Na era dos filmes interligados, A Freira chega com uma bagagem de dois Invocações do Mal (ótimos) e dois Annabelles (mornos), o quinto filme da franquia remonta os anos 50 e vem narrar o primórdio de sua personagem título, o demônio Valak
Vitor Evangelista
Quando James Wan inaugurou o que seria um universo compartilhado de terror em 2013 com Invocação do Mal, o público assistiu boquiaberto o casal Warren envolvido em casos sobrenaturais. Com um domínio técnico magistral, o cineasta abriu portas para que outros diretores fizessem experimentações, brincando com figuras célebres dessa mitologia.
O escolhido para dar vida ao conto de terror situado na Romênia, em 1952, foi o novato Corin Hardy. O diretor tropeça na linha narrativa do longa mas tem bons acertos em enquadramentos inusitados, um bom senso de direção de cenas escuras e consegue manter uma tensão que sufoca o espectador. Todas virtudes herdadas de Wan, que aqui assina o roteiro e também é produtor do filme.
Logo após o suicídio de uma freira num convento distante na Romênia, um padre (Demián Bichir) e uma jovem noviça (Taissa Farmiga) são convocados pelo Vaticano para investigar o caso. Guiados por um vendedor ambulante (Jonas Bloquet, com um humor mal dosado), eles começam a desvendar mistérios antigos dentro do local. A trama, por si só, não se sustenta. Sem qualquer artifício narrativo que leve a uma progressão da história, A Freira se pauta numa sequência de sustos, assombrações e ambientes escuros, todos muito soltos, repetitivos.
Padre Burke (Bichir) é o personagem que chega mais perto de ter um arco bem delimitado, entretanto o descuido na construção coesa do roteiro anula isso. Se, numa cena, o personagem é enterrado vivo e dá de cara com Valak, na sequência o longa esquece do ocorrido e age normalmente. Tudo mostrado em tela não tem peso, são blocos despidos de interconexões.
O mesmo acontece com a Irmã Irene, personagem de Farmiga. Sempre em seus trajes brancos, a noviça que ainda não se tornou freira flerta com o sobrenatural. O histórico da atriz em produções de horror (American Horror Story) contribui para uma construção mais sólida de sua personalidade. Sempre aflita, amedrontada, Irene evoca a aura das final girls dos filmes de terror dos anos 80 e 90 mas acaba se tornando esquecível.
O protagonismo que deveria ser todo de Valak (Bonnie Aarons) também é perdido. A primeira aparição da personagem foi em 2016, em Invocação do Mal 2, mas chegamos em A Freira com poucas informações sobre sua origem, ela é um demônio que invoca desejos, tem a forma de uma freira, e só. E, ao sair da sessão de A Freira, nada se acrescenta a sua história passada. O filme, preocupado em assustar, abdica totalmente de se aprofundar na entidade demoníaca.
Frustra não só o espectador, como também as expectativas que James Wan plantou dois anos atrás em seu Invocação. Os êxitos do filme são majoritariamente técnicos. A direção de Hardy faz ótimo uso de câmera na mão, o tremelique da imagem acentua o desconhecido que permeia a narrativa. Além disso, o diretor consegue criar figuras geométricas com seus fantasmas e vultos. Filmadas de cima, a gangue de freiras fantasmas aterroriza.
Outro fator extremamente positivo é a sequência final, os últimos quinze minutos são de tirar o fôlego e quase fazem esquecer os árduos setenta minutos que vieram antes. Um bom twist nos últimos segundos do longa (com dedo de James Wan, acredito) conecta sua trama ao vindouro Invocação do Mal 3. Com a volta de Wan no comando do Universo, espera-se mais uma obra prima que, quem sabe, pode enterrar A Freira em nossa memória.