Sofia Coppola e o necessário reconhecimento das mulheres como cineastas

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Daiane Tadeu

A diretora americana Sofia Coppola venceu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes que ocorreu no último mês de maio. A cineasta foi premiada pelo filme O estranho que nós amamos, um remake do longa de 1971 dirigido por Don Siegel e baseado no romance A Painted Devil, de Thomas P. Cullinan.

Coppola foi a segunda mulher a vencer como melhor diretora na história de Cannes, precedida apenas por Yuliya Solntseva com seu filme A Epopéia dos Anos de Fogo (1961). Isso significa que, na história de 71 anos do festival internacional aclamado como o mais importante do cinema, apenas duas mulheres foram apontadas como as melhores diretoras, havendo um jejum de cinco décadas entre elas. Esse fato sobre a premiação de Cannes revela uma característica muito visível de um dos aspectos técnicos mais importantes e prestigiados no cinema: a direção é um território majoritariamente masculino. A análise de qualquer lista que seleciona os melhores cineastas da história deixa evidente que as mulheres estão sempre em minoria.

Entretanto, o início da história da sétima arte curiosamente se contrapôs a essa realidade de predomínio masculino nas grandes funções de bastidores. Quem defende essa tese é a historiadora de cinema Cari Beauchamp. Sob esse ponto de vista a pesquisadora relata, no primeiro episódio da série de documentários sobre o cinema A História do Cinema – Uma odisséia, que metade dos filmes feitos até 1925 foram escritos por mulheres. Além disso, para a Beauchamp “a história do cinema foi construída por mulheres, imigrantes e judeus, pessoas que não seriam aceitas em nenhuma outra profissão na época”.

A primeira mulher cineasta foi a francesa Alice Guy Blaché, inventora da narrativa ficcional no cinema
A primeira mulher cineasta foi a francesa Alice Guy Blaché, inventora da narrativa ficcional no cinema

Dessa forma, a vitória de Coppola se mostra como um marco historicamente relevante para o cinema, mas mais ainda para a carreira da diretora que é alvo de muitas críticas e controvérsias.

A representação do feminino por Sofia Coppola

Sofia nasceu em maio 1971, e cresceu numa década em que seu pai (Francis Ford Coppola) era um dos nomes de maior peso do que foi denominado “O novo cinema americano”. Sim, ela é filha do diretor de clássicos como Apocalypse Now e a trilogia O Poderoso Chefão.

Sua trajetória no cinema começou ainda como bebê, atuando no primeiro filme da saga do pai. Depois disso, a artista desempenhou mais alguns pequenos papéis em frente às câmeras: sua aparição mais importante foi no desfecho da trilogia sobre mafiosos, interpretando a filha de Michael Corleone – a atriz foi duramente criticada, tanto pelos fãs da trilogia quanto pela crítica especializada, devido ao seu péssimo desempenho e atuação extremamente caricata.

Afastando-se de Hollywood, Sofia entrou para o Instituto de Artes da Califórnia, explorando seu interesse por fotografia, figurino e curtas em vídeo. Como trabalho, participou de projetos de seus irmãos, em sua maioria videoclipes. A participação na produção desses vídeos foi a provável responsável pelo hibridismo de linguagens que aparece em toda sua filmografia; muitas de suas sequências remetem à linguagem de videoclipes musicais, com o uso de bandas contemporâneas na trilha sonora e ausência frequente de diálogos.

Videoclipe dirigido por Sofia Coppola e protagonizado por Kate Moss

Sua estreia como cineasta foi no curta-metragem Lick the Star (1998). Este primeiro filme já revela muito da representação feminina nas obras da diretora. Na história, quatro adolescentes de 12 anos, inspiradas no livro Flowers in the Attic de V.C Andrews, planejam envenenar os meninos dos quais não gostam em seu colégio.

A ambientação do curta nos corredores de uma escola, no qual a maior parte dos diálogos são os comentários maldosos que os jovens fazem uns aos outros, transmite com muita eficácia a atmosfera claustrofóbica vivenciada pelos pré-adolescentes. A obra dá destaque às meninas e seu incansável esforço em atingir padrões de beleza e comportamento. E deixa evidente a relação cíclica entre ser vítima e o autor do bullying. Presa a esse ambiente hostil a protagonista Chloe tenta o suicídio, um tema que seria explorado já no ano seguinte por Coppola.

Os acessórios femininos não são suficientes para esconder as ataduras nos pulsos e frustrações de Cecília
Os acessórios femininos não são suficientes para esconder as ataduras nos pulsos e frustrações de Cecília

As Virgens Suicidas (1999), foi o primeiro e ambicioso longa da diretora, e é baseado no homônimo livro de Jeffrey Eugenides. O filme narra a história dos Lisbon, uma família composta por um casal bastante religioso, pais de cinco atraentes adolescentes. Ambientada em um bairro classe média nos anos 70, a história se desenvolve a partir do suicídio da filha caçula da família, Cecília de apenas 13 anos. Isso leva os pais a tomarem medidas cada vez mais superprotetoras e isolacionistas quanto a educação das meninas.

O longa, em poucos diálogos, transmite o confronto entre liberdade e encarceramento presentes na adolescência. Os gestos e atitudes das personagens é que narram o filme, principalmente no caso da protagonista Lux Lisbon, vivida por Kirsten Dunst.

Ao contrário do curta de estreia, que foca nas relações entre os próprios adolescentes, As Virgens Suicidas mira na relação entre adultos e jovens – acertando no machismo que confina e cerceia diversos aspectos da adolescência feminina.  O machismo que ao mesmo tempo repreende a sexualidade das irmãs Lisbon mais velhas, força uma adultização nas mais jovens. O filme teve uma boa recepção da crítica especializada e do público.

A parceria entre Coppola e Kirsten Dunst deu tão certo que a atriz foi chamada para protagonizar o terceiro longa-metragem da diretora. O filme Maria Antonieta (2006), assim como todos os anteriores, foi escrito e dirigido por Sofia. A obra se baseia na biografia da rainha que nasceu na Bélgica, mas foi mandada à França com 14 anos para se casar com o príncipe Luis XVI.

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O filme recebeu o Oscar de melhor figurino, assinado por Marina Canonero

Após anos de pesquisa a diretora optou por se basear na versão biográfica do pesquisador Stefan Zweig, em detrimento a outros, alegando que ele fez uma descrição mais humanista da rainha, escolha essa que se tornou uma grande controvérsia. Ao optar por dar uma visão subjetiva e humana a uma das personalidade mais odiadas da história, Coppola foi alvo de inúmeras críticas. Na representação feita pela diretora, fica claro que a rainha era apenas uma adolescente imatura com incansáveis obrigações. Contudo, a obra não omite as responsabilidades da monarca como uma líder relapsa e prejudicial para a nação francesa.

No entanto, o filme expõe que as obrigações de uma mulher, principalmente se tratando de uma rainha, na França do século XVI diziam respeito somente a maternidade, moda, bailes e o cumprimento de burocracias sociais. Na obra de Coppola a protagonista era pressionada a sentir que a sedução de seu marido, o príncipe consorte, era mais importante de que seus deveres com o povo francês.

Outra crítica diz respeito a trilha sonora, que é formada por artistas contemporâneos e não se enquadra com a ambientação da época. Ao analisarmos o filme veremos que existe uma justificativa plausível para essa escolha: Maria Antonieta é um paralelo a todas as adolescentes da história, inclusive as de hoje em dia, visto que muitas das aspirações e cobranças vividas pela jovem continuam atuais.

Assim, fica claro que, desde o seu primeiro curta-metragem a diretora Sofia Coppola dá vida a personagens femininos complexos. Suas protagonistas vêm acompanhadas de um cuidadoso desenvolvimento na história e personalidade das personagens, fator que costuma faltar na maioria das obras cinematográficas. Isto, além do reconhecimento no festival de Cannes e outros, torna grandes as expectativas para o longa O estranho que nós amamos. O filme contará a história de uma mulher que leva um homem doente e debilitado para a casa onde mora, um internato de mulheres. Aos poucos, cada uma delas demonstra interesses e desejos por ele.

 

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