Clara Sganzerla
A França, historicamente, tem um currículo de peso quando pensamos nas maiores revoluções políticas e culturais do mundo contemporâneo. Seja pelos mais famosos acontecimentos ou até mesmo pelos grandes estudiosos, teorias e filosofias que surgiram no país, é difícil dissociar as imagens: o azul, o branco e o vermelho da bandeira usualmente encontram-se ligados a marcantes movimentos disruptivos na História. Sendo um dos homenageados na lista da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Paris é uma Festa – Um Filme em 18 Ondas nos envolve em um novo olhar para a cidade da luz, do amor e da revolução.
Lançado há mais de seis anos e retornando em forma de homenagem ao diretor francês Sylvain George, o longa possui forte ligação com os atentados terroristas do dia 13 de Novembro de 2015 e com as questões de fronteira que abalaram a política internacional na época. Flertando com o estilo documentário, mas trazendo um olhar artístico e conceitual, o cineasta George consegue realmente nos aproximar das ruas de Paris com um estilo de filmagem caseiro e amador, aproveitando-se dessa energia casual e saindo da ótica vendida para turistas. Nele, a cidade é suja, existem pessoas em situação de rua, os ratos encontram morada no lixo espalhado e a arte mistura-se com o urbano, mesclando o passado glorioso e artístico com o presente caótico e incerto.
A condução da narrativa de George é proposital e conversa com seus outros filmes que também fizeram parte da homenagem da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo – como Noite Obscura (2023), Fragmentos (2011), O Impossível (2009) e Rumo a Madri (2012), com obras marcadas pelo foco nas minorias sociais, que são fortes representações dentro de seu estilo vanguardista e experimental. Esses traços marcantes de seu Cinema são mais do que visíveis no longa, que pode parecer monótono e atípico nos momentos em que foge do estilo documental. Aqui, há duas opções: conexão imediata ou o mais absoluto tédio enquanto takes rápidos e desconexos passam na tela.
E atenção: destaque especial para as partes documentais. São nesses relatos que moram a efervescência da obra, que traz a visão da parcela marginalizada das ruas de Paris com o equilíbrio perfeito entre sutileza e verdade, sem máscaras e sem filtros. Além disso, as gravações dentro das manifestações da época e os discursos captados dentro da ótica do diretor casam perfeitamente com a cadência dos fatos, montando uma cronologia sem precisarmos de falas, explicações ou textos. O filme flui por si só, principalmente ao chegar em seus minutos finais, explorando o contraste, as luzes e formas de maneira extremamente autoral.
A tradução desses sentimentos, questões, histórias e humanidade que vemos em Paris é uma Festa foram tópicos também exaltados em seu ano de lançamento. O longa fez parte do 22º Festival Internacional de Documentários em 2017, e recebeu, atualmente, o Prêmio Humanidade dentro da 47ª Mostra. A obra pode não agradar todos os gostos, mas merece o reconhecimento pela ousadia em que retrata assuntos tão atuais e relevantes, igualando-se ao conceito de desacontecimento no Jornalismo: capta-se a essência dos envolvidos no processo e não apenas o fato em si, transmitindo a mensagem de maneira real e efervescente.