Gabriela Abreu e Camila Rodero
(Essa crítica contém spoilers!)
Se você frequentou redes sociais nos primeiros dias depois do lançamento de 13 Reasons Why, é possível que você tenha visto mais alertas de gatilho nesse período do que em uma vida de programas policiais sensacionalistas. O motivo, e na verdade é importante que isso esteja claro, são as temáticas de suicídio na adolescência e estupro.
A produção da série é da Netflix e conta com um jovem ícone da cultura pop: Selena Gomez. A diversidade dos perfis dos personagens contribui para uma identificação do público adolescente com a narrativa.
Hannah Baker, uma menina de 17 anos, decide pôr fim a sua própria vida, deixando para trás sete fitas contendo os 13 motivos que a levaram a essa decisão. A série, protagonizada por Katherine Langford (Hannah Baker) e Dylan Minnette (Clay Jensen) tenta trazer à tona diversos problemas do mundo adolescente, como bullying, abuso sexual, machismo, alcoolismo. Na série acompanhamos Clay em sua empreitada de ouvir às fitas passando pelos momentos descritos pela garota e por suas próprias memórias, através de flashbacks.
Socialização feminina
No piloto é introduzida a primeira fita, e com ela, a primeira problemática importante da série: o modo como se constrói a socialização de meninas no ambiente escolar. Hannah se sente sozinha quando sua única amiga se muda da cidade. Nesse contexto surge uma paixão e um primeiro beijo que se transformam em um pesadelo quando Justin (Brandon Flynn) compartilha uma foto aparentemente íntima de Hannah. A foto se espalha e a garota fica difamada no colégio.
A questão do vazamento de fotos íntimas em geral acomete mulheres e pode prejudicá-las no âmbito social, profissional, acadêmico e psicológico. Mas além do compartilhamento dessas imagens, a estigmatização da sexualidade feminina precisa ser questionada. Como vemos adiante na série, a suposta experiência sexual de Hannah é vista com malícia e muitas vezes com reprovação por seus pares, e o rótulo de promiscuidade se torna um empecilho na sua relação com pessoas de seu convívio.
É curioso como a produção de 2017 se comunica com o filme As Virgens Suicidas (1999), que retrata a vida de meninas dos anos 70, também sob o olhar de um menino. No longa-metragem, as irmãs Lisbon passam a sofrer constante vigilância de seus pais após uma tentativa de suicídio da caçula. O psicólogo orienta que a garota conviva mais com meninos fora da escola e o casal Lisbon passa a permitir encontros controlados com estritos códigos de conduta e vestimenta entre as filhas e os rapazes. A repressão crescente só aumenta o encantamento dos meninos do bairro pelas adolescentes, mas quando um deles tem a oportunidade de se relacionar com Lux Lisbon (Kirsten Dunst), ele a abandona de forma dramaticamente silenciosa e isso parece afetar sua relação com a sexualidade e com a busca por afeto (além de todo o destino da trama).
Hannah também muda de comportamento em função da sua primeira decepção amorosa/humilhação pública/objetificação. O medo que motiva essa mudança é reforçado na sua interação com outros garotos, ganhando força quando a colocam em uma lista de meninas com os melhores atributos físicos. A garota, em uma das cenas finais, caracteriza seu estupro como uma das reações a essa reputação que lhe foi designada. Mas antes disso ela perdeu uma amizade, foi objetificada novamente e hostilizada quando não cumpriu as expectativas que vieram com os boatos.
É verdade que medos condicionam nossa formação como seres humanos. Mas o que essas personagens trazem à tona é que mulheres são ensinadas a temerem a própria sexualidade e o desejo do outro. Seja através da culpabilização de vítimas de violência sexual, seja sob um discurso de preocupação que visa condicionar o comportamento feminino ao olhar do homem.
A suicida e a escola
13 Reasons Why oferece ao espectador a perspectiva da morta (por vezes rancorosa, por vezes frágil) e a contrasta com o luto dos vivos. Em meio a cartazes, discursos, materiais didáticos sobre como identificar um suicida, temos as memórias de Hannah, antes que ela começasse a manifestar esses sinais identificáveis. Acompanhando sua racionalização dos fatos, podemos percebê-la como uma pessoa comum tentando lidar com seus problemas, e enxergar, como ela enxerga, a solidão de outros personagens também.
Outra produção que gera discussões sobre o suicídio é A Pequena Loja de Suicídios (2012), animação francesa que conta a história de uma loja familiar de aparatos para suicídio. Nessa distopia, a melancolia é normativa e (aqui vai um spoiler) o desfecho das questões abordadas não é definitivo. Quando a família muda a forma de se relacionar entre si e deixa de cultivar a melancolia, o pai continua exercendo sua antiga função social distribuindo veneno, o que nos leva a imaginar como ele entenderia essa função. Isso depois de um alegre número musical.
É mesmo pouco produtivo dar soluções universais e definitivas quando tratamos desse assunto. Embora Hannah pareça, a princípio, fazer exigências injustas a alguns dos alvos das gravações, a conclusão de Clay ao fim das fitas é que faltou empatia. Qualquer um dos personagens, na sua concepção, poderia ter evitado o suicídio. Repetindo suas palavras do último diálogo com o conselheiro da escola: “Temos que melhorar o modo como tratamos uns aos outros e cuidamos uns dos outros, temos que melhorar de alguma forma”. Fica a dúvida: alguém pode realmente tirar outra pessoa da solidão? Empatia também pode se tornar uma resposta simplista, afinal existem muitos fatores que contribuem para a desesperança de uma pessoa.
Há outra mensagem que o roteiro deixa para o final. O conselheiro Porter (Derek Luke) foi o último recurso da garota na busca de ajuda, um adulto em uma história de adolescentes, um representante da escola. No entanto, seu despreparo foi tal que ele, mesmo seguindo o protocolo, não foi capaz de proporcionar a ajuda que a aluna procurava e sugeriu que ela lidasse com seus traumas sem tomar as medidas legais cabíveis. A escolha do enredo em deixar Porter como último motivo traz uma crítica à instituição, que durante a série negligenciou os problemas dos alunos. Um exemplo disso é a cena em que o diretor manda pintar as paredes do banheiro quando a mãe de Hannah observa nelas agressões verbais escritas a alunos. A medida não passa perto de resolver o problema do bullying.
Como ela mesmo constatou, Hannah não é a única a enfrentar grandes dificuldades no colégio, outros personagens ganham complexidade ao longo do enredo, revelando nuances de suas realidades. Algumas dessas questões são deixadas em aberto nos últimos episódios, com ganchos para uma possível próxima temporada. Com o fim do arco dramático de Hannah, consideramos que a série não precisava deixar tantas pontas soltas possibilitando uma continuação, afinal, os treze porquês já foram mostrados.
Independentemente do que seja feito em uma outra temporada, a série merece o crédito por levantar tantas questões difíceis de serem tratadas em uma narrativa envolvente. Falar sobre machismo e abuso sexual com jovens é muito importante para que comportamentos misóginos não sejam naturalizados.
Um comentário em “13 Reasons Why: os abusos sistemáticos a uma adolescente”