O Quarto de Jack: Há um mundo atrás da parede

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Gabriel Fioravante

Dois mundos e dois personagens. Assim somos apresentados, logo de início, ao filme “O Quarto de Jack”, produção de 2015, dirigida por Lenny Abrahamson. Há metáforas e diversos assuntos que muitas vezes, passam despercebidos pelo espectador, pois as atuações, o enredo simples na estrutura, mas profundo na temática, envolvem de forma a criar um vínculo empático com os personagens.

O filme conta a história de  Joy e Jack, mãe e filho respectivamente, que estão isolados dentro de um quarto e a única pessoa com quem possuem contato é o Velho Nick, que os mantém em cativeiro há muito tempo. Joy tenta, de diversas formas, manter um ambiente confortável para seu filho, porém quando a situação se torna insustentável, ela elabora um plano para tirá-los de lá. Nos primeiros momentos de exibição de “O Quarto de Jack” é notável certa delicadeza narrativa mesmo com um contexto um tanto quanto diverso. Já na segunda parte, na qual existe expectativa de realizações e aspectos mais positivos, a trama é retratada com certa angústia. Assim, é possível perceber os rumos do filme. Abrahamson cria essa atmosfera justamente para manter a ideia inicial de mundos diferentes e suas ligações com os personagens, Joy e Jack. O aspecto sentimental é explorado a partir de uma noção interioridade e exterioridade. Assim os dois mundos, dentro e fora do Quarto, seriam prisões diferentes.

A prisão inicial é essencialmente física e imposta, enquanto a da segunda parte do filme é mais voltada ao psicológico, à reação dos personagens diante do fato de estarem inseridos na sociedade novamente. Tudo isso efetuado em imagens magistralmente captadas por Abrahamson. Sua câmera, sempre em movimento, dá uma sensação de urgência, principalmente na parte inicial do filme. Em um segundo momento o diretor opta por um estilo mais convencional ao drama americano com cortes rápidos e câmera estática. Chamam atenção os planos utilizados no Quarto, sempre procurando passar a sensação de aflição dos personagens. Porém, é com leveza e delicadeza que se fecha o primeiro ato, muito devido à narrativa, procurando opor os sentimentos do jovem Jack à angústia de permanecer preso.

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O trabalho com questões como sequestro, isolamento, infância, maternidade e relação familiar exige do diretor maneiras de extrair dos atores boas atuações que reflitam a narrativa e os temas abordados. O diretor filma em closeup a relação entre Jack e Joy, construindo uma relação afetiva entre eles que permeia durante toda a projeção. Os laços são intensificados pelas atuações de Brie Larson (Joy) e Jacob Tremblay (Jack) que roubam a cena e conseguem trazer humanidade e veracidade aos personagens. Larson constrói uma personagem forte que teve sua juventude desestruturada e agora precisar exercer o papel de mãe, lidando com um filho que nunca teve contato com a sociedade. Jack, por sua vez, é um menino que tem contato com um mundo muito restrito, efeito do Quarto, e que crê que apenas o que ele consegue ver é real – para ele, imagens da televisão, por exemplo, são falsas e muitas coisas que nunca viu também são – e desenvolve uma ligação com os objetos que estão ao seu redor, chegando até a cumprimentá-los. O filme aborda Jack como uma criança com características que remetem a sua idade.

Tal como fizera Julian Schnabel em seu “O Escafandro e a Borboleta” (Le scaphandre et le papillon, 2007), Abrahamson utiliza o recurso de narrar do ponto de vista do menino Jack. O filme francês traz uma perspectiva de um homem saiu de um estado de coma e sofre de uma severa paralisia. Schnabel nos coloca na perspectiva do personagem com efeitos de câmera. Aqui, porém, de uma forma mais sucinta, Abrahamson faz algo similar, sendo muitas vezes a câmera como “os olhos” de Jack. São vários closes e por vezes, conseguimos ouvir sons de respiração, mas o que mais chama a atenção é contemplamento de Jack com relação ao mundo ao seu redor, representado em imagens e através de uma voice over incrivelmente bem colocada.

A maior falha do filme, no entanto, é o seu roteiro, adaptado pela mesma escritora do livro original, Emma Donoghue. Ele é simples, com poucos detalhes, mas erra na resolução do primeiro ato, pouco plausível e um tanto quanto questionável. Donoghue não trabalha com surpresas, mas procura dar um enfoque nos personagens, que são o motor da narrativa.

“O Quarto de Jack” é simples, aborda assuntos interessantes e tem atuações fantásticas. Perde força no segundo e terceiro ato, mas mantém um bom nível graças à Brie Larson e Jacob Tremblay. No fim, o filme é mais sobre Jack e Joy. É sobre o apego que temos ao nosso mundo e as nossas dificuldades de mudança. É sobre o quarto de Jack. Ou por assim dizer, o mundo de Jack.

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