Marcela Zogheib
Nas prateleiras das locadoras, centenas de filmes competiam pela atenção dos clientes que estavam procurando algo para assistir, e ninguém se saía melhor nessa briga que Elle Woods (Reese Witherspoon) com seu vestido rosa, chiwawa de coleira, caneta de plumas e, claro, os livros de Direito. A capa que dizia “Legalmente Loira: pelos direitos das patricinhas” estava sempre no topo da seção de comédia romântica buscando chamar o olhar do público feminino colocando o máximo de itens rosa possíveis em 20 centímetros de capa de DVD. E funcionou.
Por anos, Legalmente Loira foi colocado ao lado de Um Lugar Chamado Notting Hill, O Amor Não Tira Férias e De Repente 30 e nos fizeram acreditar que esse filme é uma comédia romântica. Mas ele não é. Talvez, à primeira vista, o enredo pareça ser a história de uma jovem loira superficial que, depois de tomar um pé na bunda, justamente por essas razões, resolve mudar, se tornar mais séria e reconquistar o ex-namorado. Quando isso não dá certo, ela encontra um novo amor e uma paixão pela faculdade de Direito. Isso, por si só, já é uma boa história, eu assistiria esse filme, aliás, eu assisti esse filme muitas vezes.
Mas a história de Elle Woods vai muito além disso. Em seu vídeo de inscrição para Harvard, ela insere vivências do Direito naquilo que ela conhece e se interessa. De certa forma parece cômico ela dizer que consegue lembrar fatos relevantes através de resumos de novelas, estar confortável em usar jargões da área quando alguém dá em cima dela ou que convoca um júri para debater qual marca de papel higiênico devem usar em sua sororidade, porém o que tudo isso mostra é algo que, de primeira, Legally Blonde parece só nos contar no final: ela é muito inteligente. A habilidade de adaptação e interpretação de ambientes, usando ferramentas que ela tem a sua disposição é marca registrada de uma personagem que mostra o tempo todo o quanto é preciso se esforçar para viver em um mundo de homens.
A obra, dirigida por Robert Luketic e que completa 20 anos em 2021, faz um trabalho impecável em ambientar e contextualizar Elle e as mudanças pelas quais ela passa. A introdução em se arruma para o encontro perfeito no qual acha que vai ser pedida em casamento, as roupas que escolhe para passar seus dias na faculdade, seus vestidos e ternos para usar no tribunal. Sem falar no seu currículo em folhas cor-de-rosa, iBook G3 laranja, caderno de anotações em formato de coração e, claro, as roupas de seu cachorro. Todos os acessórios que destacam Reese Witherspoon na multidão de cores neutras de Harvard dão à ela personalidade, carisma e de cara vemos que Elle Woods não é comum.
E isso, apesar de parecer mostrar como a estudante não se encaixa no ambiente sério e frio de Boston, dá a ela uma missão. A missão de abrir a mente daqueles que a cercam para novas possibilidades que vão além de suas suposições sobre a universitária loira que usa roupa de coelhinha em uma festa. Em uma das cenas finais, em que a personagem usa todos os seus conhecimentos sobre cabelo para solucionar um caso e inocentar a sua cliente, ela continua trazendo sua essência – e seu bom gosto impecável. De vestido rosa e cabelo de escova, Elle capta todos os detalhes do depoimento dado pela verdadeira culpada pelo assassinato do ex-marido de Brook (Ali Larter), inicialmente acusada pelo crime.
Além da protagonista, vemos a evolução de outros personagens, especialmente mulheres, que ela leva consigo. Assistimos Paulette (Jennifer Coolidge), a manicure de Elle, criar uma nova confiança para resgatar seu cachorro do ex-marido e tomar iniciativa em um novo relacionamento. Vemos as amigas de faculdade de Elle abrirem suas cabeças para o novo universo da advogada. Vemos uma das professoras mudar a perspectiva que tem a aluna e notar o potencial dela.
Mais notavelmente, temos Vivian (Selma Blair), introduzida como a nova namorada de Warner (Matthew Davis), que cria uma rivalidade com Elle desde que a conhece, fazendo de tudo para rebaixá-la a um papel de coadjuvante na vida do homem, nada mais que uma mulher infantil e superficial que não tem futuro na carreira de advogada. Ela desafia a protagonista na aula, faz questão de mostrar seu anel de noivado, e até engana Elle sobre sua festa à fantasia. Mas quando as duas convivem fora das lentes de Warner, descobrem ter muito mais em comum do que imaginavam e, no fim, viram grandes amigas.
No final clássico de anos 2000, onde os personagens aparecem na tela com explicações do que aconteceu com cada um deles, o impacto de Elle é evidente. Todos estão em lugares mais condizentes com suas quem realmente são, mostrando a grande lição de Legalmente Loira sobre aceitar quem você é e confiar no seu potencial de fazer as coisas acontecerem do seu jeito. Quem não evolui é Warner, já que o antigo namorado de Elle se forma sem muitas perspectivas para o fundo, vendo apenas que sua forma de ver a vida e as pessoas não combina com a realidade incrível experimentada por todos que o cercam.
Elle Woods está o tempo todo mostrando qualidades que a colocam muito além do estereótipo criado por todos ao seu redor, ela acredita na sua cliente acusada de matar o marido, ajuda as mulheres a sua volta a confiarem em si mesmas, é firme em seus princípios, é dedicada, verdadeira e não permite que nada nem ninguém quebre seu espírito. Ela passa por muita coisa durante o filme, supera o namorado que nunca viu seu potencial, enfrenta o assédio de um professor que se aproveitou dos preconceitos que criou sobre ela, muda a percepção de colegas que a viam como uma pessoa sem potencial para estar em Harvard e faz tudo isso sem nunca deixa de ser quem é. Nada que a personagem faz é impulsivo e sem base, até em cenas iniciais, comprando um vestido para seu encontro com Warner, suas decisões são calculadas e inteligentes.
A adaptação do livro de mesmo nome vem da história real da autora Amanda Brown, que estudou Direito em Stanford e enviava cartas em papéis cor-de-rosa contando sobre como não se sentia parte do ambiente para seus amigos. Sua sequência, lançada em 2003, mostra mais uma vez Elle indo atrás daquilo que acredita e lutando pela voz daqueles que ama, desta vez, seu chiwawa Bruiser e sua mãe que está presa em uma clínica de cosméticos que faz testes em animais. Além disso, está prevista uma terceira parte da trilogia para maio de 2022, com roteiro de Dan Goor (Brooklyn Nine-Nine), Mindy Kaling (The Office) e a dupla Karen McCullah e Kirsten Smith (10 Coisas que Eu Odeio em Você). Elle ja frequentou Harvard e Washington, mas ela ainda tem o mundo todo para conquistar e sabe bem disso.