no presente. Não é incomum jovens dos dias atuais afirmarem que “Clube dos cinco” (eleito o melhor filme do ranking “1000 movies ever” do The New York Times e o número 1 dos filmes “high school” de acordo com a revista Entertainment Weekly) é seu filme favorito, só para citar um exemplo. Morto em 2009, aos 49 anos, vítima de um infarto fulminante, o diretor soube como ninguém falar com seu público de maneira eficiente. Mais do que grandes sucessos, produziu obras atemporais, que sempre serão bem recebidas pelos seus espectadores devido à sua inteligência e precisão artística.
Um tempo, anos 80, em que os jovens podiam se dar ao luxo de terem sonhos, perspectivas e futuro. Hoje em dia, o tempo de qualquer um, jovem ou velho, esbarram no mesmo limbo!! Inexistem futuro, perspectivas ou algo parecido para ninguém. O mundo piorou horrores desde aquela época e ninguém imaginava tal coisa naquele tempo!