Henrique Marinhos
Em exibição na seção Perspectiva Internacional da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Uma Terra Deixada para Trás (Nei Sha, no original), dirigido por Yang Yishu, é o testemunho de uma colisão lenta e inevitável entre a modernidade capitalista e a serenidade da tradição. Em uma pequena ilha do rio Yangtze, sentimos o peso de um mundo que se infiltra, pesado, nas rachaduras da tranquilidade. Como a maré que não se detém, forças globais encontram caminho até o canto mais remoto e aquilo que parecia isolado revela-se vulnerável.
Assim como em O Mal Não Existe (2024), de Ryusuke Hamaguchi, Uma Terra Deixada para Trás critica a força do capital que esmaga comunidades, antes, autossuficientes. A fazenda orgânica que protagoniza o longa é uma tentativa de sustentar um mundo que insiste em desmoronar, mas é, também, o fracasso diante de um sistema que não cede. A luta para que esse lugar seja mais do que apenas um local sem agrotóxicos – um espaço de significado – mais parece uma luta contra o próprio tempo.
Zhao Chuan interpreta o Sr. Tang, um homem que tenta resistir em silêncio com o plantio, cultivo e criação, enquanto o mundo ao seu redor exige lucros. A chegada da mãe de Xiao Yu, vivida por Feng Guo, traz uma perspectiva de tradição que desafia essa realidade. Já Xiao Yu, interpretada por Zhang Dan, é uma jovem dividida entre as tradições que questionam o presente e a luta para superar o peso do passado.
Mei Shuxuan, responsável pela cinematografia, nos mostra a natureza como um santuário, que também revela uma prisão emocional com ambientes que oscilam entre o acolhimento e a alienação. No design de som, por Xie Yun-Loussignan, somos isolados junto a tensão dos personagens. Em certos momentos, os planos baixos e escondidos nos colocam na posição de crianças inocentes, presenciando cenas que não temos malícia para compreender.
O filme também se debruça sobre o envelhecimento físico e emocional. As escolhas que fazemos e as que não podemos mais desfazer. A mãe de Xiao Yu é um lembrete do que fica para trás, do que se abandona e do que nos molda mesmo sem querermos. Ao mesmo tempo, o filme é profundamente contemplativo, mas não necessariamente nos guia para algum lugar. É como estar em um campo aberto, sem trilhas visíveis para seguir, apenas imerso nas paisagens. Essa falta de direcionamento nos deixa perdidos, sentindo que esses ciclos não tem fim.
No final, não há triunfos heroicos. O que resta é uma aceitação que não é feliz, tampouco não é derrotada. A ilha, o rio, a fazenda – todos se tornam símbolos de uma luta que parece eterna. É uma busca por sentido, por algo que seja humano. E isso nos deixa com uma reflexão na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: talvez não seja sobre vencer, mas sim, apenas sobre tentar; encontrar valor no esforço e bastar-se aí.