Isabella Siqueira
Algumas histórias apelam para fantasias impossíveis, enquanto outras buscam as emoções presentes na normalidade. Normal People, minissérie do streaming Hulu em parceria com o canal britânico BBC, encanta justamente por falar de um romance digno de pessoas reais. Indicada ao Emmy desse ano, a história é uma adaptação do best-seller da autora irlandesa Sally Rooney. O livro é mencionado como fenômeno literário da década pelo jornal The Guardian, e a adaptação para a TV não fica atrás no quesito qualidade.
Ambientada numa pequena cidade irlandesa, a trama segue os jovens Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal) durante seus últimos meses do colegial. Contudo, apesar de colegas de classe, os dois têm vidas completamente diferentes. Marianne, rica e dona de um humor ácido, vive reclusa de todos. E Connell apesar de tímido, habita um círculo social popular e fútil.
Embora tenham classes sociais e personalidades opostas, surge entre os dois uma forte ligação que ressoa através de anos. Com algumas passagens de tempo, a história segue até a faculdade. Nesse ambiente existe uma inversão de papéis, Marianne parece desabrochar no ambiente universitário, e Connel agora sente as inseguranças que antes desconhecia. Com essa proposta, a trama explora não só essa intensa relação de idas e vindas, mas também suas mudanças individuais no começo da vida adulta.
Com intimidade e silêncio, a série investe nas palavras não ditas. Escrito por Alice Birch (Lady Macbeth), Mark O’Rowe e também pela própria Sally Rooney, o roteiro conquista pela profundidade em diálogos habituais. E a sincronia de Jones e Mescal é essencial, com um trabalho impecável eles conseguem trazer as incertezas e os sentimentos reprimidos em cada gesto.
Sendo a direção da temporada dividida entre Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack) e Hettie Macdonald, Normal People demora para engajar quem assiste. Contudo, a sutileza da produção fica clara, a trilha sonora melancólica e fotografia limpa harmonizam com o delicado romance adolescente. Ao conduzir dois jovens da geração millennial, o enredo constrói dois personagens reais que não se comunicam direito, que erram e acertam ao longo dos 12 episódios. Além do romance desalinhado, a vulnerabilidade do par fica nítida em outros temas abordados, como abuso familiar, agressão doméstica, suicídio e depressão.
Sligo, a pequena cidade no norte da Irlanda onde a trama escolar se passa, possui uma paisagem litorânea que contribui para a bela fotografia. Os outros locais onde as filmagens foram realizadas são Dublin, Sant’Oreste (Itália) e Luleå (Suécia), que acabam compondo o cenário pacífico e se relacionam com emocional dos personagens no momento em que se encontram. O declínio emocional de Marianne é acentuado pelo inverno branco e solitário da Suécia. E o ambiente rústico da pequena vila italiana acompanha os momentos românticos do par durante o verão.
Inicialmente a relação entre os dois é apenas sexual, mas a série também toma cuidado ao retratar o sexo de forma muito realista. Diferente das cenas hollywoodianas idealizadas, os momentos constrangedores estão presentes, ainda que sejam cenas gráficas possuem uma direção sensível e à intimidade não é fetichizada.
A minissérie concorre ao Emmy 2020 em apenas quatro categorias. Paul Mescal compete como Melhor Ator em Minissérie ou Filme para TV, enquanto Lenny Abrahamson disputa Melhor Direção, pelo trabalho no episódio cinco. A obra ainda está presente nas categorias: Melhor Elenco de Série Limitada e Melhor Roteiro, onde Sally Rooney e Alice Birch disputam pelo episódio três. Contudo, apesar de ser um destaque não foi considerada para Melhor Minissérie. E a atriz Daisy Edgar Jones, mesmo com uma ótima performance, também não obteve a indicação.
Aqui no Brasil traduzido como Pessoas Normais, o livro foi nomeado para o prêmio Man Booker Prize 2018, por isso essa adaptação para televisão carrega uma grande responsabilidade. E a minissérie acerta em todos os sentidos, desde a produção até a adaptação do roteiro, conseguindo manter a banalidade que Rooney queria. E apesar do amor ser um assunto esgotado, seja no audiovisual ou na literatura, o diferencial é que ela não força nenhum drama ou clichê. A minissérie não investe em grandes acontecimentos, mas sim numa premissa simples onde a sensibilidade se sobrepõe. Capaz de arrancar algumas lágrimas, Normal People é um romance atual e sem exageros.