Bingo: o Brasil não é para amadores

http://canaldogordo.com.br/wp-content/uploads/2017/05/bingo.png

Adriano Arrigo

Quem vem acompanhando o cinema brasileiro nos últimos anos, pode ter ficado ansioso com a cinebiografia do Bozo® brasileiro, que, devido a direitos autorais, chamaremos de Bingo. Bingo: O Rei das Manhãs é um destaque no cinema do país que está conseguindo de forma espantosa emplacar longas com alto rigor estético alinhado muito bem a assuntos tipicamente – se não exclusivos – do Brasil.

Mas diferente das últimas produções brasileiras, Bingo é um produto muito bem esculpido para se apresentar ao público em geral. O diretor Daniel Rezende – que já trabalhou na montagem de filmes como Cidade de Deus, Tropa de Elite e Ensaio sobre a Cegueira – tem um tato estético apurado para ser suficientemente audacioso sem deixar de agradar o grande público.

Algo semelhante já foi feito na cinebiografia do magnata da televisão do Brasil, o nordestino Assis Chateubriand, no filme Chatô, o Rei do Brasil (2015). Na grandiloquência de excessos do filme, temos algo muito particular: a psicodelia do programa do Chacrinha. Esse momento do filme é muito importante para entender Bingo, já que ambos trabalham com lentes distorcidas (no sentido artístico) do que foi os bastidores da televisão do Brasil desde o seu início até o ponto que podemos chamar de auge – levando em consideração a trajetória dos meios de comunicação.

https://conteudo.imguol.com.br/blogs/136/files/2015/11/chato-fontes.jpg
Cena de “Chatô, o Rei do Brasil” (2015). O primor estético em representar os programas de TV brasileiro nas décadas de 70 e 80 estão também em Bingo (Reprodução)

Analogamente, podemos traçar o início, auge e, nesse caso, a queda do ator Arlindo Barreto (Vladimir Brichta), que aqui é chamado de Augusto. O filme traça em seu plano principal a difícil inserção do ator no mundo televiso brasileiro da década de 80, em que a disputa pela audiência era firmada principalmente entre a Tv Mundial (Globo) e a TVP (SBT).

Augusto mirava a Mundial, mas desprezado por um dos seus comandantes de programação, ele acaba caindo em um teste da TVP que, naquele dia, estava realizando outro teste para um programa infantil solo de um tal de Bingo, sucesso mundial que acabara de pousar no Brasil.

Por esse enredo, todos devemos saber que Bingo lá não tem uma história muito original. Está certo que é a história de Arlindo (que até hoje é pauta de programa de fofoca), mas aqui ela é contada com pouca inovação. Temos um típico personagem unilateral e pouco chamativo que, somado a características de um bom pai e bom filho, tornam sua construção bastante apagada e previsível.

http://serionauan.com/wp-content/uploads/2017/07/bingo-800x445.png
Bingo  na TV alegrando as manhãs das criançadas desse Brasil varonil (Reprodução)

Bingo, então, não brilha por esse enredo, mas sim pelo o que há por trás. No momento em que Augusto começa a fazer o teste de elenco para o programa do palhaço mais famoso do mundo, conseguimos ver nuances de um humor bastante interessante para os padrões de comédia brasileira. Ao rir de si mesmo, percebemos que Bingo flerta com a metalinguagem.

Augusto é inteligente como ator e não trata a personificação do palhaço como algo infantil, mas sim como um arquétipo da ironia e do deboche, – assim como um bobo da corte faz – e que faz rir quem manda nele. Augusto conversa com seus avaliadores, assim como Bingo, em seus melhores momentos, conversa com seu expectador.

Nessa metalinguagem, o filme consegue transpor fielmente o ambiente em que aqueles expectadores puderam viver ao ver Bingo na televisão. Com a ajuda de uma bela produção que segue uma estética oitentista bastante apurada com direito a ajuste de tracking quando o filme se anuncia, todos os que o assistem podem pensar como aquilo poderia ir ao ar todas manhãs, ainda mais focado no público infantil.

São as bizarrices da televisão brasileiro que, infelizmente, são poucas exploradas no cinema brasileiro, mas que Bingo está aí para quebrar o tabu. É como a cena do capítulo “Blame It On Lisa” da décima terceira temporada dos Simpsons. No episódio, a família vem para o Brasil e, entre tantas bizarrices, Bart e Lisa ficam hipnotizados pela dança de seios de Xoxchitla, a paródia de todas as mulheres loiras e brancas que dominaram a TV brasileira na década da década de 80, e que, por sinal, é a único obstáculo que impedia o show do Bingo atingir o primeiro lugar na audiência.

A Xoxchitla dos Simpsons era o que faltava no programa de Bingo para decolar de vez 

E é nessa brincadeira que Bingo nos ganha. O prazer de ver o filme está nas peripécias de um ator que veio do pornochanchada, mas que precisa saber fazer crianças rirem. A falta de tato é a carta na manga do excepcional talento de Augusto – e é claro, não podemos desmerecer o empenho de Brichta – em ser, de fato, um ator, e não um enlatado americano que os produtores do programa queriam.

“Brazil is not for beginners”, diz Bingo. As nuances dessa adaptação de cultura é o seu ponto forte e que são, obviamente, muito maiores do que sua história de vida que, ao final, terminam o filme com certo tom de moralidade.

A malcriadez de Augusto fica, infelizmente, confinada apenas as esbórnias dos seus programas matinais com as crianças. Estamos diante de um produto original de qualquer forma que pode ser interpretado como um sinal de uma nova abordagem do brasileiro, mas que, no final, não brinca exatamente com a metalinguagem que propõem.

Deixe uma resposta