Max Hastings evoca uma visão histórica, original e necessária acerca da Segunda Guerra Mundial, numa obra que elucida os anos de 1939 a 1945 com sobriedade e autoridade.
Guilherme Reis Mantovani
A literatura sobre a Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos é vastíssima, por se tratar justamente de um assunto de vital relevância na história da humanidade. Entretanto, o ambicioso Inferno – O Mundo em Guerra: 1939 – 1945 (Intrínseca, 2012) se destaca por evidenciar não apenas as estratégias militares minuciosamente detalhadas através de mapas exibidos no próprio livro (ao todo, são 48 páginas dedicadas à fotografias da época, além de vinte mapas propriamente ditos), as jogadas políticas oriundas de gabinetes dos países beligerantes e as causas e consequências do conflito devidamente analisadas, mas também por evocar o sentimento de pessoas aparentemente comuns – soldados e civis – que vivenciaram o dia a dia da guerra. Para tanto, o autor, britânico, historiador militar e renomado jornalista Max Hastings, permeia a escrita com cartas, trechos de diários e outros documentos de cidadãos que encararam a Segunda Guerra Mundial, mostrando que, se existe alguma glória em tal conflito, neles deve residir.
O conteúdo da obra que abrange a guerra em si, e todas as problemáticas e circunstâncias que a cercaram é extremamente completa. Hastings faz questão de abordar o conflito desde seu início em 1º de setembro de 1939 com a ofensiva alemã contra a Polônia até a resistência japonesa, mesmo após a queda de Berlim, em 1945. E não só isso: o autor ainda impõe sua ótica como historiador para analisar os fatos de maneira interpretativa e crítica. Hastings, por exemplo, revela que enquanto o exército de Hitler lutava com eficácia, o esforço de guerra alemão fora conduzido com extrema incompetência pelo Reich; também sugere que o poderio industrial dos Estados Unidos foi muito mais significativo para o triunfo dos Aliados do que seu próprio exército; ou que a marcha dos soldados nazistas contra a União Soviética não se configuraria num erro, caso a Grã-Bretanha tivesse cedido em 1941; dentre outras interpretações significativas, todas embasadas em dados e argumentos convincentes.
É importante ressaltar, entretanto, que Inferno – O Mundo em Guerra: 1939 – 1945 não se pauta, tampouco não se prolonga, nos eventos decisivos da Segunda Guerra Mundial, até porque Max Hastings já conta com uma série de livros especializados em tais acontecimentos fatídicos, como o Holocausto, as batalhas da Normandia e o ataque japonês a Pearl Harbor. Sendo assim, o autor perpassa a Segunda Guerra Mundial como um todo, dando igual atenção a episódios menos badalados – mas de vital importância para os envolvidos – como a campanha soviética na Finlândia ainda em 1939-1940, as invasões japonesas na costa nordeste chinesa, o ataque da Alemanha e da Itália à Grécia, os conflitos no Norte da África, entre outros.
Em se tratando das relações humanas que marcaram o período, o livro suscita as emoções de pessoas que viveram o cenário aterrador da guerra. Para tanto, utiliza do artifício jornalístico de apuração e levantamento de memórias: é impossível não se emocionar, por exemplo, com o relato de uma enfermeira polonesa chamada Jadwiga Sosnkowska logo nas primeiras páginas, no qual ela descreve cenas em seu hospital nos arredores de Varsóvia após intenso bombardeio alemão, dando ênfase a uma garota de dezesseis anos, que morrera, em suas palavras, “serena, como uma flor arrancada por uma mão impiedosa”. Entretanto, tais relatos não se manifestam apenas para emocionar e elucidar o leitor, mas também para fazê-lo compreender os diversos pontos de vista que ponderam sobre a Segunda Guerra Mundial, levando-o à uma compreensão próxima do conhecimento absoluto dos anos que marcaram o conflito. Portanto, Hastings elabora uma espécie de “vida íntima da guerra”, construída com base em testemunhos geralmente desprezados pela História. Combina assim uma visão micro-histórica com uma abrangente grade macro-histórica, uma pesquisa rigorosa com uma visão pessoal. A essência de sua obra faz jus, neste sentido, justamente a um dos depoimentos resgatados proveniente de uma berlinense anônima, que escreveu: “Vista de perto, a História é muito mais incômoda – nada além de fardos e medos.”
No que diz respeito à linguagem do livro, pode-se dizer que caracteriza-se por ser independente e muito pouco burocrática, o que oferece dinamismo para a leitura; contudo, pode materializar-se num problema para leitores mais leigos no assunto: Hastings, por exemplo, raramente se preocupa em pontuar definições a algumas nomenclaturas como Luftwaffe, Wehrmarcht, RAF, Afrika Korps, NKVD, entre outros. O livro parte da premissa, portanto, de que o leitor já detenha determinado conhecimento contextual prévio.
Por tudo isso, conclui-se que Hastings é bem-sucedido no sentido de mostrar o caráter verdadeiramente global da guerra e de recuperar a dimensão humana, individualizada, do sofrimento que ela provocou. ‘Inferno’ não é, porém, o livro indicado para quem deseja uma história convencional da Segunda Guerra, focada em batalhas épicas e nascimento de grandes líderes. Para os leitores que não têm um conhecimento básico sobre as origens e o desenrolar do conflito, a ênfase na visão das pessoas comuns – inevitavelmente, em alguns casos, com um viés de aleatoriedade em sua seleção – pode levar a uma visão distorcida de determinados episódios.