Fevereiro se despediu de nós em clima de Carnaval e de expectativa pela nova versão do Cavaleiro das Trevas nos cinemas, desta vez estrelada pelo maravilhoso Robert Pattinson. Com a polêmica cerimônia do Oscar no horizonte e a disputa entre os longas cada vez mais acirrada, o entretenimento variou: de filmes de terror de qualidade duvidosa a mais séries adolescentes produzidas pela Netflix, passando pelos dramas intensos da HBO e novas obras dentro de franquias consagradas, mas sem esquecer dos trabalhos inéditos de cineastas conhecidos. No mês mais curto do ano, o segundo Cineclube de 2022 te convida a ficar por dentro do que rolou no mundo do entretenimento ao longo desses 28 dias.
O mês começou movimentado com a aguardada lista de nomeações do Oscar 2022. Lá, as surpresas vieram com a omissão de Lady Gaga na disputa de Melhor Atriz, que viu o surgimento de Kristen Stewart e Penélope Cruz ao lado das já consolidadas Chastain, Colman e Kidman. Em Direção, Denis Villeneuve ficou de fora (mesmo Duna angariando dois dígitos de menções), e Ryūsuke Hamaguchi apareceu. Seu filme, Drive My Car, foi reconhecido pelo trabalho de direção, roteiro, e ainda figurou entre os Filmes Internacionais e a categoria principal da noite. Ataque dos Cães liderou com 12 indicações, mas o resultado disso tudo só descobriremos em 27 de março.
Um mês antes, em 27 de fevereiro, o Sindicato dos Atores entregou seus belos troféus. Primeira premiação com o retorno da plateia (depois do adiamento do Critics Choice Awards e do Grammy, inicialmente programados para janeiro), a cerimônia foi emocionante. No lado da TV, Round 6 venceu Ator, Atriz e Elenco de Dublês, enquanto Succession levou Elenco em Drama. Ted Lasso ficou com Ator e Elenco de Comédia, e Jean Smart venceu Atriz. Kate Winslet e Michael Keaton foram coroadas em Minissérie.
Em Cinema, 007 – Sem Tempo Para Morrer levou o SAG de Elenco de Dublês, batendo o favorito Duna. Em Atriz Coadjuvante, deu Ariana DeBose, por Amor, Sublime Amor. Ator ficou para Will Smith em King Richard: Criando Campeãs, e Atriz para Jessica Chastain em Os Olhos de Tammy Faye. Troy Kotsur fez história ao se tornar o primeiro ator surdo a vencer uma estatueta individual, e seu filme No Ritmo do Coração (CODA) foi o campeão da noite, vencendo também Melhor Elenco. Com uma distribuição justa dos prêmios e discursos realmente especiais, a 28ª edição do SAG foi bastante proveitosa.
Em um período do Cinema de terror onde várias franquias clássicas estão voltando, chegou a vez de O Massacre da Serra Elétrica com O Retorno de Leatherface. Sequência direta do clássico de 1974, Texas Chainsaw Massacre foi lançado diretamente na Netflix pois não conseguiu um acordo para sua distribuição nas salas. Ao gourmetizar o massacre, desperdiça vários de seus personagens e ignora muito do próprio legado do vilão Leatherface, diminuindo a importância do filme original e quase desrespeitando toda a franquia.
Saindo do terror e indo para o melodrama, fevereiro foi o mês de Almodóvar na Netflix. O streaming recebeu diversos filmes essenciais do cineasta antes da chegada de seu novo trabalho ao acervo, Mães Paralelas (Madres Paralelas). A oitava colaboração do espanhol com Penélope Cruz rendeu à ela o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza e uma indicação ao Oscar por sua atuação. O filme, que também recebeu uma indicação pela Trilha Sonora Original de Alberto Iglesias, se destaca pela harmonia das cores de sua direção de fotografia e apresenta um melodrama fiel ao Cinema feito por Almodóvar.
A Netflix não foi palco só para filmes aclamados e também recebeu a fanfic adolescente ruim Através da Minha Janela (A través de mi ventana). A adaptação do livro de Ariana Godoy repete clichês de hipersexualização e parece tão superficial quanto uma história inventada por alguém que espreita pela janela, repleta de estereótipos. Nos sucessos da plataforma, O Golpista do Tinder (The Tinder Swindler) foi bastante comentada nas redes sociais e entrou no top 10 de diversos países. O documentário sobre Cecilie Fjellhoy e o match com Simon Leviev, bilionário israelense e herdeiro de um império de diamantes, possui uma estrutura repetitiva, mas sua narrativa da mulher que se endividou por causa de um homem é facilmente comprada, graças à sua trama crescente que funciona como um alerta sobre golpistas da internet.
Ainda na temática do golpe, outro fenômeno da Netflix foi a série de Shonda Rhimes, Inventando Anna (Inventing Anna). Baseada na história real de Anna Delvey, que fingiu ser uma herdeira alemã enquanto cometia atos fraudulentos contra bancos e hotéis, a série protagonizada por Julia Garner adota um formato que não funciona. O seu maior destaque é a própria Garner, que conseguiu entregar a melhor personagem em uma produção exaustiva.
Na comédia, Space Force retornou para sua segunda temporada, dois anos depois de sua estreia. A série criada por Greg Daniels e Steve Carell, que também atua como um general que é remanejado para o ramo da NASA, não conseguiu decolar, mesmo tendo um elenco estrelado por John Malkovich, Ben Schwartz, Diana Silvers e Lisa Kudrow. Falando em famosos, houve a estreia de Murderville, sitcom cujo diferencial é ser feita na base do improviso. A comédia com investigação de homicídios, estrelada por Will Arnett, é baseada na série Murder in Successville, da BBC3, e contou com convidados para contracenar a cada episódio, como os atores Ken Jeong e Kumail Nanjiani.
No ramo das séries voltadas ao público jovem, Um de Nós Está Mentindo (One of Us Is Lying) chegou na Netflix com diversas mudanças na adaptação. Baseada no livro homônimo de Karen M. McManus, o suspense original do Peacock que acompanha um grupo de 5 adolescentes bem diferentes tem uma pegada de Clube dos Cinco bem evidente, o que torna interessante descobrir o assassinato de um deles enquanto toca Don’t You Forget About Me.
Nas produções nacionais, a série De Volta aos 15 estreou com as atrizes Camila Queiroz e Maísa como a protagonista Anita em idades diferentes. A dramédia que lembra De Repente 30 é baseada no livro homônimo escrito por Bruna Vieira e seu enredo sobre autodescoberta é bastante dinâmico, cheia de referências e músicas dos anos 2000. O auge da produção, no entanto, é se destacar com um elenco representativo e uma narrativa igualmente sensível às mudanças sociais que o país vivenciou de 2006 pra cá, e todo o mérito do novo hit nacional da Netflix é das mulheres que o fizeram.
Para os que estavam chorando de saudade de Ragnar, Lagertha e Bjorn, a primeira temporada de Vikings: Valhalla veio para acabar com esse problema. A nova trama nórdica do original Netflix se passa 100 anos depois dos acontecimentos de Vikings e acompanha as aventuras de Leif Erikson (Sam Corlett), Freydis (Frida Gustavsson), Harald Hardrada (Leo Suter) e do rei normando Guilherme, o Conquistador (Bradley Freegard).
Os fãs de animações puderam prestigiar a primeira temporada de Cuphead – A Série (The Cuphead Show!) neste mês. Desenvolvida por Dave Wasson para a Netflix, é baseada no jogo de 2017 do Studio MDHR e acompanha as aventuras da dupla Xicrinho e Caneco, fazendo referência ao estilo de animação clássico da Disney no início do estúdio, mas com uma modernização dos desenhos. Também tivemos a estreia da 4ª temporada de (Des)encanto, na qual a princesa Bean (Abbi Jacobson) deve salvar Dreamland dos planos maquiavélicos de sua mãe, Dagmar (Sharon Hogan).
Partindo para o Amazon Prime Video, a primeira temporada de A Lenda de Vox Machina (The Legend of Vox Machina) conquistou os apaixonados por animação. A trama envolvente e desafiadora acompanha um bando de desajustados que acaba em uma missão para salvar o reino de Exandria das forças escuras e mágicas. Em 12 episódios de meia hora, mostra que o Prime Video continua florindo seu campo de produções originais.
Já no HBO Max, Steven Soderbergh lançou seu terceiro filme na plataforma, Kimi: Alguém Está Escutando (Kimi). O suspense protagonizado por Zoë Kravitz teve uma recepção positiva por parte da crítica e tem sido descrito como um “Janela Indiscreta contemporâneo”. Nas séries, o reboot de Sex and The City, And Just Like That, retomou o elenco original com exceção de Kim Cattrall, que se recusou a trabalhar com Sarah Jessica Parker novamente.
No mundo dos super-heróis da DC, a primeira temporada de Pacificador (Peacemaker) chegou no streaming com muita porrada, sangue, sexualização de John Cena e uma participação especial de cair o queixo no final do sétimo episódio. Criada e escrita por James Gunn, é um spin-off de O Esquadrão Suicida e conta com Cena de volta ao papel do vilão, atuando dentro de uma equipe ótima que tem no elenco Danielle Brooks, Freddie Stroma, Chukwudi Iwuji, Jennifer Holland e Steve Agee. O sucesso foi tanto que a série foi renovada para a segunda temporada e Gunn ainda revelou estar trabalhando em uma nova produção, protagonizada por outro personagem de O Esquadrão Suicida.
Fevereiro também foi o mês em que a aguardada segunda temporada de Euphoria chegou ao fim. O novo ano da série priorizou o fator externo ao interno, desovando visuais de cair o queixo, mas não se importando com amarrações na história principal. Os episódios herdam um ingrato caráter de transição, sem se firmarem por completo enquanto o futuro não é colhido, e Zendaya continua o destaque, fazendo valer sua vasta gama de emoções para viver uma Rue em constante estado de quebra.
Cassie (Sydney Sweeney) rouba os holofotes para si, mas o desenvolvimento de sua narrativa própria não leva a garota para qualquer meio. Maddy (Alexa Demie) é mais visual do que composição, Kat (Barbie Ferreira) vira fantasma e Jules (Hunter Schafer) foi negligenciada toda semana. Lexi (Maude Apatow) e Fezco (Angus Cloud) recebem atenção, mas suas cenas são esvaziadas de peso ou relevância para o bem maior. Enquanto todos os comandos de Euphoria forem geridos por um único Sam Levinson, a série tem tudo para continuar patinando.
Outra original HBO, a primeira temporada de Alguém em Algum Lugar (Somebody Somewhere) encantou pela simplicidade de sua trama e pela exploração densa de temas sensíveis enquanto narra a crônica de uma cidade e da figura de uma mulher deslocada (Bridget Everett). Também com protagonismo feminino, a minissérie Quem Era Ela (The Girl Before) acompanha duas mulheres numa situação misteriosa em suas casas, com uma diferença temporal entre elas. Baseada no best-seller homônimo de J.P Delaney, é dividida em 4 capítulos com cerca de 1 hora cada, estrelados por Jessica Plummer (Como Falar com Garotas em Festas), Gugu Mbatha-Raw (Belle) e David Oyelowo (Selma: Uma Luta Pela Igualdade).
No Disney+, os apaixonados por Star Wars receberam uma nova série no universo da saga: O Livro de Boba Fett (The Book of Boba Fett). Espécie de derivado e continuação de The Mandalorian, a produção acompanha o Caçador de Recompensas tentando se provar como o manda-chuva da região antes comandada por Jabba, The Hutt, e sempre acompanhado da sabedoria de Fennec Shand (Ming-Na Wen). A série criada por Jon Favreau em momento algum justifica sua existência, entregando comodismo e coincidências na galáxia.
Quando percebe que Fett não tem mais o que render, viaja até a nave de Mando (Pedro Pascal) e se aproveita da nostalgia para acariciar todos os ícones de Star Wars e provar, mais uma vez, como a Disney tem vergonha, preguiça e corpo mole na hora de inovar com Guerra nas Estrelas. De pontos positivos, é possível mencionar a escalação de Temuera Morrison, que sustenta um protagonista sisudo e fora dos padrões de mercado na aparência e na idade, além do trabalho dos diretores Robert Rodriguez (apaixonado por efeitos práticos e sets reais) e Bryce Dallas Howard (que consegue cutucar a nostalgia sem se entregar ao ridículo).
Também inserida dentro de um universo já consagrado, Blade Runner: Black Lotus encerrou sua primeira temporada em fevereiro. Parceria entre Crunchyroll e Adult Swim, a animação acontece 17 anos antes de Blade Runner 2049 e explora o mundo cyberpunk que Ridley Scott adaptou do livro de Philip K. Dick e depois Denis Villeneuve expandiu. Dividida em 13 episódios, o elenco conta com nomes como Jessica Henwick, Wes Bentley, Samira Wiley e Arisa Shida.
Nossa! Depois desse passeio pelos lançamentos em todos os streamings, chegou a hora de falar das novidades na Sétima Arte para a alegria dos cinéfilos. Começando pela chegada de Red Rocket, a comédia dramática dirigida por Sean Baker (de Projeto Flórida e Tangerina), que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2021 e recebeu elogios pela atuação magnética de Simon Rex no papel principal.
Falando em diretores conhecidos, o aguardado Licorice Pizza finalmente estreou. O novo trabalho de Paul Thomas Anderson é a estreia de Cooper Hoffman (filho do falecido Philip Seymour Hoffman) e das irmãs Haim (integrantes da banda de pop rock de mesmo nome) na atuação, com Alana Haim protagonizando o filme ao lado de Cooper. Indicado em 3 categorias do Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção, a obra acompanha pequenos episódios da vida do jovem Gary Valentine (Hoffman) enquanto tenta conquistar Alana Kane (Alana Haim).
O filme é um retrato apaixonante da Los Angeles da década de 1970, cheio da intensidade da juventude e que se destaca por sua atmosfera calorosa enquanto desenvolve a relação dos dois, excelentes em seus respectivos papéis. No entanto, não é possível ignorar o racismo que a produção propaga nas cenas onde Jerry Frick (John Michael Higgins) faz um sotaque asiático falso enquanto conversa com sua esposa. Tem sido alvo de críticas, e com razão.
Para os românticos, Case Comigo (Marry Me) chegou aos cinemas e narra a história de Kat (Jennifer Lopez), uma cantora famosa que, após descobrir a traição do namorado, resolve se casar com um estranho (Owen Wilson) que estava em seu show. Depois que ele aceita, os dois recém-casados começam a se conhecer. As músicas originais ficam a cargo de J-Lo e de Maluma, que também faz sua estreia como ator, depois de dublar Mariano em Encanto.
Outra estreia que aterrissou nos cinemas brasileiros foi Uncharted: Fora do Mapa, protagonizado por Tom Holland. Baseado nos jogos Uncharted da Sony, o sucesso de bilheteria também conta com Antonio Banderas, Mark Wahlberg e Tati Gabrielle no elenco e recebeu elogios da crítica por seus efeitos visuais. No entanto, o enredo deixou a desejar, sendo comparado a um roteiro de viagens pelo LA Times.
Mais um que foi mal recebido pela crítica especializada, Morte no Nilo (Death on the Nile) fez sua estreia depois de vários atrasos. A adaptação da obra de Agatha Christie acompanha a investigação de Hercule Poirot (Kenneth Branagh), a bordo de um cruzeiro no Egito, para descobrir quem foi o culpado pelo assassinato de Linnet Ridgeway (Gal Gadot), uma herdeira rica.
O filme dirigido por Branagh (de Belfast) está envolto em polêmicas por causa de seu elenco: o ator Armie Hammer tem diversas acusações de comportamentos abusivos e a atriz Letitia Wright ter se recusado a se vacinar contra a covid-19. Por conta da participação de Gal Gadot, atriz israelense que serviu ao exército do país, o longa também acabou banido no Kuwait e no Líbano. Cruzes!
Retomando o clima da cobertura do Persona da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o documentário Transversais estreou nos cinemas de algumas capitais depois de passar pela 45ª edição do festival paulistano. Dirigido por Emerson Maranhão, o filme sincero e emotivo mergulha nos dilemas e rotinas de 5 pessoas que têm as vidas perpassadas pela questão trans. Também presente na Mostra, A Ilha de Bergman (Bergman Island) chegou aos cinemas do país depois de receber uma indicação à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Escrito e dirigido por Mia Hansen-Løve, o longa homenageia o diretor de Persona ao mesmo tempo em que encontra sua própria história acerca do amor a partir do protagonismo de Tony (Tim Roth) e Chris (Vicky Krieps) na ilha mítica para o cinema que existe em Fårö, na Suécia.
Outros dois filmes que fizeram parte da Mostra SP e agora tiveram seu lançamento oficial no Brasil foram Cow e o arrebatador Lamb, pela MUBI. Dirigido por Andrea Arnold, Cow é um documentário britânico que narra a vida de uma vaca. Já o denso Lamb é a submissão oficial da Islândia para o Oscar 2022 e narra a história de um casal que é surpreendido pela chegada de uma prole divina. Dirigido por Valdimar Jóhannsson, e com performances calculadamente fascinantes de Noomi Rapace e Hilmir Snær Guðnason, é um filme delicioso de ser descoberto.
Por fim, quem não quer saber de filme cult e só quer ver algo descompromissado nos cinemas pode conferir Moonfall – Ameaça Lunar, dirigido pelo experiente Rolland Emmerich (de Independence Day: O Ressurgimento e 2012). O longa de desastre natural impressiona pelos efeitos visuais, mesmo que abra mão do “realismo” para colapsar o planeta Terra, e conta com um elenco de renome, com destaque para Halle Berry, Patrick Wilson e Michael Peña. A grande premiação do Cinema está chegando e o Persona continua firme trazendo tudo o que rolou no mundo da cultura. Agora que as cortinas do Cineclube de Fevereiro foram baixadas, nossa Curadoria tem um mês para se reunir e selecionar o melhor do audiovisual em um novo mensal de dicas. Até mais!
Texto: Caio Machado
Pesquisa e Pauta: Ana Júlia Trevisan, Gabriel Gatti, Marcela Zogheib, Nathália Mendes, Raquel Dutra e Vitor Evangelista