Guilherme Sette
Um dos grandes sucessos do Netflix, Narcos foi renovado para sua terceira e quarta temporada para algum estranhamento do público – a grande estrela deste show, Pablo Escobar, morreu no final da segunda temporada. Como contam os produtores, o nome é Narcos e não Pablo Escobar, e o grande espaço no mercado da cocaína deixado pelo Patron foi preenchido pelo Cartel de Cali, “vilões” já introduzidos nas temporadas anteriores.
Os novos antagonistas são os irmãos Gilberto (Damian Alcázar) e Miguel Martínez Orejuela (Francisco Denis), nomes muito “menores” do que Pablito, e os produtores sabem disso. Em nenhum momento os irmãos recebem tanta profundidade em suas vidas pessoais e tempo na tela como Wagner Moura recebia. Obviamente não são deixados de lado em nenhum momento, nem são personagens fracas, mas a atenção é bastante dividida entre os membros do Cartel. Importante mencionar os outros dois integrantes do alto comando de Cali, Pacho Herrera (Alberto Ammann) e Chepe Santacruz (Pêpe Rapazote), personagens interessantes com seus devidos “núcleos” desenvolvidos ao longo da temporada.
Do lado dos “bonzinhos”, o narrador e protagonista Steve Murphy (Boyd Holbrook) não retornou à Colômbia pelo DEA. Quem assume o protagonismo e a narração é seu parceiro Javier Peña (Pedro Pascal), também sem a mesma profundidade pessoal de Murphy, cujos dramas familiares faziam parte do roteiro.
O enredo da temporada traz o Cartel de Calí em um obscuro acordo com o governo colombiano: o cartel terá mais seis meses de atividade e depois seus líderes se entregarão, as penas serão brandas para todos os aliados e a maior parte de seu patrimônio será mantido legalmente. O agente Peña, apesar de sua atuação irresponsável junto a criminosos na caçada a Escobar, foi promovido no DEA e pretende usar sua experiência para prender os chefões do tráfico antes de sua rendição.
Apesar dos empecilhos gerados pela embaixada americana em Bogotá, o agente usa toda sua experiência para progredir na caçada aos criminosos, e isso faz muito bem para o roteiro. Os planos não são mais frustrados por caguetas e suspeitos que despistam os policiais no meio da multidão, artifícios irritantes constantemente empregados pelo roteiristas nas duas primeiras temporadas para dar continuidade à história. O que atrapalha a lei e o DEA são interesses políticos e o tráfico de influência, explicações muito mais interessantes.
A fronteira entre o bem e o mal
Uma personagem que chama a atenção é Jorge Salcedo (Matias Varela), um dos chefes de segurança dos irmãos Martínez que pretende abrir sua própria firma de segurança quando o Cartel se render. Salcedo é um personagem frio, não anda armado, e a posição em que é colocado durante a série é questionadora. Quando as coisas começam a dar errado para o Cartel, e a rendição parece cada vez mais distante, Jorge vê que o único caminho para longe do crime é delatar o Cartel, e trabalhar junto com o DEA, afinal, ele não se considera um assassino.
Dentre todos os “filiados” ao Cartel, Salcedo é o único cuja família é retratada. Sua esposa Paola (Taliana Vargas), também é conivente com o fato do marido trabalhar para os chefões do tráfico de drogas, embora sua paciência com o envolvimento do marido no crime vá se esgotando ao longo dos episódios. No primeiro episódio da temporada, Gilberto Martinez organiza uma grande festa para anunciar aos seus parceiros o acordo com a Colômbia, e Jorge identifica um infiltrado filiado ao DEA entre os garçons. Ele calmamente conversa com o “espião” reservadamente, e o aconselha que fuja, sem ameaças e sem retaliações, situação que jamais seria tratada deste jeito pelos patrões.
Vemos sua família, vemos suas ações “corretas” e vemos seu desejo de cooperar com a justiça. Deveríamos torcer por Jorge? Conivente por anos com o tráfico de entorpecentes, corrupção e homicídios, a vontade de enfim pagar seus pecados não necessariamente o coloca no papel de herói – a expressão “delação premiada” vem a cabeça nesta situação. Para os fãs da série, essa dicotomia não é novidade. Pablo Escobar era praticamente retratado como um Deus, apesar dos seus terríveis atos.
Em relação à veracidade dos fatos, a terceira temporada se sai melhor do que as outras. Uma checagem de fatos minuciosa desmentiria algumas das situações, mas nenhum dos grandes acontecimentos, alguns de importância mundial, são inventados pela produção. Os momentos mais decisivos e importantes para a geopolítica costumam vir acompanhados de imagens de arquivo das transmissões verdadeiras da época, o que também serve para exaltar o trabalho de composição de elenco, sempre semelhantes às personagens verdadeiras. O trabalho é minucioso.
Como descreveu o verdadeiro Jorge Salcedo à Entertainment Weekly, algumas histórias que ele apenas ouviu, são exibidas como se ele tivesse presenciado. A produção exibe um aviso antes de cada episódio de que houveram nomes trocados, situações dramatizadas e ordem dos fatos alterada, tudo em prol de um roteiro fictício, porém bastante amparado na realidade.
Narcos superou o desafio de viver sem Pablo Escobar, tomando muitas decisões corretas quanto aos protagonismos e caracterização dos personagens, e entrega uma temporada muito bem amarrada e interessante. A série foi renovada para mais um ano e, como sinalizada ao final dos 10 episódios, será no México, país que pouco apareceu até agora na série.
Os produtores novamente terão que apresentar novos vilões e até heróis, afinal o verdadeiro agente Peña nunca atuou no méxico. Mas o sucesso da temporada do Cartel de Cali coloca bastante crédito neles, para entregar mais um bom trabalho quase que documental sobre os reis das drogas.