Na nova temporada, o casal Underwood vai ainda mais longe na busca pelo poder em trama recheada de paralelos com a política nacional e internacional.
Guilherme Hansen e Heloísa Manduca
Atenção! Daqui a duas semanas haverão novas eleições para a presidência dos Estados Unidos. De um lado, está o articuloso atual presidente Francis Underwood (Kevin Spacey). Do outro, o governador de Nova York e típico pai de família americana, Will Conway (Joel Kinnaman). Jovem, carismático, tem experiência militar e está em busca do poder máximo. E aí, já escolheu para quem vai seu voto?
No último 30 de maio, a Netflix liberou a quinta temporada da série House of Cards. A data escolhida é incomum para a plataforma que costuma liberar novos episódios sempre às sextas-feiras. O motivo foi em homenagem às eleições presidenciais americanas, que ocorrem às terças.
A produção é famosa por expor os bastidores da política americana, articulações de líderes do estado com outros países e relações de interesses pessoais que envolvem vingança, assassinatos, aliança junto à imprensa e o cuidado em manter a boa imagem perante a população. O roteiro é ficcional, mas a retratação da realidade está mais que explícita. Em alguns pontos é possível comparar até com a situação atual política brasileira.
O primeiro ponto em comum é a maneira como Frank chegou à presidência. Antes, apenas um vice-presidente, e que depois acaba ascendendo através de habilidades ardilosas. Assim, como no caso de Temer, Frank era mais experiente em tramas políticas do que seu superior.
Antes de iniciar a análise da nova saga, é necessário se localizar no tempo e nos fatos que já aconteceram nesta história. Por isso, um pequeno recap: na temporada antecessor, o casal Claire (Robin Wright) e Frank marcaram o papel de casamento tipicamente em crise. Enquanto ele está ocupado continuando sua campanha para renovar o mandato na presidência, ela está no Texas, planejando concorrer ao Congresso e com sua mãe à beira da morte. A pressão aumenta quando ela diz que anunciará o divórcio em público caso o marido não a aceite como vice.
O obcecado jornalista Lucas Goodwin (Sebastian Arcelus) mantém a ideia de que Francis matou Zoe Barnes (Kate Mara), e está disposto a buscar verdades. Em um comício, Lucas tenta atirar no seu inimigo, mas a bala acerta o guarda-costas e motorista Edward Meechum (Nathan Darrow). No meio da confusão com os seguranças, Lucas morre e Frank fica gravemente ferido. A fatalidade faz com que o casal faça as pazes e Frank consiga o apoio do partido para a candidatura de Claire.
A temporada termina com Francis negociando com os sequestradores terroristas domésticos filiados ao OCI (Organização do Califado Islâmico – Organização terrorista fictícia) pela vida de uma família americana. Em resumo, a mãe e os filhos são liberados, mas a negociação com o terrorista Yusuf Al Ahmadi falha ocasionando o assassinato do pai. A cena é transmitida ao vivo para o comitê e em rede nacional.
E se você está pensando que após esse turbulento fim, a nova temporada ficou fria, está muito enganado. A ganância deles não tem fim e, logo de cara, as emoções já ficam à flor da pele. A primeira dama, Claire Underwood, é quem dá as boas vindas – como se estivesse conversando com os eleitores/telespectadores.
A cena inicial é marcada por uma jogada particular, que combina discurso com a paleta de cores. Conforme a câmera se afasta, é possível perceber que a interação com o telespectador era somente com uma outra ‘tela’. Caracterizando o distanciamento da personagem Claire e o ilusionismo que ela cria para seus eleitores. O filtro também fica mais frio, em tons mais azulados.
Ao longo da história Francis também mantém essa conversa característica com a câmera, como se olhasse no fundo dos nossos olhos para dialogar. Não para pedir nossa aprovação, mas para comunicar seus feitos, embora o fato de os personagens falarem olhando para a câmera gere uma relação de empatia, além da sensação de intimidade com o telespectador.
Nesta quinta temporada, ocorre a tão esperada eleição para a presidência dos Estados Unidos. Frank até vence a eleição, porém, devido a um impasse que ele causa nos estados de Tennessee e Ohio, o resultado da eleição não pode ser considerado oficial. A partir daí, Frank e Will lutam ferrenhamente para conquistarem a vaga de presidente dos Estados Unidos e geram o ódio do povo norte-americano, pois eles consideram a não-eleição de Will inconstitucional.
Porém, graças à manobra vinda do vazamento de dois áudios comprometedores do adversário, Frank consegue ser eleito definitivamente ao cargo de maior poder no mundo. Não é difícil se lembrar do caso Michael Flynn, ex-conselheiro de segurança dos Estados Unidos.
O presidente Donald Trump demitiu em maio deste ano o ex-diretor do FBI, James Comey, que investigava Flynn devido à ligação entre o chefe de Estado e a Rússia, que supostamente ajudou na eleição do candidato republicano. Isso tudo envolveu a candidata democrata, Hillary Clinton, que teve seu email invadido, de acordo com suspeitas, a mando de Trump, para que falsas informações da adversária fossem divulgadas e ele tivesse mais chances de se tornar presidente.
Qualquer semelhança com o Brasil também não é mera coincidência, pois o presidente Michel Temer assumiu o poder em 2016 de maneira também escusa, através do impeachment de Dilma Rousseff, por supostos crimes que não foram provados. Assim como Underwood, Temer amarga a impopularidade por parte da população do país que governa, com pífios 4% de aprovação.
Porém, nesse ínterim, vale destacar a presença de Claire. Ela assume interinamente a presidência e trabalha fortemente em acordos comerciais, como o do aço, em parceria com o governo chinês, além de negociações com a Rússia, tentando beneficiar a campanha de Frank. A primeira-dama mostra-se tão articulada e esperta quanto o marido, pois consegue perceber manobras que podem prejudicar os Estados Unidos no âmbito comercial. A senhora Underwood é extremamente nacionalista e faz tudo o que é preciso para ganhar vantagem na geopolítica de seu país.
As cenas de House of Cards tem uma composição milimetricamente calculada com a história que se desenrola, um ponto extremamente positivo para os diretores da produção. Logo, vamos tomar como base o seguinte quadro do episódio 6:
Se passarmos um traço bem no meio da tela, é possível observar duas histórias acontecendo de forma separadas. Tudo que há do lado esquerdo com Francis, há do lado direito com Claire. É um espelho. Duas bandeiras, duas cadeiras, dois sofás, duas almofadas, duas janelas inteiras, duas histórias. Mas apenas uma mesa para a presidência, uma vaga para ser presidente. Contudo, o movimento que Claire faz para se levantar da cadeira simboliza seu papel. Uma mulher que está tomando cada vez mais forças e indo para o primeiro plano da série em busca da presidência.
Entretanto, o maior trunfo desta quinta temporada de House of Cards não é somente a excelente ligação entre política e realidade, mas sim, como acontecimentos sem resolução em temporadas anteriores começam a voltar à tona agora, com destaque para a trama de Zoe. Depois de relutar bastante, Tom começa a desconfiar que a morte de sua ex-funcionária não foi por acaso e parte numa investigação que tem como foco provar o envolvimento de Frank Underwood em um possível crime.
Dizer que House of Cards melhora e surpreende a cada nova temporada é clichê. Porém, com uma trama engenhosamente amarrada e com inúmeras reviravoltas a cada episódio, não é exagero afirmar que a série está sim em seu melhor momento. Resta saber apenas se a trama do casal mais amado e odiado da América irá continuar para uma sexta temporada. Com o cancelamento de Sense 8 nas últimas semanas, uma das séries mais importantes da Netflix, e sem nenhum posicionamento dos produtores, não há uma definição se Frank e Claire voltarão em um sexto ano. No entanto, pela vontade geral da nação, é impossível imaginar uma das séries de maior prestígio e coerência dos últimos tempos não ter um futuro triunfal. Público e crítica agradecem.