Matheus Fernandes
Um dos grandes exemplos de genialidade no design de objetos cotidianos é o mapa do metrô londrino, idealizado por Harry Beck em 1931. Beck, inspirado pelos diagramas elétricos com os quais trabalhava no Underground, substituiu a representação geográfica, baseada na topografia da capital britânica, por uma esquemática. As estações ficaram equidistantes e as linhas, que antes seguiam os curvos trilhos, tornaram-se retas na horizontal, vertical ou em ângulos de 45º.
Beck era um projetista elétrico, e não um designer. Porém, sua ideia de simplificar tudo em poucas retas e cores, valorizando a função, está de acordo com os grandes movimentos modernistas da época, como a Bauhaus alemã e o De Stijl holandesa.
O valor pago pelo trabalho, inicialmente rejeitado, foi pouco, próximo a cinco libras. O sucesso, porém, foi imediato, garantindo seu emprego até a década de 60 como responsável por um dos maiores símbolos gráficos londrinos, inspiração para boa parte dos mapas de transporte público ao redor do mundo.
Mini Metro, jogo desenvolvido pelo estúdio Dino Polo Club, leva as qualidades do mapa original para os jogos de simulação, com seus passageiros geométricos se movendo infinitamente pelas linhas coloridas do mapa, em mais de dez cidades pelo mundo. A preocupação estética é visível. Sobre um fundo branco, a UI é minimalista, invisível na maior parte do tempo, e os comandos se dão pela simples ligação de estações em um sistema automático, mecânica que funciona ainda melhor na versão mobile.
Diferentemente de outros jogos do gênero, como SimCity e Cities in Motion, não há variáveis como dinheiro, funcionários e tempo de construção. Tudo isso é condensado de forma minimalista: os upgrades na infraestrutura acontecem semanalmente e a construção e reconstrução instantânea das linhas é parte essencial do gameplay, fazendo o único objetivo ser o transporte do maior número possível de passageiros enquanto evita a superlotação, em uma rede que cresce espontaneamente de forma aleatória.
O maior destaque porém é a trilha, assinada pelo prodígio Disasterpeace (Fez, It Follows, Hyper Light Drifter). Inspirado por outros minimalistas, como Brian Eno, Steve Reich e Philip Glass, Vreeland faz um trabalho de música procedural. Em vez de um estabelecido, a trilha de Mini Metro é composto por centenas de pequenos sons, ativados a partir do jogo: cada trem em movimento gera um loop sonoro, cada passageiro novo uma batida na percussão, as mudanças de trem são notas de teclado, enquanto as estações surgem com o som de um contrabaixo. Tudo isso gera um ambiente tátil, ainda mais que o visual, adicionando ritmo ao jogo, que progride de sons esparsos para uma sinfonia automatizada de dezenas de camadas.
It’s Gonna Rain, composição de Steve Reich feita a partir de loops dessincronizados de fita
A partir de uma interpretação simbólica, o jogo consegue transformar um dos maiores desafios contemporâneos (e sinônimo de stress para a população) em um momento de intensa contemplação, que não perde sua atração meditativa nem nos momentos do típico caos do transporte dos grandes centros urbanos. Em sua próxima viagem pelos lotados metrôs de São Paulo ou Londres, talvez Mini Metro seja o melhor acompanhante possível, depois de um mapa.