André Siqueira e Bárbara Alcântara
Os Pet Shop Boys vieram ao Brasil pela primeira vez em 1994, em um show memorável no antigo Metropolitan, no Rio. E eu estava lá. Sozinho. Um amigo desmarcou em cima da hora, e – por mais incrível que possa parecer hoje – naquele fim de século 20 não era muito fácil encontrar companhia para um show tão associado ao universo gay, caso você não pertencesse a ele. O duo inglês ainda estava no seu auge, e encheu a casa de cores, som e um seleto público, predominantemente LGBT. Antes de entrar, tive que vender o ingresso que sobrou, e esbarrei com ninguém menos do que Renato Russo – que, infelizmente, já tinha seu bilhete.
Foi um espetáculo à lá Madonna, seja pela superprodução ou pela abundância de fetiches, tanto nos figurinos quanto nas performances dos dançarinos. Ao som de “So Hard”, duplas de rapazes e de moças trocaram beijos, em trajes minúsculos e dentro de gaiolas. Um show feito para fãs e simpatizantes, sem dúvida. À parte os exageros comuns naqueles tempos, já estavam lá todos os elementos que marcariam por mais duas décadas as performances da banda: os paletós brilhantes de Neil Tenant, os bonés de Chris Lowe, as batidas fortes e uma cenografia geométrica, baseada na simetria das formas.
Nos 23 anos seguintes, ainda passei, sempre desacompanhado, por outros três shows da dupla em solo tupiniquim – o último deles em 2013, no Credicard Hall de São Paulo – até chegar, finalmente, à noite desta última terça-feira, dia 19, no Espaço das Américas, também em São Paulo. Desta vez, com uma mudança significativa: não estava sozinho. Minha filha Bárbara, agora com 24 anos e estudante de Jornalismo (assim como eu, em 1994), quis conferir de perto as baladas que tantas vezes a embalaram na infância, ou então o poperô que animava nossas viagens de carro.
Não tinha nenhuma dúvida de que seria emocionante rever a dupla de sessentões, e nem de que eles seguem em plena forma. Basta ouvir o último álbum da banda, Super, que serve de tema para a turnê, e perceber que os Pet Shop Boys seguem com sucesso a fórmula que os manteve por cima em 35 anos de carreira: um pop eletrônico competente, contemporâneo e, ao mesmo tempo, vanguardista. É isso, eles nunca se preocuparam em se reinventar. O esforço, antes disso, é o de manter o trabalho sempre atual, e nisso ninguém é melhor do que os eternos garotos de West End.
O show Super preserva a estética de sempre, mas de um jeito incrivelmente moderno. A figura da vez são os círculos, e é dentro deles que os músicos são trazidos ao palco (ao som da excelente “Inner Sanctum”). Os lasers – sim, aquela tecnologia tão oitentista e, ao mesmo tempo, tão incrivelmente moderna – terminam de compor o espetáculo, criando e recriando o ambiente e as “condições atmosféricas”, de acordo com a setlist.
Muito menos engajada, a dupla preserva a temática da diversidade apenas nas cores e ritmos dançantes. A plateia é muito mais eclética, por mais que chamem a atenção os tiozões que, há duas décadas, talvez receassem se misturar à turma (até então) GLS. Hoje, felizmente, soltam a franga e choram ao ouvir hinos como “Domino Dancing” e “Left to My On Devices”. Sem nenhuma vergonha, já que o mais emocionado é o anfitrião, Tenant, ao perceber que não precisa cantar os refrões. Resta saber se, nessa ânsia de agradar a todos os gêneros e idades, os Pet Shop Boys vão conseguir formar uma nova geração de fãs. Essa é a pergunta que a Bárbara vai tentar responder a seguir…
É difícil dissociar Pet Shop Boys das minhas lembranças da infância. Conheci a dupla antes mesmo de entender qualquer conceito básico de música. “New York City Boy”, “West End Girls”, “Domino Dancing”… Todas já faziam parte do meu repertório quando comecei a moldar o meu gosto musical próprio. Passei um tempo renegando, admito: eu era roqueira e não poderia gostar de dance music, né?
Assistir ao show ao lado do meu pai, portanto, me proporcionou um mix de nostalgia e surpresa. Eu, com 24 anos e bem menos fechada no gosto musical, deixei algumas lágrimas escorrerem quando ouvi a versão de “Home and Dry” (a minha preferida do Pet Shop Boys). Ao mesmo tempo, fui surpreendida pelo jogo de luzes e efeitos especiais – além dos tímidos passos de dança oferecidos nesse momento específico – que se mostraram um show à parte (o que salvou, para mim, todos as músicas que eu não conhecia tão bem assim).
A questão estética é a mais importante: grandes capacetes prateados de aspecto futurista, lasers, bolas gigantes infláveis, e imagens sendo projetadas ao fundo. A música, por sua vez, impecável. A voz de Neil Tennant, ao vivo, soa exatamente com a voz gravada em estúdio: forte e única, particular. É impossível confundi-la com qualquer outra. A presença de palco, no entanto, foi um pouco intrigante. Ao contrário de grandes divas pop, como a Madonna, citada acima, os dois pouco se movem. Mas precisa? Com tanto sendo entregue, eles não precisavam mesmo se mexer!
O público completava a apresentação: pulava, cantava, gritava, dançava, levantava os braços para gravar os momentos mais impactantes (achei engraçado como nas melhores músicas era quando todos ficavam parados, segurando os smartphones). Alguns ficavam sérios, no canto, apenas observando o palco. Outros, com óculos de arco-íris, laços iluminados na cabeça, segurando latinhas de cerveja e descendo até o chão na hora da “tecnera”. E ao final de cada música, dava para ver o sorriso estampado no rosto de Neil, que agradecia São Paulo por mais um show espetacular.
Em um período de retrocessos políticos em que, entre outras coisas, a “cura gay” é institucionalizada, shows como esse são necessários. Fato comprovado por, em plena terça-feira, um grupo de temática assumidamente LGBT, com arco-íris e jaquetas brilhantes, conseguir encher o Espaço das Américas. É uma válvula de escape; aquele momento em que você pode se soltar, ser quem você é, sem se preocupar com o julgamento da pessoa ao lado. Quem diria que, mais de 20 anos depois, o ambiente proporcionado pela dupla britânica ainda fosse tão necessário quanto em 1994. Algo, no mínimo, a se refletir, certo?