Raquel Dutra
“Era uma vez, um grupo de mulheres dotadas de poderes sobrenaturais…” poderia sussurar o âmago de As Bruxas do Oriente (Les Sorcières De L’Orient, no original), apenas no caso de o filme em questão não se dedicar à uma história real que em nada se assemelha com os contos de fadas que conhecemos. A atmosfera que o documentário cria na seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, no entanto, é quase a mesma de um conto fantástico, criada na tela do diretor Julien Faraut à medida em que ele nos apresenta a narrativa de uma equipe de voleibol do Japão da década de 60 considerada uma das melhores do mundo todo.
A produção francesa mergulha no fascínio da história daquele time composto por mulheres imparáveis. A partir dos relatos de cada uma delas sobre o tempo em que dominavam as quadras de vôlei mundo afora, o filme avança na desmistificação do imaginário que cerca as chamadas Bruxas do Oriente, que na verdade, bem longe de corresponderem à ideia de figuras mágicas, eram trabalhadoras de uma fábrica têxtil no interior do Japão, que chegou onde chegou através de um treinamento extremamente rigoroso.
Entre imagens do presente e do passado, a direção de Julien Faraut para a fotografia de Yukata Yamazaki, a edição de Andrei Bogdanov e a trilha de Jason Lytle K-Raw explora livremente o encanto da narrativa de The Witches Of The Orient. Quase como o balé organizado de um jogo de vôlei real, o filme trabalha com jogos de cena que criam a noção de algo fantástico: a câmera gira em torno das mulheres enquanto cenas delas em quadra são congeladas ao lado das imagens atuais, num anseio de capturar a magia daquele tempo e transportá-la para o ambiente ordinário que hoje sedia um encontro das lendas do esporte mundial.
Tudo fica ainda mais interessante, único e fantasioso quando o filme incorpora ilustrações animadas como aliadas ao desenvolvimento de sua narrativa. Assim, a linguagem singular de As Bruxas do Oriente entrega um documentário cheio de personalidade, tão preocupado com a sua experiência estética quanto com a sua história. Nesse sentido, o segundo ponto, no fim das contas, se torna algo complexo no desenvolvimento do longa, já que o apreço pelos depoimentos das mulheres, compartilhando experiências muito similares de uma origem humilde e busca por ascensão através do esporte, confunde o fio narrativo com um ciclo de conteúdo.
O filme traz apenas vislumbres para mostrar que nada na vida daquelas vitoriosas era um conto de fadas e que muito menos As Bruxas eram personagens maquiavélicas e implacáveis. Não é na bruxa número 7, na bruxa número 5 ou na bruxa número 3 – como elas mesmas se apresentam – que os traços místicos são encontrados. O único e verdadeiro deles é atribuído ao treinador Hirobumi Daimatsu, um ex-comandante de pelotão do Exército Imperial Japonês, conhecido popularmente como um legítimo demônio entre as pessoas que conheciam o ritmo dos treinos da equipe.
A dificuldade em lidar com as histórias daquelas mulheres parece surgir da mesma direção que lida muito bem com todos os outros elementos do filme. Afinal, não é uma surpresa que a dedicação do olhar do diretor francês não consiga identificar o potencial de uma narrativa permeada por questões de gênero, nem trabalhar a importância do contexto de atuação das Bruxas do Oriente. Ninguém imaginava que um time de vôlei feminino oriental iria trazer uma experiência mágica para o mundo dos anos 60, mas o centro do documentário é categórico em sua representação: de pessoas ordinárias nascem histórias fantásticas.