Giovana Silvestri
Você já se sentiu ansioso? Tem um amigo com depressão? Um conhecido com ansiedade? Sentiu uma angústia sem saber o motivo? Já teve insônia? Já viu um ataque de pânico ou teve um? Ouviu a palavra bipolaridade ou SPA: Síndrome do pensamento acelerado? Você sabe diferenciar ataque de ansiedade de ataques de pânico?
A saúde mental está sendo mais discutida nos últimos anos, com debates, conversas e preocupações sobre suicídios e depressão, assuntos que estão mais em voga nessa última década do que nos últimos cem anos. As perguntas anteriores podem ser compreendidas ao assistir Please Like Me ou ao contemplar as obras de Perola Navarro, além de sentir uma nova sensação acerca da arte e sobre as doenças psíquicas.
Momentos de autocrítica são inesquecíveis, pois nos agregam conhecimento e nos mudam de alguma forma… Foi assim que simpatizei com a série australiana Please Like Me. Há um ano vi que estava sendo bombardeada por perguntas que mudariam minha perspectiva sobre diversos assuntos. Ao decorrer das temporadas percebi que a série pedia mais do que o pensar sobre a saúde mental e suas doenças (e que gostássemos dela, como é explícito no título).
PLM é uma comédia dramática, mas foi classificada apenas como drama pelo seu produtor executivo Todd Abbott. Conta a história de Josh, um australiano mimado, com dificuldades em expressar o que sente, inseguro e egoísta, que se descobre gay aos 20 anos após um ano e meio de namoro hétero com Claire, que passa a ser sua melhor amiga após o término.
Josh passa a viver cuidando de sua mãe, Rose, que desenvolve depressão e bipolaridade, voltando para a casa dela e deixando de morar com Tom – um jovem indeciso, sozinho e emocionalmente cômodo. Pode parecer uma série de comédia simples, ou seja, jovens inseguros fazendo coisas contraditórias, assim como SKINS ou Girls da HBO, mas há um diferencial.
O sutil tom humorístico da série é resultado de um dos criadores, comediante na Austrália, que assume um roteiro dramático com tons cômicos que confunde as sensações do telespectador em relação às cenas, assim como em O Homem Irracional (filme de Woody Allen).
Josh Thomas usa o humor como válvula de escape para o sofrimento retratado no drama que produziu, assim como comediantes reconhecidos como Jim Carrey. Josh é produtor, autor, diretor e ator na série, interpretando o protagonista (também chamado Josh). Confessou que PLM retrata uma junção de ínfimas partes de sua vida apimentadas com um pouco de ficção. A série obteve ajuda de mais um “personagem-real”; Thomas Ward é produtor e interpreta ele mesmo na série, o melhor amigo de Josh: Tom.
O foco em tons pastéis no cenário ressalta uma leveza no drama, equilibra a série que aborda assuntos polêmicos – como homofobia, racismo, depressão, bipolaridade, aborto, suicídio, câncer, HIV, relacionamento aberto, religião e ateísmo. Josh Thomas com muito cuidado provou que é possível ver o lado positivo e cômico de tudo, vivendo um drama sem precisar apelar para a banalização ou humilhação dos assuntos.
Provocar o riso em assuntos vistos como tabu é um desafio, mas não é só de riso que vive a série; ela se passa com muita tensão e crítica sobre os assuntos, provoca uma dor no telespectador, uma alegria que dói ou uma tristeza que ri.
Cada personagem possui uma sutileza ao lidar com seus respectivos problemas. Rose, por exemplo, desenvolve depressão, não aceita bem seu diagnóstico da doença, rejeita várias vezes os remédios por causa dos efeitos colaterais, se sente deslocada e sozinha, e tem apenas convívio afetivo com seu filho. Porém, no decorrer da série, toma outras posturas ao lidar com sua doença quando conhece pessoas que enfrentam situações parecidas com as dela.
Hannah é uma das pessoas que Rose conhece e com quem cria vínculos. Diferente de sua amiga, Hannah pratica automutilação além da depressão. Por meio da série, conhecemos um pouco de sua vida pessoal, cheia de conflitos e traumas. Contudo, Hannah é engraçada, entusiasta com pequenas coisas, como por exemplo soltar fogos de artifício, e busca através do boxe um conforto emocional para fugir da automutilação e se sentir melhor. Hannah foi interpretada por Hannah Gadsby, que tem um Stand-Up disponível na Netflix.
“Eu tento não ficar bravo com você por você ficar o dia inteiro na cama e não conseguir fazer nada, porque é a sua doença. Você está doente, assim como não fico bravo com uma pessoa que está com o nariz escorrendo porque ela está gripada.” Josh diz para sua mãe. A relação dele com Rose e a relação deles juntos com a doença exaltam a sensibilidade necessária para lidar com os conflitos causados pelas doenças mentais.
A arte é, em tantas formas, uma saída que quebra as visões corriqueiras que nossa sociedade alimenta, através das sensações que temos com ela. Muda os conceitos e conscientiza a sociedade sobre assuntos ainda pouco explorados e debatidos. Por meio das sensações proporcionadas por ela, a arte de PLM nos emociona e ao mesmo tempo nos faz enxergar com um olhar mais empático e compreensivo as doenças mentais. Outra forma, de conscientizar a importância de pensarmos, respeitarmos e prevenirmos os transtornos mentais é por meio das artes plásticas.
A artista plástica Perola Navarro, sofreu com doenças mentais e ainda as enfrenta diariamente, mas nunca deixou a arte fora de sua vida. Disse que é uma terapia e precisa dela como precisa de ar para respirar. Ela usa a arte como uma maneira de viver melhor com seus transtornos mentais.
É brasileira, tem 22 anos e reside em Los Angeles, trabalhando com arte, divulgando suas obras no instagram, e vendendo-as em seu site. Inspirou-se em suas doenças psíquicas para produzir suas últimas obras, como o quadro Voices e o Dissociative. Explora os sintomas que sente com as cores, as texturas e as combinações, conseguindo assim transmitir por meio da arte uma sensação como a de PLM: uma alegria que dói. A artista pratica e estuda as artes plásticas desde a infância, quando surgiu o interesse pela pintura. Em 2016 Ingressou no curso de Artes Visuais, mas fez apenas dois anos de curso.
Perola inspira ao ser uma pessoa que sente essas doenças em sua própria pele, e que transforma seus sentimentos e seus sintomas em outra coisa. Tanto Please Like Me quanto as obras de Perola Navarro humanizam as doenças, desmistificam a visão estereotipada, retratam uma denúncia de vida e experiências vividas.
Há em nossa sociedade uma falta de sensibilidade e preocupação com a saúde mental, cenário oposto em relação à saúde física. Constantemente nos esquecemos de reservar um tempo para a prevenção dos transtornos mentais de alguma maneira; fazer meditação de 10 minutos durante o dia para manter nossa atenção e diminuir o ritmo dos pensamentos, assumir os transtornos mentais como doenças e tratá-las, indicar psicólogos, fazer terapias. A cultura ocidental evitou por décadas assumir que “problemas mentais” são na verdade doenças, e vive hoje os tempos de maior suscetibilidade entre os jovens em se adoentarem psicologicamente.
A série, assim como os quadros de Perola, são uma lição para nossa sociedade aprender a priorizar a saúde como um todo. Ambas exploram a comoção, mesmo que mínima, que as artes podem passar quando ligam a sensibilidade e sofrimento.
As duas também convergem na capacidade de servir como terapia, seja com o humor ou com a pintura. Por um lado, uma comédia que provoca desde risadas até lágrimas a partir de situações sociais e portanto externas às doenças; por outro, uma a resistência artística feminina em LA, que provoca emoções e críticas com as artes plásticas, a partir da interioridade da artista.
Sou completamente apaixonada pelas obras da Pérola, e igualmente me expresso pelas minhas artes. Não consigo viver sem pintar. Adoro a série, maravilhosa e emocionante.