Talvez você também seja um d’Os Maus Patriotas

Imagem do documentário Maus Patriotas. Na foto, o político Jeremy Corbyn e o cineasta Ken Loach, dois homens brancos, estão sentados em um estúdio e dão entrevistas; O homem da esquerda usa uma camisa social azul, uma calça preta e o da direita usa uma blusa marrom com uma jaqueta preta.
Victor Fraga, diretor do documentário, centraliza a narrativa em duas figuras britânicas: Jeremy Corbyn e Ken Loach (Foto: Sesc SP Digital)

Guilherme Machado Leal

Em 2021, o cineasta Victor Fraga cutucou a ferida que marcou o cenário político desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e a prisão de Lula com a obra A Fantástica Fábrica de Golpes. Três anos depois, ele volta em Os Maus Patriotas, presente na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, para falar a respeito da relação dos veículos de comunicação com a esquerda britânica. O documentário, da seção Novos Diretores, utiliza duas figuras centrais para a história do Reino Unido: o diretor Ken Loach e Jeremy Corbyn, ex-líder do Partido Trabalhista. 

Os estudiosos são dois dos nomes que representam a luta dos ideais da esquerda no país europeu. Para falar com propriedade a respeito da repressão causada pela direita e pelas mídias tradicionais, a exemplo do The Guardian e do Daily Mail, o britânico-brasileiro escolhe centralizar a discussão no diretor e no parlamentar, a fim de mostrar como os lados políticos antagônicos possuem privilégios diferentes no que se relaciona ao comando da Inglaterra. Acusados de antissemitismo e de serem ‘‘comunistas’’ desenfreados, os homens examinam como se deram as articulações que permitiram a hegemônia do conservadorismo. Corbyn, no entanto, em conversa com a revista Opera, afirmou que não considera ter sido chamado de antissemita. 

Com o uso de elementos não tão usuais em obras documentais, como uma narração exagerada que chega a ‘vilanizar’ os seus protagonistas, o diretor perde a seriedade da conversa ao tratar de maneira ficcional os acontecimentos. O artifício serve como uma reprodução de discursos baseados em falácias por aqueles que são contra a esquerda e contrastam com os momentos de explicações dos dois convidados. A partir da análise dos fatos mencionados na obra, o espectador pode conhecer mais a fundo algumas particularidades do sistema administrativo do país.

Imagem do documentário Os Maus Patriotas. Na foto, aparece o cineasta Ken Loach na realização de um longa do diretor. Além dele, há alguns membros da produção do filme. A foto possui uma cor vermelha, utilizada pelo diretor Victor Fraga em certos momentos do documentário.
Entre a realidade e a ficção, Victor Fraga expõe as contradições dos veículos britânicos de comunicação (Foto: Sesc SP Digital)

No entanto, ao lado dos depoimentos de Loach e Corbyn, que são especialistas e casos vivos do julgamento da mídia por suas escolhas políticas, os recursos estilísticos do cineasta são sobrepostos ao assunto principal: como os veículos de comunicação passam a falsa impressão de que o país vive uma democracia de ideias. No momento em que aposta nas duas figuras que combatem a desinformação, Fraga abre margem para discutir questões vistas no mundo digital, como o ‘cancelamento’ de personalidades.

Durante os seus 71 minutos, Os Maus Patriotas faz um recorte de como a sociedade britânica possui inconsistências contraditórias nas mídias tradicionais. Em certo ponto, os convidados da obra reconhecem a falsa progressão dos jornais do Reino Unido, que, embora sejam mais abertos a questões de gênero, quando se trata de questões políticas, a abordagem é muito mais partidária. Assim, ao focalizar as lentes de sua história em dois nomes da esquerda, o diretor dá voz àqueles que foram silenciados injustamente – ou que, ao menos no documentário, tiveram chances de se defender.

O título, na verdade, é uma ironia à maneira como Ken Loach e Jeremy Corbyn são vistos pela sociedade britânica. Ao longo do documentário, fica claro que os dois líderes são competentes em mostrar os contrastes que formam a base da estrutura político-social europeia. Ainda que tivesse um debate mais expressivo caso optasse por aprofundar mais a conversa, o cineasta brasileiro dá um pontapé na forma como as mídias de comunicação têm poder sobre os seus leitores. Se ser um ‘mau patriota’ é questionar tudo aquilo que nos é disseminado, então, aqueles que cutucam a ferida, examinam e dão soluções são, na verdade, os verdadeiros adoradores da pátria.

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