Arthur Caires
São muitas as frases icônicas que poderiam começar esse texto, então: ‘entre no carro, caro leitor, vamos entrar em uma viagem de volta ao começo da década de 2000’. Meninas Malvadas foi lançado em 2004 e dirigido por Mark Waters, um dominador das comédias românticas e adolescentes. Também foi roteirizado pela comediante do Saturday Night Live, Tina Fey, com base no livro Queen Bees and Wannabes (Abelhas-Rainhas e Aspirantes, em tradução literal) de Rosalind Wiseman.
A história segue Cady Heron (Lindsay Lohan), uma adolescente que passou sua infância na África e que é a mais nova aluna de uma escola de Ensino Médio nos Estados Unidos. Ao entrar nesse novo ambiente, ela se depara com uma hierarquia um tanto quanto parecida com a selva que cresceu. No topo da cadeia alimentar, estão as garotas mais populares da escola, conhecidas como As Poderosas – tradução não tão marcante do original “The Plastics”– grupo comandado pela temida e idolatrada, o mal em figura de gente, a abelha rainha e estrela, Regina George (Rachel McAdams).
O sucesso de Meninas Malvadas não é por acaso. Ao contrário de produções como Thor: Amor e Trovão (2022) – ou a maioria dos filmes da Marvel, salvo exceções, com suas piadas forçadas e sem contexto – o roteiro de Tina Fey é preciso, irônico e as anedotas contribuem para a narrativa. No momento que Janice diz à Cady “Você está cheirando igual a uma bebê prostituta”, seguido pelo “Obrigada!” da protagonista, é a pura essência do humor seco tão presente na Geração Z, que diz muito sobre a personagem naquele momento. Durante todo o longa, há inúmeros episódios como esse.
Outro fator que contribui para a longevidade de Meninas Malvadas é a recente onda de nostalgia pela década de 2000: uma época marcada por calças jeans de cintura baixa, a série Sex and the City e magreza extrema. O R&B de Missy Elliott, Kelis e Destiny’s Child dominavam a rádio, enquanto filmes como 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999), De Repente 30 (2004) e Ela É Demais (1999) se juntavam a Meninas Malvadas no panteão das comédias românticas e adolescentes que marcaram uma geração.
É possível perceber esse renascimento do começo do século em diversas produções culturais da atualidade. Clube da Luta para Meninas (2023), o reboot de Ela É Demais (2021) e a adaptação de Vermelho, Branco e Sangue Azul (2023) são alguns dos exemplos hollywoodianos que buscam recapturar a magia daquela época. A indústria da música também não fica de fora, com a volta do R&B nostálgico. Doja Cat, em seu álbum Scarlet (2023), e Ariana Grande, em seu mais recente disco, eternal sunshine (2024), incorporam elementos do gênero em suas músicas. A dona do hit Dangerous Woman, inclusive, utiliza um sample de The Boy Is Mine (1998), de Brandy & Monica, em sua faixa homônima.
Mesmo depois de duas décadas do seu lançamento, Meninas Malvadas ainda consegue abordar – entre acertos e deslizes – algumas pautas relevantes da atualidade. Do lado negativo, o filme apresenta comentários superficiais e questionáveis sobre gordofobia e distúrbios alimentares. Por outro lado, podemos destacar a representatividade queer, ainda que caricata, e a mensagem feminista que surge no final, questionando a rivalidade entre mulheres tão presente na sociedade.
Além da já mencionada Tina Fey, também é necessário destacar a importância de Lindsay Lohan e Rachel McAdams, que interpretam Cady Heron e Regina George, respectivamente. As duas atrizes já vinham de longas de sucesso e logo então se consagraram como as it girls dos filmes de Comédia romântica. Em Meninas Malvadas, Lohan e McAdams não só representam suas personagens, mas também definem suas características nos próprios termos. A estrela de Operação Cupido (1998) traz sagacidade à inocência de Cady e a protagonista de Diário de uma Paixão (2004) consegue fazer o público amar a malvadeza de Regina. É muito difícil não passar 80% do tempo falando sobre a performance de cada uma e os outros 20% esperando que alguém comente.
Após 20 anos, como uma forma de celebrar o aniversário, o longa original ganhou um remake nas grandes telas. As novas gerações não precisavam desse lembrete da iconicidade de Meninas Malvadas, ainda assim a versão de 2024 consegue ser divertida. Baseado no musical da Broadway de mesmo nome, o novo filme é uma tentativa de trazer uma maior representatividade e transportar a narrativa já conhecida para o tempo do Instagram e do TikTok. As canções são divertidas e bem produzidas, o projeto não se leva a sério – de uma forma positiva – e é impossível tirar os olhos da atuação e dos vocais de Reneé Rapp como Regina George. Porém, Angourie Rice não chega nem perto da Cady Heron de Lindsay Lohan, nem de expressar alguma emoção que não pareça forçada em sua performance – o que acaba prejudicando a energia do filme.
Entre as muitas lições finais de Meninas Malvadas – como manteiga ser um carboidrato, evitar sexo se você não quer engravidar ou morrer, e não ficar com o ex-namorado da sua amiga – a mais significativa é que, independentemente de onde estamos, seja no Ensino Médio ou na vida adulta, estamos sempre em busca da aceitação e da nossa identidade. Esse processo é mutável e complexo, mas quando encontramos as pessoas certas, ele se torna muito mais fácil e agradável. Não há necessidade de competição: afinal, todos podemos ser parte da realeza.