“Você consegue me ver? Você me ouve? Eu estou chamando”
Carol Dalla Vecchia
Em 2014, a paulista Tiê lançava A Noite, canção que seria uma de suas mais bem sucedidas. A música tornou-se parte da trilha sonora da novela I Love Paraisópolis e fez com que o nome da cantora fosse reconhecido no território nacional. Mas em 2020, é possível afirmar que Tiê não é mais a mesma mulher que cantava sobre a noite em seu disco Esmeraldas (2014).
Após quatro álbuns de estúdio, Tiê lança Kudra em 2 de outubro, um EP com seis músicas inéditas produzidas durante o distanciamento social, que trazem reflexões místicas que prometem rever conceitos simples da vida. O próprio nome do álbum reforça esse conceito transcendental. Em entrevista ao jornal A Tribuna a cantora comentou que Kudra é a união de vários mistérios: é o nome de uma cidade na Índia, é um sobrenome de origem árabe, é um nome que significa amor e representa a família que esteve ao seu lado no desenvolvimento das canções.
Devido a pandemia da Covid-19, Tiê passou um tempo quarentenada em um estúdio na casa de seu namorado, onde vários artistas ficaram completamente imersos nessa produção e até as filhas da cantora estiveram nas gravações. Liz fez companhia à sua mãe, e Amora chegou a gravar junto dela na canção que dá nome ao álbum. Foram relações que se tornaram tão íntimas ao ponto de esse material ser como uma troca de segredos ao pé do ouvido.
O tom usado pela cantora nos mostra que os tempos são outros. Se antes ela empregava a voz de forma atrevida, querendo provar seus sentimentos e princípios, agora ela proclama como uma confissão de quem atingiu a iluminação de seus pensamentos. Em outro momento da entrevista de Tiê à A Tribuna, ela afirmou que não se prende mais à fórmulas musicais que prometem trazer sucesso. Segundo ela, isso não funciona para todo mundo, e a Tiê prefere encontrar o que funciona para si mesma. Por fim, ela contou que tem outras músicas por vir, mas que por enquanto esse agrupamento era o fazia sentido para ela.
Sobre interpretações poéticas que podem ser feitas dentro de suas letras, a vida de Tiê é outra nesse momento: seu novo relacionamento, o crescimento de suas filhas e outras experiências pessoais lhe trouxeram um amadurecimento. Kudra não fala sobre as outras pessoas, ele é somente sobre Tiê e seus amores mais profundos. Na segunda faixa de seu álbum Esmeraldas (2014), a cantora começava a canção Par de Ases dizendo que passara o dia tentando agradar, agora em seu novo EP ela diz E daí? como um sinal de que seu comportamento e suas ideias não mudam de acordo com pessoas que podem estar ao seu redor.
Apesar de gostar de se envolver amorosamente, há um outro sentimento que se aprofunda cada vez mais em Tiê: é a relação com suas filhas Liz e Amora, que desde seu nascimento foram inspirações para a cantora. Em A Coruja e o Coração (2011), ela canta sobre a visão de sua filha Liz enquanto se balança na varanda. Naquele momento, ela parece se ver como a menina que sua filha é e perceber a preciosidade desses momentos da infância. Mas com o tempo, nota-se que a maternidade traz outros pesos à cantora evidenciados na canção Pra Amora do disco Gaya (2017). Nessa canção, ela se dispõe a oferecer conselhos valiosos para as pequenas e promete que se esforçará para dar-lhes felicidade. De certa forma, esses conselhos soam como um desejo, como se a própria Tiê quisesse recebê-los.
A comparação dessas duas canções evidência que a cantora está cada vez mais livre para abrir seu coração quando o assunto é maternidade. No começo, ela se mostrava como uma observadora que ainda estava aprendendo com as descobertas dessa aventura. Mais tarde, ela apresenta sua parcela de responsabilidade, de quem não pode apenas aprender, mas deve também ensinar e ajudar àquelas que são suas preciosidades. Em Kudra, essa manifestação evolui ao ponto de Tiê abrir completamente seu coração na canção E nasce uma mãe. Agora ela compartilha sobre as emoções que vivem dentro da mãe que ela é: em vários versos ela diz que suas filhas são um pedaço dela própria, e que ela doaria tudo de si por elas porque esse amor não é ilusão.
Tudo que muda dentro de Tiê é exposto em suas produções. Se ela sente que precisa se acalmar, ela grava uma música como Crepúsculo enquanto está deitada em sua cama. Se ela sente que o mudo está negativo, ela busca ver o Lado Bom. Quando as coisas parecem mudar e as pessoas se tornam Estranhos, ela luta para entender as mudanças e deseja o melhor à quem mudou. Ela “pode nos sentir” e sabe que precisa nos ajudar com seu próprios aprendizados.
Portanto, como Tiê diz, sua música vem para acalentar e emocionar com histórias que têm esse talento de abraçar as pessoas na reclusão de seus pensamentos e na evolução de suas emoções.
“Eu estou chamando. Para te alcançar. Eu posso te sentir. E eu acho que é hora de ir.”
Excelente t3xto! Parabéns Carol!!!