Camila Ranzzi
A proibição da produção e consumo de álcool, somado ao aumento do crime organizado, foram aspectos relevantes para a criação do ambiente da obra literária O Grande Gatsby, no contexto histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), escrito por F. Scott Fitzgerald. O autor é considerado um dos maiores expoentes da literatura americana do século XX, e seus trabalhos revelam o estado de espírito da época da chamada “geração perdida”, sendo inclusive o ídolo da juventude insatisfeita com o seu tempo.
Atualmente, há duas obras literárias suas conhecidas popularmente por adaptações cinematográficas que são O Grande Gatsby, regravado recentemente no ano de 2013 (já havia sido filmado nos anos 70 fielmente igual ao livro, inclusive, sendo um longa de aproximadamente três horas de duração), e O Curioso Caso de Benjamin Button (2008). As duas foram bem aceitas pelo público.
A obra pertence ao gênero de romance trágico e foi publicada pela primeira vez em 10 de abril de 1925, contendo apenas 218 páginas. O Grande Gatsby só obteve maior destaque na sua segunda publicação em 1945 e, nos dias de hoje, a obra é tão marcante que é estudada em escolas superiores e universidades.
O contexto histórico é marcado pelos embalos do ritmo frenético do jazz e pela inacessibilidade ao sonho americano, além de outros aspectos que também devem ser considerados ao analisar a obra, tais como: no início dos anos 1920, há o destaque da mulher já no espaço público, fumando, dançando, sempre em movimento, evidenciando a ideia de maior independência e atividade. O autor nos revela, todavia, a sutileza dessa sociedade, que pode dar a impressão de grande mobilidade, de franco relaxamento dos costumes e de novos comportamentos, mas configura-se praticamente a mesma, com sutis modificações.
A narrativa de O Grande Gatsby destaca que o lugar de cada um permanece o mesmo. Afinal, ainda se trata de uma sociedade em que os herdeiros têm lugar garantido e os recém-enriquecidos devem provar, a todo momento, seu direito de pertencimento.
Então, o mundo febril da “geração perdida”, o materialismo, e a violência nas metrópoles do leste norte-americana são marcantes. O protagonista da história é Jay Gatsby que é cercado de um mistério sobre sua posição social privilegiada, pois mantem uma curiosa distância de tudo que possui e exibe, sendo, portanto, sóbrio e isolado das suas famosas festas que, tão generoso, proporciona para a alta classe da cidade de Nova York.
A história é passa-se na cidade de Long Island e na cidade de Nova York. O livro começa com o narrador personagem, Nick Carraway, dizendo:
“Em meus anos mais juvenis e vulneráveis, meu pai me deu um conselho que jamais esqueci:
– Sempre que você tiver vontade de criticar alguém – disse-me ele – lembre-se de que criatura alguma neste mundo teve as vantagens que você desfrutou. (…)” .
Dando início uma crítica à aristocracia da época, embora o trecho ainda possa ser usado atualmente em diferentes contextos. Logo, Nick torna-se vizinho de Gatsby, pois o narrador-personagem vai para Nova York trabalhar como corretor de títulos em Wall Street. Antes disso, Nick visita Tom Buchanan, e sua mulher Daisy – que é prima de Nick e mora, junto ao marido, numa grande residência num bairro sofisticado, próximo ao de Nick – e conhece também a golfista Jordan Baker, todos constituintes da aristocracia tradicional.
O romance é motivado na paixão de Gatsby por Daisy nos anos anteriores à guerra. Gatsby pretende se aproximar do seu vizinho Nick com o intuito de reencontrar a amada, que nunca foi esquecida. Após atingir sua meta financeira, tudo – local da construção da sua residência, o estilo arquitetônico, as festas, cada aspecto mínimo – foi sempre motivado e dedicado à Daisy, e, por isso seu reencontro é parte essencial da história.
O livro de F. Scott Fitzgerald é o livro de Nick, mas de acordo com a quantidade de fragmentos biográficos podemos perceber que Nick não é Fitzgerald. Nick Carraway é um personagem que apresenta habilidades literárias restritas, então, quando Nick tenta descrever Gatsby, o leitor pode o conhecer também. Na obra, o personagem principal certamente é engrandecido e ofuscado de acordo com o que Nick escreve, pois o autor interpreta Gatsby e amplifica segundo seu ponto de vista.
O tema principal, como em outros livros de Fitzgerald, é o dinheiro. Embora Fitzgerald, assim como Nick Carraway no seu romance, idolatre os ricos e o glamour da época, ele não se conformava com o materialismo sem limites e a falta de moral. No entanto, o romantismo obsessivo de Gatsby com relação a Daisy é contrastado ao materialismo do sonho americano, traduzido exclusivamente em riqueza.
A obra literária configura-se na crítica ao sonho americano, segundo o historiador e escritor James Truslow Adams é basicamente que “a vida deveria ser melhor e mais rica e mais completa para todos, com oportunidades para todos baseado em suas habilidades ou conquistas”. F. Scott Fitzgerld explicita em suas obras que o sonho americano não é um indicador de aspiração, mas um questão de privação. Como, na obra, Gatsby acredita que o seu futuro é uma questão de passado mal resolvida com Daisy e pode ser alterado uma vez que possa reconquistá-la.
A construção dos personagens da narrativa principalmente Daisy, Tom e Gatsby é demorada, são profundos, isto é, complexos demais para limitar à uma visão maniqueísta sugerindo apenas que um personagem é bom ou não. Não é possível restringir a índole de cada personagem em apenas duas opções. Com Jay Gatsby é necessário acompanhar a narrativa desde o momento em que é apresentado, até o praticamente fim para o leitor entender todos seus objetivos e índoles.
No começo da narrativa não é possível afirmar se existem em contato com Gatsby vias ilegais de ganhar dinheiro sendo, portanto, um fora da lei ou se tem vias legais de dinheiro. Fazendo, então, um questionamento de: até onde vale ir para se conquistar o sonho americano? Por outro lado, Tom Buchanan, marido de Daisy, pertence à uma família historicamente rica. Porém, Tom trai a esposa, o que de acordo com a sociedade da época não era grande problema, já ele não era um fora da lei, não era considerado uma pessoa repugnante e não fugia da polícia. Ele apenas traía a esposa com a esposa de George Wilson, o dono da oficina mecânica.
Por outro lado, Jay Gatsby faria tudo que estivesse ao seu alcance e fora dele para reconquistar Daisy, não houve um dia que ele não sentisse falta dela, e, portanto, jamais a deixaria infeliz, fazendo jus ao personagem em destaque de uma obra romântica. Todavia, como seu dinheiro não era vindo de forma honesta, Gatsby era considerado imoral. Nick, após tornar-se amigo do intocável Gatsby, destaca em uma fala na obra sua crítica à pessoas como Tom Buchnan:
“É uma gente ordinária. (…) Você vale muito mais do que todos eles juntos. (…)“
Demonstrando o grande valor imaterial que Gatsby tem, muito mais que dinheiro. A crítica refere-se não apenas ao Tom, mas às pessoas da América, que constituem uma sociedade imoral, assim como Tom, em que o único âmbito correto é a forma de ganhar dinheiro, pois suas atitudes denunciam uma pessoa que não merece respeito e admiração alguma e mesmo assim permanecem com uma boa imagem perante a sociedade.
É irônico como uma crítica ao sonho americano fez tanto sucesso em vendas. De acordo com T. Adorno e M. Horkheimer a indústria cultural visa o prazer, e o entretenimento. Logo, tornando a crítica ao sonho americano um produto cultural, o produto deixa-a de lado, pois torna-se um instrumento de dominação, alienando ainda mais a sociedade segundo uma visão apocalíptica.
Na obra também, há outros exemplos de momentos em que Tom repulsa e nega a ideia que ele poderia ser considerado uma pessoa sem carácter. Mesmo tendo atitudes imorais, o personagem ignora a possibilidade. Quando a Sra. Wilson critica Tom, citando o nome de Daisy, e Tom acaba, logo, batendo na Sra. Wilson, tornando-se cada vez menos digno de qualquer respeito.
“(…) Ali pela meia-noite, Tom Buchanan e a Sra. Wilson achavam-se frente a frente, a discutir acaloradamente, em altas vozes, se a Sra. Wilson tinha o direito de referir-se ao nome de Daisy.
– Daisy, Daisy, Daisy! – gritou a Sra. Wilson. Digo-o quantas vezes quiser! Daisy! Dai..
Num gesto rápido, ágil, Tom Buchanan partiu-lhe o nariz com uma bofetada.
Surgiram, então, toalhas ensanguentadas pelo chão do banheiro, vozes de mulheres a proferir recriminações (…).”
É inegável que a sociedade da época é marcada pelo materialismo, como em trechos do livro nos quais Sra. Wilson acredita que as roupas, compradas pelo Tom Buchanan, podem esconder sua realidade que é o seu casamento com o dono de uma oficina e sua rotina simples. Suas demonstrações de refinamento se baseiam em quanto mais caro a peça de roupa é proporcional à preocupação em mostrar-se à altura deles como explicita o trecho da obra:
“A Sra. Wilson havia trocado a roupa um pouco antes e envergava agora um elaborado vestido de tarde, creme em gaze de seda (…). Com a influência do vestido, sua personalidade também sofrera uma mudança. (…) Seu riso, seus gestos, suas declarações se tornavam mais violentamente afetados a cada momento (…)”
E, diferentemente de outras obras românticas, Gatbsy não aceita propostas de refúgio da sociedade como são apresentadas em outras obras clássicas como Romeu e Julieta de William Shakespeare entre outras pois, segundo seu ponto de vista fugir não seria digno na sociedade. O personagem principal almeja ser bem visto na alta classe nova iorquina ao lado de Daisy.
Em suma, a obra O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald é um marco literário e uma crítica ao sonho americano. A obra, bem sucedida até hoje, é marcada pela denúncia de aspectos negativos da sociedade ainda presentes, como o materialismo e consumismo desenfreado. A história proporciona um romance diferente ao público, um romance trágico que atrai o leitor com personagens complexos como Gatsby e Daisy. Ao final, o livro toma um rumo inesperado causando surpresa ao leitor, logo, não agrada a todos.
*Texto realizado por Camila Ranzzi para a disciplina de Filosofia, da graduação em Relações Públicas da UNESP.