Mateus Conte
O Teatro Municipal de Botucatu recebeu, em uma noite de sábado, o drama musical Parabéns, Senhor Presidente – In Concert. A casa lotou para recepcionar as atrizes globais Claudia Ohana, que interpreta a soprano Maria Callas, e Juliana Knust, que dá vida à sex symbol Marilyn Monroe. Com texto de Fernando Duarte (que estava presente naquela noite) e Rita Elmôr, a peça é uma adaptação musical para a obra de mesmo nome, encenada em 2019. A apresentação contou com entrada franca e ainda passa por seis municípios do estado, dentro da programação do Edital ProAC Expresso, através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo.
A peça retrata o encontro fictício entre as duas artistas nos bastidores do Madison Square Garden, casa de espetáculos na cidade estadunidense de Nova Iorque, por ocasião do 45º aniversário do então presidente John F. Kennedy, comemorado em 19 de Maio de 1962. O momento ficou marcado na memória coletiva dos anos 1960 com a imagem de Marilyn Monroe usando um sensual vestido coberto de cristais brilhantes, cantando aos sussurros a memorável Happy Birthday. Nessa mesma noite, a maior estrela da ópera de todos os tempos, Maria Callas, foi protagonista da apresentação mais aplaudida da noite, ao interpretar Habanera, ária integrante da ópera Carmen, apresentações cujos vídeos foram exibidos ao fundo do cenário da peça.
Independentes e bem-sucedidas, o que era raro nos anos 1960, as icônicas personagens partem de suas próprias histórias para, durante 65 minutos, mergulhar no drama feminino dos tempos modernos, abordando o papel a ser desempenhado pelas mulheres em um mundo ainda governado pelos homens. No entanto, a narrativa da obra não deixa de também envolver o público masculino, pois apresenta as consequências de relações abusivas no trato psicológico das protagonistas.
Exemplo disso são os relatos das crises conjugais de Monroe com a lenda do baseball Joe DiMaggio, que lhe abusava fisicamente. O momento impactante é muito bem utilizado pelo espetáculo para divulgar a campanha contra a violência doméstica Ligue 180, projetado no seu sóbrio cenário, que se passa no camarim da apresentação ao presidente Kennedy. Também choca a ocasião em que a atriz fala sobre os abortos espontâneos que sofreu, em uma carga dramática impressionante.
As personagens viviam momentos distintos em sua vida. Em pleno auge profissional, Marilyn estava cansada de ser vista apenas como um símbolo sexual. Amante do presidente JFK, ela sentia-se preterida pela primeira-dama Jacqueline Kennedy – um dos fatores que supostamente desencadeou seu vício em bebida e calmantes, o que lhe resultou na morte por overdose de barbitúricos, em 1962 (embora a peça aposte na hipótese de homicídio por parte de um agente da CIA, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos).
Callas, por sua vez, se incomoda com os críticos – inclusive ironizando aqueles que redigem críticas culturais nos jornais – e reconhece que sua voz está se exaurindo aos poucos. Ela ainda sofre por ter priorizado a arte em detrimento de sua vida pessoal, enfrentando problemas no relacionamento com o magnata grego Aristóteles Onassis. As crises conjugais passadas pelas personagens são os momentos em que o texto mais investe em comédia, incluindo piadas sexuais que levaram o público às gargalhadas, à revelia da classificação indicativa de 14 anos.
A conversa entre Callas, introspectiva e melancólica, e Monroe, extrovertida e sanguínea, resulta em uma rara sintonia entre contrários, também espelhados na destoância entre seus figurinos e suas caracterizações, que refletem suas personalidades distintas. Enquanto os espontâneos desabafos de Marilyn são respondidos pela grega com sua objetividade racional, assemelhando-se a uma terapeuta, as confissões da soprano são devolvidas com espirituosidade e uma certa dose de despudor pela atriz, em oposição ao momento difícil pelo qual sua vida passava.
A nova adaptação, In Concert, conta com canções compostas por Maíra Freitas e interpretadas pelas atrizes, tanto em duetos como em solos, tanto em óperas como em ritmos convencionais. Surpreende a excelência na execução das músicas, tanto por Ohana quanto por Knust, bem como a qualidade do arranjo e das letras, totalmente em português. A cena em que Callas ensina técnicas vocais para Monroe é um dos (muitos!) pontos altos do espetáculo, momentos em que nos perguntamos quais fatos apontados naquele roteiro realmente ocorreram na vida real.
Dentre os aspectos técnicos, ressaltam-se a captação de som, realizada por meio de microfones de cabeça que valorizam as vozes das atrizes, assim como a iluminação, que variava conforme a intensidade das emoções de cada momento da peça, cujas cenas são divididas por sessões musicais. A última delas é a principal apoteose de Parabéns, Senhor Presidente, fechando-se as cortinas e encerrando-se o espetáculo em grande estilo, combinando aquelas duas figuras tão distintas através de uma de suas poucas paixões em comum: a Arte.