Nilo Vieira
Em 2001, o estouro causado pelo segundo disco do Nirvana, o clássico Nevermind, estava prestes a completar uma década. Claro que existiu vida inteligente no rock (e fora dele também, obviamente) nesses quase dez anos, mas não era algo satisfatório para a indústria musical, que ainda clamava por um novo álbum que causasse fenômeno comercial parecido – e que trouxesse junto de si uma outra figura messiânica, para poder vendê-la como “a voz da nova geração”.
As opções oferecidas pela Inglaterra após a morte de Kurt Cobain acabaram não funcionando: enquanto o Oasis se perdeu em meio ao ego dos irmãos Gallagher e experimentos musicais megalomaníacos, o Radiohead virou a década se tornando “cabeça” demais (leia-se: saiu dos limites do rock) para ser divulgado como a nova banda que uniria todas as tribos. Responsável por alguns dos discos mais influentes do rock, caberia então ao estado de Nova York repetir a dose, dessa vez com um quinteto de rapazes desleixados: eram os Strokes.
O som simples e pegajoso somado às letras facilmente identificáveis do vocalista Julian Casablancas tornaram a estreia do grupo, Is This It, um sucesso imediato de crítica e público ao redor do globo. Os louros são justificados: a fusão entre as linhas melódicas do Television, a abordagem direta e de clima urbano do Ramones e o estilo cronista de Lou Reed gerou um produto sólido, repleto de hits e que captava de maneira eficaz o espírito do jovem de classe média na época; a angústia punk do rock alternativo da década passada agora era substituída por um ar blasé (interessante notar que essa pegada não se limita às letras, visto que a maioria das canções termina de maneira abrupta ou sem muitas reviravoltas), que encarava todo o caos das metrópoles contemporâneas com altas porções de indiferença irônica, nostalgia e um pouco de positividade boêmia. “Amanhã será diferente, então vou fingir que estou indo embora”, canta Casablancas no single “The Modern Age”.
O impacto causado por Is This It não tardou a ser sentido. Diversas publicações respeitadas o apontaram como o melhor disco do ano, e logo surgiram bandas executando um som similar. A Inglaterra respondeu primeiro com o The Libertines, liderado pelo junkie Peter Doherty, e mais tarde com o Arctic Monkeys, tidos até hoje como os maiores discípulos do The Strokes. O Brasil também teve uma “versão nacional” da banda, o quarteto carioca Moptop.
No entanto, mais curioso que as similaridades musicais é observar uma semelhança temporal: enquanto algumas das grandes bandas dos anos 90 buscavam inspiração em artistas recentes (o Nirvana olhava diretamente para os Pixies, o My Bloody Valentine para o The Jesus and Mary Chain e o Radiohead para o Jeff Buckley e o R.E.M., por exemplo), o The Strokes e grande parte dos contemporâneos elogiados pela crítica voltavam seus olhos e ouvidos para mais décadas mais longínquas. Desse modo, não é de se espantar que a maioria dessas bandas não passariam no fatídico “teste do segundo disco”; as influências podem ter sido repaginadas, mas eram tão claras e confortáveis que desgastaram tão rápido quanto surpreenderam.
O próximo disco dos Strokes, Room on Fire, seria amplamente criticado por soar demasiado parecido e pouco arrojado em relação ao seu antecessor, e o mesmo caso se aplicou na história de bandas como Interpol, Yeah Yeah Yeahs, Franz Ferdinand, The Killers, Kasabian e, fora do nicho indie, os australianos do Jet e The Vines. As exceções mais notáveis ficaram por conta do Arcade Fire e Arctic Monkeys, que continuaram buscando inspirações no passado, mas experimentaram outras possibilidades sonoras antes que fosse tarde demais – por ironia do destino, mais tarde o grupo de Alex Turner fincou pés e mãos de maneira tão grandiloquente nos clichês do passado e hoje são, provavelmente, a banda de rock alternativo mais popular entre o que se convencionou a chamar de público hipster médio.
Assim, o status de “salvação do rock” atribuído à patota de Julian Casablancas não se sustentou por muito tempo (tal processo foi acelerado pelo fato do The Strokes nunca ter se importado com a opinião da imprensa) e apenas suscitou alguns questionamentos óbvios: seria bom apenas o rock que olhava para o passado? Uma figura exemplar para servir de “líder” era mesmo necessária? Nunca mais teríamos outro Nirvana? Tais indagações parecem ter deixado os próprios veículos correndo atrás do próprio rabo, e não é de se estranhar que, nesta década, algumas das principais publicações sobre música ou tenham ido procurar ídolos em outros estilos musicais (caso da Pitchfork com o hip-hop) ou se contentaram a voltar suas atenções a velhos preferidos da casa (vide a famosa Rolling Stone, que nunca perde a chance de colocar Bob Dylan, Bruce Springteen e U2 entre os melhores discos do ano).
Todavia, nem assim o mundo esqueceria dos The Strokes. Após a banda ter decidido trabalhar em seu próprio tempo no irregular First Impressions of Earth (2006), não apenas viu-se a banda engatar hits nas paradas (o maior deles virou até mesmo uma espécie de gíria indie, “You Only Live Once”) como era evidente que o quinteto ainda era referência para uma tonelada de artistas, que seguiam tentando copiar e/ou adaptar suas ideias; a prova cabal está em Angles (2011), que embora mal recebido, viu sua fixação pelo pop oitentista virar tendência no nicho do indie rock.
No fim, todas essas problemáticas não parecem ter servido como justificativa para uma nova guinada de reinvenções constantes no rock (ao menos na camada mainstream), e o gênero segue se debruçando no passado e assim garantindo sucesso com todas as faixas etárias – afinal, todos adoramos romantizar a nostalgia do que não vivemos. E, mais importante que isso, apagou o maior mérito dos Strokes com Is This It: o de conseguir fazer um disco muito bom e já estabelecer uma identidade forte logo em sua estreia no mercado.
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