O console mais vendido da Sega completa três décadas de existência, e carrega consigo um extenso legado para o mercado de games, sendo conhecido pela sua incansável batalha contra a poderosa Nintendo, além da estreia do carro chefe da companhia: Sonic the Hedgehog. Veja um pouco de sua história.
Marcos Vinícius Miranda
No dia 29 de outubro de 1988, um dia como qualquer outro, um comercial excêntrico começou a ser veiculado pelas televisões japonesas. Um moço um tanto esquisito, flutuando pelo espaço, anunciava uma nova maneira de jogar videogame com um som dissonante ao fundo. Logo em seguida o suspense era quebrado: “Sega Mega Drive! 16 bits!”. Era o começo da jornada de um console que mudaria por completo a forma como os videogames seriam vistos pelo público.
Seu desenvolvimento foi fruto de anos de pesquisa da fabricante Sega Enterprises, que já possuía experiências anteriores com outros consoles, ainda que não tenham sido bem-sucedidas. O console anterior, Master System, de gráficos 8-bits, obteve vendas apenas modestas na Europa (e posteriormente no Brasil), e foi um fracasso de vendas nos Estados Unidos e no Japão, onde competia com a gigante Nintendo e seu NES.
Entretanto, seu departamento de fliperamas era o mais poderoso do mundo, sendo a Sega responsável por alguns dos mais marcantes da década de 80, como Zaxxon, Outrun, Space Harrier e Hang-On. Como era costume na época, a Sega desenvolvia seus próprios computadores, com o único intuito de rodar tais jogos. Fora neste momento que a semente do Mega Drive havia sido plantada.
O console é uma adaptação de um destes computadores, chamado de “System-16”, um fliperama 16 bits que já estava no mercado desde 1985 com alguns jogos de sucesso como Shinobi e Golden Axe (este último acabou se tornando um dos clássicos do Mega Drive posteriormente). Este fliperama foi então refeito para que pudesse ser utilizado em uma televisão comum, sofrendo algumas alterações em sua arquitetura. A capacidade gráfica foi diminuída, entretanto, permaneceu revolucionário diante dos jogos 8-bits que a Nintendo desenvolvia no mesmo período.
Após seu lançamento, porém, um balde de água fria. A grande influência da Nintendo e o fracasso do Master System mantinham a Sega com uma reputação baixa entre os jogadores japoneses. O lançamento de Super Mario Bros 3 uma semana antes do lançamento do Mega Drive de certa forma ofuscou o brilho do novo console, que ficou atrás do Famicom (nome japonês do NES) e de mais um concorrente, o PC-Engine da NEC.
Genesis does what Nintendon’t! A vida do Mega Drive nos Estados Unidos
Apesar do sucesso apenas mediano no Japão, a Sega se manteve confiante no público dos Estados Unidos, seu maior mercado. Por lá o console é conhecido como Genesis, uma vez que já havia sido patenteado anteriormente por outra empresa um eletrônico de nome Mega Drive. Se no Japão o console não empolgou, nos Estados Unidos o Genesis se tornou um dos videogames mais marcantes. Isto foi graças a uma campanha agressiva contra a sua maior concorrente, Nintendo, que ainda contava com um console 8-bits.
O Sega Genesis foi vendido com uma alternativa madura, livre de qualquer censura ou limitação, críticas frequente aos jogos da Nintendo deste período. Foram feito investimentos gigantescos buscando cativar um público alvo mais adulto, com uma forte presença de jogos de esporte, como Super Monaco GP e Sega Soccer. Para atrair este público, muitos dos jogos possuíam participações especiais de grandes atletas da época. Pat Riley, Joe Montana, Joe “Buster” Douglas e até mesmo Ayrton Senna foram alguns dos esportistas que ajudaram o Genesis ser conhecido como “O console dos esportes” nos Estados Unidos. Tudo isso acompanhado de uma frase agressiva e irreverente: “Genesis does what Nintendon’t” (Genesis faz o que a Nintendo não faz).
1991 é um ano marcado por grandes mudanças no mercado de games mundial. Neste ano, duas novidades são lançadas nos EUA. A Nintendo finalmente lança o Super Nintendo, console 16-bits em resposta ao Genesis. A Sega, entretanto, já possuía uma resposta à altura: um ouriço azul, rápido, de personalidade forte.
Sonic the Hedgehog, lançado em junho, rapidamente se tornou o carro-chefe do console e mascote da Sega. Logo após seu lançamento, o console se tornou isoladamente o líder de vendas nos Estados Unidos. A figura do Sonic se tornou onipresente entre os jovens americanos, seja em diversos jogos, merchans, grandes eventos ou desenhos animados. Pela primeira vez, o público havia uma opção ao Super Mario, rotulado pela Sega como velho e chato. A lua de mel, entretanto, não duraria muito tempo.
Mortal Kombat e Night Trap: a controvérsia
Ao pressionar os botões ABACABB, exatamente nesta ordem, você era recebido com a frase “NOW ENTERING KOMBAT…”. Em 1992, o estúdio norte-americano Midway lançava a adaptação de seu sucesso dos fliperamas para os consoles: Mortal Kombat. O jogo de luta, controverso para a época, não economizava esforços em representar violência explícita. Ao ser adaptado para os consoles da época, houve limitações. A Nintendo exigiu que quaisquer sangue e mutilações fossem removidos por completo do jogo. A Sega, entretanto, permitiu que estes fossem acessíveis com um simples código. Esta atitude, de acordo com a política de “jogos mais maduros, sem censuras ou limitações”, fez com que sua versão do jogo se tornasse um sucesso absoluto, tornando Mortal Kombat sinônimo de Genesis (da mesma forma que Street Fighter 2 havia se tornado sinônimo de Super Nintendo um ano antes). Entretanto, surgiu uma oportunidade da Nintendo se livrar de sua concorrente utilizando a própria política da Sega contra eles mesmos.
Em 1993, a polêmica de Mortal Kombat chegou ao congresso norte-americano, onde se discutia a influência de jogos violentos entre o público mais jovem. Os congressistas norte-americanos viam mais um jogo, Night Trap, como o auge da imoralidade nos videogames. Em Night Trap você controla um vigilante, protegendo um grupo de jovens garotas contra um bando de ladrões que invadem a casa onde elas se encontram. O jogo de teor adulto (algumas cenas do jogo envolvem criminosos capturando uma moça somente de camisola) causou enorme furor e apenas trouxe mais controvérsia para a Sega. A Nintendo chegou a testemunhar contra a rival, afirmando no congresso que “nunca permitiria que jogos impróprios fossem publicados em seus consoles da forma como a Sega faz”.
Se por um lado a Sega foi confrontada pelo excesso de jogos adultos, por outro, a experiência contribuiu para o mercado de games em geral. Após este breve desentendimento com o governo americano, foi criada por sugestão da própria Sega a Entertainment Software Rating Board (ESRB), órgão responsável por definir a classificação indicativa de todo e qualquer jogo lançado em território norte-americano que existe até hoje. Desta forma, tanto a Sega quanto sua concorrente podiam lançar jogos violentos sem culpa, contanto que estivessem devidamente rotulados como tal. Entretanto, a reputação do Genesis havia sido manchada permanentemente, e a Nintendo utilizaria esse fator para retomar a liderança do mercado.
A queda do Mega Drive e seu legado
Em 1994, a Sega perdeu em definitivo a liderança no mercado de consoles. A queda de vendas do Genesis se deu pelos grandes investimentos da Nintendo em jogos de qualidade, além do anúncio de Sega Saturn, previsto para 1995. Esta última decisão fez com que os desenvolvedores cancelassem grande maioria dos jogos previstos para o Genesis nos próximos anos para que pudessem se preparar para o novo console, que seria 32-bits e com gráficos 3D. Sem concorrentes à vista, o Super Nintendo preencheu a lacuna vazia no mercado 16-bits e se sagrou vitorioso no duelo contra a Sega. Nos Estados Unidos, o Genesis foi finalmente retirado das prateleiras em 1999. No Japão, o Mega Drive foi aposentado em 1997.
A dominância recém-recuperada da Big N não durou muito tempo. Em 1994, a Sony, com pouca experiência em videogames, lançou o PlayStation. Isto se mostraria crucial tanto para a Nintendo quando para a Sega, que seriam afetadas diretamente pelo sucesso inesperado da Sony no ramo dos games.
Ao fim de sua vida útil, o Genesis vendeu nos Estados Unidos 20 milhões de unidades, um grande sucesso comparado às vendas do Mega Drive do Japão, onde vendeu apenas 3,5 milhões de unidades. Dentre os jogos mais marcantes estão Sonic The Hedgehog, Castle of Illusion, Mortal Kombat, Streets of Rage, Altered Beast, Revenge of Shinobi, Gunstar Heroes e Ristar, the Shooting Star. No Mega Drive foram lançadas as primeiras versões de dois jogos esportivos de grande fama da atualidade: John Madden Football (conhecido hoje como Madden NFL) e FIFA International Soccer (conhecido hoje somente como FIFA), assim como as primeiras versões de Strider, Rocket Knight Adventures, Puyo Puyo e Syndicate.
O Mega Drive possuiu diversos periféricos durante sua vida útil, que permitiam ao console extrapolar seus próprios limites. Os mais conhecidos foram:
Sega CD: Como o nome já diz, este periférico era uma extensão do Mega Drive que permitia a reprodução de jogos via CD-Roms, novidade na época. Acessório caro e pouco prático, obteve vendas medianas. Seus maiores sucessos foram Sonic CD (considerado o melhor jogo deste periférico) e o polêmico Night Trap.
Sega 32X: Este periférico adicionava um processador 32-bits, permitindo jogos com maior capacidade gráfica. Fora lançado quando o Mega Drive já caía em desuso pela presença do Sega Saturn e do Playstation, portanto foi um grande fracasso. Dos pouquíssimos jogos lançados, os mais bem-sucedidos foram Knuckles Chaotix e Star Wars Arcade.
Sega Channel: Um inédito serviço online de distribuição de jogos. Por meio de um serviço de assinatura era possível baixar jogos inteiros, obter demos ou códigos secretos, através de uma tecnologia vinculada à TV a cabo. Foi o primeiro serviço do tipo, antes da existência de serviços como Playstation Network e Xbox Live.
O surgimento do Mega Drive foi de grande impacto no mundo dos games. A estratégia agressiva da Sega contra sua maior concorrente fora uma atitude inédita no mercado de videogames, e a resposta da Nintendo com um console à altura deu origem à chamada “Primeira Guerra dos Consoles”, onde Super Nintendo e Mega Drive lutavam mundo afora em busca da liderança. A política liberal da Sega seria também adotada pela Sony, que no Playstation permitiu que jogos violentos como Resident Evil, Carmageddon e Grand Theft Auto se tornassem sucessos de vendas. Esta linha de pensamento é o padrão dos dias de hoje, uma vez que a presença da classificação indicativa joga a responsabilidade do conteúdo para o estúdio, não mais para a fabricante do console.
O surgimento de Sonic também mudou o pensamento dos estúdios de games, que passaram a defender que para alcançar sucesso o estúdio deveria ter seu próprio mascote. Bubsy the Bobcat, Aero the Acrobat, Sparkster e Awesome Possum são alguns dos diversos jogos que tentaram sem sucesso imitar os passos do ouriço azul durante toda a década de 90. Porém, não foi uma tarefa impossível. Conseguiram até mesmo superá-lo, como pode ser visto em Donkey Kong Country, da Nintendo, e em Crash Bandicoot, da Sony. Com o fim da era 16-bit esta linha de pensamento se foi, entretanto, permanece forte a lembrança entre os jogadores que presenciaram esta época.
O Mega Drive também foi pioneiro por ser um dos primeiros consoles a possuir interatividade online. Isto foi possível graças não somente ao Sega Channel, citado anteriormente, mas também com serviços locais como o Meganet e o XBAND. Estes dois periféricos foram distribuídos no Brasil, em uma época que a internet estava disponível apenas em grandes universidades e o computador era um artigo de luxo.
O Mega Drive no Brasil
Para escrever sobre o Mega Drive no Brasil, é necessário falar um pouco sobre a empresa responsável pela sua fabricação e distribuição em terras tupiniquins. A Tectoy, fundada em 1987, começou como uma importadora de brinquedos eletrônicos, área pouco explorada no Brasil dos anos 80, arrasado pela inflação e pelas dividas externas. Brinquedos como “Pense Bem” e “Zillion” garantiam lucros à empresa que, logo após sua fundação, garantiu direitos exclusivos sobre os produtos Sega no Brasil. Com o contrato de exclusividade em mãos e uma massiva campanha de marketing, a Tectoy lançou simultaneamente em 1990 o Mega Drive e seu antecessor de 8-bits, Master System.
Ambos os consoles se tornaram um sucesso imediato. Substituíram quase de imediato o antigo Atari 2600 como o sonho de consumo das crianças brasileiras. O Master System, console 8-bits, era a opção mais barata e acessível ao público menos endinheirado, com o Mega Drive sendo considerado de início um artigo mais luxuoso.
Com a dominância da era 16-bits ao redor do mundo, o Brasil não ficou para trás. Conforme os anos passavam, o Mega Drive se tornava o padrão entre os fãs da Sega. Isto foi possível devido ao suporte da Tectoy aos consoles Sega e também devido à notória ausência da Nintendo no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, a Tectoy manteve uma fábrica na Zona Franca de Manaus, diminuindo a dependência de produtos importados e barateando o Mega Drive ainda mais. Mesmo que a Big N tenha firmado parceria com a Gradiente em 1993, o mercado já estava dominado pela dupla Sega/Tectoy.
O sucesso absoluto firmou a Tectoy como líder de vendas no mercado brasileiro de videogames. Entretanto, o rápido crescimento da empresa a mergulhou em dívidas. Em 1997, eka pediu concordata e quase entrou em falência. Mesmo com todas as dificuldades, manteve-se a parceria com a Sega, enquanto o Mega Drive permanecia firme e forte entre os produtos oferecidos pela Tectoy.
Com o passar dos anos, o console naturalmente se tornou obsoleto. O Mega Drive passou a ser uma opção economicamente viável para pessoas de baixa renda, além de uma fonte de nostalgia para muitos que jogaram seus jogos durante a infância. Diversas versões com jogos na memória foram lançados desde então, tendo recepções variadas entre o público.
O Mega Drive continua sendo vendido até hoje. Em 2017, para comemorar os 30 anos da fundação da empresa (que atualmente deixou o ramo de brinquedos e passou a fabricar eletroeletrônicos), a Tectoy relançou o Mega Drive em seu formato original. Esta versão possui entrada para cartão SD, para que qualquer jogo de Mega Drive seja jogável neste console, além de 20 jogos na memória. Este relançamento marcou o retorno da entrada de cartuchos, o que permite que jogos originais da época de ouro do Mega Drive possam ser jogados novamente.
Neste ano, para comemorar os 30 anos do console, a Sega anunciou o lançamento do Mega Drive Mini, uma versão em miniatura com jogos HD. Também foi anunciado o relançamento de alguns dos jogos mais famosos do Mega Drive no Nintendo Switch, fenômeno de vendas da atualidade que pertence à antiga concorrente da Sega. Alguns jogos do Mega Drive já foram lançados para plataformas mobile, como no Android e iOS, e para computadores, pela plataforma Steam.
Das propagandas aos jogos, dos acessórios às controvérsias, o Mega Drive deixou sua marca no mundo dos games e permanece um console querido por muitos até hoje. Parabéns, Mega Drive, pelos seus 30 anos.