Guilherme Moraes
Após três anos do lançamento de Annette, Leos Carax volta com Não Sou Eu, um curta-metragem de 45 minutos presente na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção de Apresentação Especial. O filme não apenas homenageia, como também encarna o espírito do lendário Jean-Luc Godard, com seus ensaios sobre a velocidade do mundo atual e a exploração da linguagem cinematográfica.
“Cada vez mais encontramos um mundo mais veloz”. Essa citação do longa sintetiza toda a obra. Leos Carax faz um filme-ensaio em que pensa na quantidade de informação que precisamos absorver em um menor tempo possível. “Piscamos 28 mil vezes ao dia”, essa é uma frase utilizada para revelar que até mesmo esses milissegundos nos tiram muitas informações necessárias para a realidade atual. Ao mesmo tempo, o cineasta enfatiza que o ato de não piscar não é uma possibilidade, pois nossa retina precisa ser lubrificada para não ficarmos cegos. Dessa forma, o francês mostra como a velocidade atual do mundo é contraditória com o próprio ser humano.
Onde entra Godard nisso? Em tudo e em toda sua forma de pensar cinematograficamente. O experimentalismo, a escolha das imagens, a velocidade dos recortes e a utilização do voz over; tudo leva à ele. A maneira de expressar suas ideias de forma poética e a voz profunda e pausada do narrador, lembra bastante Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela (1967) e Je Vous Salue Saravejo (1993), que são obras experimentais e ensaístas do diretor.
A montagem muito rápida, remete a velocidade do mundo e que, simultaneamente, lembra bastante os jump cuts típicos de Acossado (1960). Cada vez que muda de plano ou de cena, parece uma mudança de reels ou um novo vídeo no TikTok (ambos utilizam muito a técnica do jump cut), com uma nova estética e temática, ao mesmo tempo que muda em um ‘piscar de olhos’. Assim como essas experiências nas redes sociais, quase não nos lembramos de nada ao terminar o filme. Sejam as imagens ou as frases.
Existe até uma certa crítica velada sobre a velocidade das obras atuais, que são frutos desse tempo. Filmes como Oppenheimer (2023) e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2023) são estimulantes até demais, com uma montagem extremamente rápida que torna a experiência atordoante e hipnótica. O curta-metragem utiliza da mesma velocidade para se autocriticar, junto desse mundo e desse Cinema. Nesse sentido, ele passa a valorizar alguns filmes antigos que se permitiam olhar para o universo criado com um certo esplendor.
Assim como Matrix Resurrections (2022), Não Sou Eu é suicida, no sentido de que não busca ser qualificada e, sim, levar a reflexão sobre algo maior no mundo e na indústria cinematográfica, e, faz isso ao duvidar da sua própria qualidade. No entanto, tal qual a obra de Lana Wachowski, o curta de Leos Carax beira a excelência pela sua capacidade de interpretar o mundo e a si mesmo, além da maneira como referencia Godard com o intuito de gerar algum impacto. Dentro de um Cinema contemporâneo cínico e, por vezes, autodepreciativo, Não Sou Eu sabe o seu lugar e faz valer os 45 minutos.