Revolver: 50 anos do início da fase psicodélica dos Beatles

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Capa feita com desenhos e colagens pelo artista alemão Klaus Voorman

Mariana Faria

Experimentação: essa é a palavra-chave que define o que o sétimo álbum dos Beatles representou no repertório da banda. Lançado em agosto de 1966, Revolver trouxe inovações não só para a banda inglesa, mas também para todo o cenário musical dos últimos anos da década de 60.   

Insatisfeitos com as performances ao vivo sob a alegação de não se ouvirem por causa da gritaria das fãs, os Beatles procuraram explorar novos efeitos e sons durante as gravações, que duraram 300 horas – inclusive, houve a intenção de o álbum ser gravado nos Estados Unidos, em estúdios mais modernos, mas a ideia não foi para frente e os ingleses continuaram no estúdio Abbey Road, em Londres.

Fato é que desde o álbum anterior, Rubber Soul, o quarteto já vinha com uma mudança em sua sonoridade diante da influência de seus contemporâneos norte-americanos: Bob Dylan, Beach Boys e Byrds, no contexto do ápice do folk rock e da surf music. Além de o disco ser mais poético, a faixa “Norwegian Wood” refletiu bem a nova direção que os músicos tomaram com o uso do sitar, instrumento indiano, sendo assim o primeiro contato da banda com a cultura oriental.

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Os Beatles no estúdio sob a lente de Robert Freeman.

A criação de Revolver foi impulsionada com o lançamento de Pet Sounds dos Beach Boys, a obra sonora mais inovadora na época. Com composições mais ousadas do que em Rubber Soul, os Beatles começaram a se aventurar pelo estado lisérgico, cheio de descobertas, e passaram a incorporar ainda mais as influências da cultura oriental. Assim, a percepção artística dos músicos de Liverpool evoluía.

Logo na abertura do disco já houve uma novidade, pois foi a primeira vez que George Harrison teve uma de suas canções como a primeira faixa de um álbum dos Beatles, além de três de suas composições fazerem parte da obra. Mas para o “quinto Beatle”, o produtor George Martin, e o novo engenheiro de som da gravadora, Geoff Emerick, ainda havia muito a ser explorado.

Emerick veio com a ideia de aproximar os microfones aos instrumentos e amplificadores para emitir um som mais intenso e pesado. O fato não agradou a EMI, pois segundo o padrão de regras da gravadora, a nova técnica danificaria os equipamentos que eram sensíveis. Os Beatles, então, adotaram uma postura radical: ou a gravadora cedia, ou nada seria feito. A conclusão foi uma inovação sonora impressionante. Outros resultados dessas novas experiências incluem a utilização de gravações de trás para frente, de instrumentos indianos (o sitar e a tabla), de instrumentos orquestrais e de efeitos nos vocais.

Em meio a tanto entusiasmo no estúdio, o grupo produziu uma diversidade musical bem ampla. Desde a primeira faixa “Taxman”, um protesto sobre os altos impostos ingleses com riffs agressivos, até o fechamento com a mais experimental “Tomorrow Never Knows”, na qual Lennon queria que sua voz soasse como a de Dalai Lama no topo de um monte e que não podia ser tocada ao vivo devido às limitações dos equipamentos da época.

O uso de arranjos orquestrais aparece na deprimida “Eleanor Rigby”. Em “I’m Only Sleeping”, além de a canção mencionar o prazer de John ficar deitado na cama, levou Harrison a gravar o solo duplo de guitarra invertido numa sessão de 5 horas; Em “She Said She Said”, proveniente de uma viagem de LSD durante uma conversa de John com o ator Peter Fonda, e “Doctor Robert”, uma alusão ao médico Robert Freymann que receitava anfetaminas a alguns famosos, há influências psicodélicas. Já “Love You To” expôs o amor de Harrison tanto pela filosofia quanto à Patti Boyd – sua recente esposa na época – conta com a presença de instrumentos indianos e foi a primeira utilização da tabla pelo grupo.

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Ravi Shankar e o discípulo George Harrison

Inspirada na canção “God Only Knows”, dos Beach Boys, e nos vocais de Marianne Faithfull no sucesso de seu singleAs Tears Go By” (composição originalmente dos Stones, embora o single de Faithfull tenha sido lançado antes da versão do grupo inglês), “Here There And Everywhere”, junto com a  singularidade do solo de trompa francesa em “For No One” , que fala sobre o término de um relacionamento, são clássicas baladas de McCartney. Enquanto “Yellow Submarine”, apesar de ser repleta de efeitos sonoros, engloba uma melodia simples, pois foi feita para Ringo assumir o microfone.

Contagiado pela energia do folk e do jazz de “Daydream”, do The Loving Spoonful, Paul queria fazer uma música seguindo essa linha. O resultado foi o otimismo de “Good Day Sunshine”, que se diferencia do power pop da enigmática “And Your Bird Can Sing”, sustentada pelos notáveis riffs no dueto das guitarras, soladas ao mesmo tempo. A canção misteriosa, escrita por Lennon, tem várias especulações a respeito de sua letra. Uma delas seria sobre a rivalidade entre os Beatles e os Rolling Stones, embora eles fossem amigos. A hipótese seria uma jogada com o termo “bird”, que no inglês britânico é uma gíria para “namorada” e seria uma referência à Marianne Faithfull, amante de Mick Jagger na época, que estava começando sua ascensão nas paradas pop. Lennon mais tarde desprezaria a composição; contudo, nunca revelou a inspiração por trás da letra indecifrável.

A terceira canção de George no disco, “I Want To Tell You”, ressalta o amadurecimento dos ingleses, pois expõe mediante um lado filosófico a dificuldade de transmitir alguns pensamentos. Na parte final da música identifica-se uma singela influência indiana na harmonia dos vocais. E, por fim, “Got To Get You Into My Life”, a única canção do disco que se refere explicitamente às drogas (mais precisamente à maconha), foi “literalmente um aumento da consciência” segundo as próprias palavras de seu compositor Paul McCartney. A música dispõe da utilização de metais destacando o soul americano, principalmente da Motown.

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Single com as duas canções mais famosas do álbum

Lançado junto com o álbum em agosto, o singleYellow Submarine/Eleanor Rigby” atingiu o topo das paradas inglesas. No lado A o tema sugestivo à psicodelia, influenciada pelo uso de drogas, de “Yellow Submarine” surpreende quando, na verdade, a intenção da música é caracterizada pelo tema infantil. Composta essencialmente por McCartney, mas creditada a Lennon/McCartney e com a colaboração de Donovan – que no mesmo ano lançou seu single “Mellow Yellow” – a viagem pelo submarino amarelo dos Beatles conta com uma variedade de efeitos sonoros como bolhas (sopradas através de um canudo por John em um balde cheio de água), assovios, brinde de taças, barulhos de uma caixa registradora (mais tarde usada em “Money” do Pink Floyd), sinos, buzinas, metais e um conjunto de vozes que incluem a participação de Brian Jones e Marianne Faithfull simulando o ambiente de festa dentro do submarino.

A fúnebre “Eleanor Rigby” compõe o lado B do single. A canção, escrita por McCartney, transmite o tom de solidão não apenas em sua letra melancólica, mas também na harmonia com a utilização do octeto de cordas, unindo o erudito ao pop que rendeu ao grupo uma de suas composições mais sólidas.

Duas músicas que não fizeram parte do disco, mas foram gravadas durante as sessões de Revolver, saíram no singlePaperback Writer/Rain”. Lançadas meses antes do álbum, ambas as canções foram um prelúdio do que o sétimo trabalho dos Beatles iria trazer. No lado A “Paperback Writer”, escrita na forma de uma carta, traz um maior protagonismo do baixo, com uma sonoridade mais vibrante, além da harmonia dos vocais evidenciando a influência de Pet Sounds dos Beach Boys. Enquanto no lado B a atmosfera de “Rain”, composta pela sensação de lentidão junto com o vocal mais delongado, relacionou a parte musical com a lírica sobre o estado de consciência demonstrando, assim, a profundidade da canção.

Um fato interessante sobre “Rain” é a respeito de seu final. Foi a primeira vez que o grupo utilizou a técnica de rodar a fita de trás para frente. Com a nova façanha (recorrente em Revolver), o final da música é na verdade o primeiro verso da canção “If the rain comes they run and hide their heads”.

Após o lançamento do disco, sucesso nas paradas americana e inglesa, o quarteto encerrou suas atividades nos palcos. Além do descontentamento dos músicos em tocar ao vivo, a polêmica e famosa fala de John Lennon, “Somos mais populares que Jesus”, mal interpretada por conservadores religiosos norte-americanos, culminaram no fim das performances ao vivo, e, assim, os Beatles passaram apenas a se dedicarem aos estúdios. Tanto que em novembro de 1966, eles já começariam a gravar o seu álbum mais criativo e conceitual, lançado no ano seguinte, o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. A loucura vivida nos palcos será ilustrada no documentário Eight Days A Week – The Touring Years, dirigido por Ron Howard, com data de lançamento para setembro de 2016 nos cinemas de todo o globo. O filme também retratará a rotina dos Beatles em seus primeiros anos de carreira, entre 1962 e 1966, além de entrevistas com Paul e Ringo, os integrantes remanescentes.

Revolver traz o início do psicodelismo no som dos Beatles juntamente com a continuação do amadurecimento lírico com composições ainda mais elaboradas, reflexivas e metafóricas. O disco, que recebeu o nome em razão da rotação do vinil na vitrola, pode até não ser considerado o melhor do quarteto inglês, entretanto foi definitivamente o momento mais significante do experimentalismo presente na fase madura da banda.

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