Rafaela Thimoteo e Olívia Ambrozini
O BTS é, sem dúvidas, um dos grupos mais famosos da atualidade, porém não atingiu o sucesso repentinamente e muito menos é um fenômeno passageiro. Composto por RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, V e Jungkook, o Bangtan Sonyeondan (ou 방탄소년단) surgiu em junho de 2013, portanto, neste ano, completaram sete anos de carreira. Este é apenas um dos motivos pelo qual o álbum em questão tem o número 7 no nome.
Há sete anos, os membros do BTS estão juntos e participando ativamente da composição das melodias, letras e produção de todos os seus álbuns e mixtapes sob a gravadora Big Hit Entertainment. A empresa, que antes não tinha grande influência na indústria musical, se tornou uma das mais lucrativas da Coréia do Sul, abrindo inclusive sua oferta pública inicial (IPO) na bolsa de valores neste ano.
Portanto, Map of the Soul: 7, lançado em 21 de fevereiro, foi criado como uma forma do grupo de K-pop contar a sua trajetória ao longo desse tempo. Um dos integrantes, Suga (Min Yoongi) comentou em entrevista para a revista estadunidense Variety: “trabalhamos juntos por sete anos, somos sete. É muito mais do que apenas inspiração, este álbum contém nossas histórias”.
O septeto revisitou algumas das músicas lançadas nos primeiros discos, utilizando e modificando samples para poder mostrar, em 2020, como se sentem em relação ao seu desenvolvimento individual e em conjunto. Além disso, abordaram a relação com a música e a dança, admiração pelos fãs, sucesso, pressão, críticas de haters, e mais.
Ainda na entrevista para a Variety, RM (Kim Namjoon) declarou: “não sabíamos que chegaríamos a esse tipo de posição. Claro, nós sonhamos, queríamos crescer, queríamos ir o mais alto que pudéssemos, mas nunca esperamos esse tipo de energia, esse tipo de reação em todo o mundo”. Este é o quarto álbum do BTS a alcançar o número 1 da Billboard, em menos de dois anos.
Pouco antes do lançamento do álbum, o grupo anunciou o projeto CONNECT, BTS, que desempenhou uma forte influência no conceito de Map of the Soul: 7. A iniciativa global teve como objetivo o incentivo à arte contemporânea, apoiando exibições em Londres (Inglaterra), Buenos Aires (Argentina), Seul (Coreia do Sul), Berlim (Alemanha) e Nova York (EUA).
Esse apoio não foi apenas um patrocínio, mas sim um trabalho coletivo, feito por curadores que ressoam com a filosofia do Bangtan, e contou com o envolvimento direto dos membros do BTS em entrevistas com os artistas. Isso possibilitou uma visibilidade maior para as diversas formas de arte que participaram do projeto. Inclusive, uma delas foi a performance do brasileiro Marcelo Evelin, chamada “A Invenção da Maldade”, a apresentação da série Rituals of Care realizada no Gropius Bau, uma exposição em Berlim.
A conexão entre Map Of The Soul: 7 e o CONNECT, BTS é exatamente essa proximidade com a arte. A proposta do grupo para esse álbum era mostrar a relação dos sete integrantes com a música e a dança, que, afinal, são as principais expressões artísticas que eles utilizam.
Em CONNECT, eles disponibilizaram uma plataforma para que o trabalho de artistas ao redor do mundo tivesse visibilidade. Em seu álbum, falaram sobre como mesmo após toda a fama e sucesso, o maior objetivo deles é continuarem inspirados pela música em sua essência.
O GÊNERO É BTS
Map of the Soul: 7 transita por diversos gêneros musicais ao longo de suas 20 faixas, característica marcante do Bangtan, que possui uma discografia muito diversa, com influências do hip-hop, R&B, EDM, pop e até elementos do pop rock. Em entrevista à Academia de Gravação (Grammy), o septeto disse acreditar que dividir música em gêneros é cada vez menos significativo. “O gênero é BTS. Esse é o gênero que queremos fazer e a música que queremos”, comentaram Jungkook, J-Hope e V.
Cada integrante tem sua canção solo nas quais exploram seu estilo único e histórias pessoais, além de se dividirem em subunidades. Intro: Persona, que abre o álbum, é hip-hop clássico de RM; há também o rap emocionante de Suga em Interlude: Shadow; e a empolgante Outro: Ego, de J-Hope. O trio de rappers se junta em UGH!, na qual criticam quem se esconde no anonimato da internet para destilar sua raiva em outras pessoas.
Os quatro vocalistas também têm seu momento na balada 00:00 (Zero o’clock), que lembra que quando um novo dia se inicia, é também uma chance de recomeçar. Em seus solos, passam pelo pop latino de Filter, interpretada por Jimin, pela mistura de R&B e eletrônico em My Time de Jungkook, o pop rock de Jin em Moon e pelas influências indie cantadas por V em Inner Child. Há ainda as faixas Respect (RM e Suga), Jamais Vu (J-Hope, Jungkook e Jin) e Friends (V e Jimin), que exploram a grande versatilidade e possibilidades do septeto.
O álbum também contou com a participação de artistas como Troye Sivan, que colaborou com a composição da faixa Louder Than Bombs e Ed Sheeran em Make It Right (que depois ganhou uma versão com o cantor Lauv). O grupo ainda trabalhou com Sia em um remix de ON, e Halsey, que canta com eles em Boy With Luv.
Uma das principais canções do álbum que retrata o conflito entre fama e paixão pela arte é Interlude: Shadow. Nela, Suga expressa como os desejos e sonhos de início de carreira (como atingir o sucesso, dinheiro e fama) agora entram em choque com a sombra que ele carrega por conta de tudo isso.
O comeback trailer da música, lançado semanas antes do álbum, explica como é para o músico a dedicação que ele tem pela arte. A oposição entre a luz dos holofotes da fama e as sombras da pressão e falta de privacidade que recebe em consequência disso.
Em Black Swan, o grupo continuou a mostrar a influência que a arte tem em suas vidas e como a falta de inspiração para criar músicas ou parar de dançar seria uma espécie de morte para eles. A faixa é também uma referência direta a peça de balé clássico Lago dos Cisnes e ao filme Cisne Negro.
De maneira geral, as coreografias e performances fazem parte da essência do BTS. Portanto, em Black Swan, além de destacarem a paixão por música, eles focaram na dança contemporânea, inclusive chamando a companhia MN Dance Company para o vídeo da versão orquestral da canção.
Além do contraste entre sombra e luz (fama e arte), o BTS também foi intensamente influenciado pela linha da psicologia analítica de Carl Jung, que já vinha sendo abordada pelo grupo desde o álbum Persona, lançado em 2019 e em algumas faixas do álbum Wings, de 2016. O próprio nome “Map of the Soul” (Mapa da Alma) é uma referência ao livro Jung’s Map of the Soul de Murray Stein, um pesquisador estadunidense da vertente junguiana.
As músicas do BTS abordam os conceitos de sombra, psique, ego e o inconsciente coletivo, focando especialmente na questão da persona versus ego. Assim, os diversos lados da personalidade de cada um são explorados, incluindo o equilíbrio entre a vida privada dos integrantes e a sua imagem como figuras públicas.
RM reflete sobre o tema na música de introdução do álbum, Intro: Persona, na qual ele se questiona “Quem sou eu?” é a pergunta que me fiz toda minha vida/A pergunta que eu, provavelmente, não encontrarei uma resposta […]”. Em vários trechos da canção há perguntas que o artista faz a si mesmo em relação a sua personalidade. Ele parece chegar a uma conclusão e aceitar as suas várias personas.
Além de mergulhar no tema da persona, que é a máscara social diante dos holofotes. ”Desta vez, falamos das sombras reais que temos por dentro e também do grande manifesto que admitimos: todas essas sombras são nossos destinos e vamos seguir em frente”, declara RM.
É possível observar essa determinação de seguir adiante na música ON. A faixa título do MOTS:7 é um manifesto da força e dedicação que o BTS tem pela arte, como fica evidente em suas performances. A sonoridade é bastante energética, com uma forte presença de percussão inspirada nas bandas marciais.
Na letra, é como se eles reconhecessem os obstáculos que surgem com a posição em que estão (ou seja, as sombras do sucesso) e aceitassem qualquer desafio. Afinal, como um dos trechos diz: “Mesmo se eu cair, eu levanto, grito/Porque é isso que sempre fizemos. […] Não podem me parar porque você sabe que eu sou um lutador”.
Outra canção com muita energia é Dionysus, que é um dos destaques do álbum. Além de ter uma coreografia complexa de tirar o fôlego, a música faz referência a mitologia grega, referenciando o deus do vinho. Na letra, BTS faz um jogo de vocabulário e compara a bebida com a arte, pois em coreano as palavras “arte” (예술) e “álcool” (술) são parecidas. A ideia principal da canção é que o grupo está sempre “embriagado em arte”.
De certa forma, também desafiam a percepção limitada que algumas pessoas têm sobre eles e o preconceito por serem ídolos de pop coreano. Isso é notável nos trechos: “Por que importa se sou idol ou artista? Saúde!” e “Sempre que somos mencionados/Em qualquer lugar do mundo, é uma festa de estádios/Nascidos como idols do K-Pop/Reencarnados como artistas”.
Por fim, seguindo a proposta de revisitar alguns de seus trabalhos anteriores, We are Bulletproof: The Eternal é a terceira parte da série de músicas We are Bulletproof, cuja primeira parte foi produzida antes do debut do grupo e a segunda está em seu EP de estreia. Em The Eternal, uma das últimas músicas do álbum, BTS reflete sobre sua trajetória compartilhada com os fãs, chamados de ARMY. A canção ganhou um vídeo especial em comemoração ao aniversário de sete anos e contém várias referências à carreira deles ao longo do tempo.
Enquanto as outras versões de We Are Bulletproof são fortemente influenciadas pelo hip hop, a faixa do MOTS:7 é mais melódica e emotiva. Além disso, a letra evidencia a importância dos ARMYS para o BTS, como nos trechos: “Nós éramos apenas sete, mas nós temos todos vocês agora. Depois de sete invernos e primaveras/Com as pontas dos dedos que seguram um ao outro. Sim, chegamos ao céu”.
Atividades durante a quarentena
Assim como muitos de nós, o BTS teve seus planos para 2020 interrompidos pela pandemia de Covid-19. A turnê Map of the Soul, pela qual estavam se preparando e que deveria ter começado em abril, com shows em mais de 18 cidades pelo mundo, foi cancelada.
Desde então, o septeto continuou nos estúdios, promovendo lançamentos de mixtapes e shows online, como Bang Bang Con: The Live em junho e, em outubro, o Map of the Soul ON:E. Este último contou com a audiência de quase 1 milhão de pessoas (cerca de 993 mil), de 191 países diferentes, que pagaram para assistir a apresentação virtual.
Além disso, eles lançaram um álbum em japonês em julho e, em novembro, o disco intitulado BE, que aborda os sentimentos que estão vivendo durante a quarentena. O novo trabalho conta com o hit Dynamite, que alcançou o primeiro lugar das paradas da Billboard Hot 100 e deu aos artistas sul-coreanos sua primeira indicação ao Grammy, na categoria de Melhor Performance Vocal de Dupla ou Grupo. Após o lançamento de BE, o grupo também está promovendo a nova faixa título, Life Goes On.
No ano anterior, eles já haviam participado da premiação como apresentadores do troféu de Melhor Álbum R&B e o seu disco Love Yourself: Tear havia sido indicado na categoria de Best Recording Package, que avalia apenas o design gráfico e material, não as músicas em si. Já em 2020, eles performaram ao lado de Lil Nas X um remix de Old Town Road. Com o anúncio dos indicados ao Grammy de 2021, BTS torna-se o primeiro grupo de pop coreano a conquistar tal feito.
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— 방탄소년단 (@BTS_twt) November 24, 2020
Map of the Soul: 7 se constrói, assim como o próprio BTS, a partir de diferentes elementos e perspectivas, mas que se integram plenamente, entregando uma obra complexa e profunda. O álbum é uma jornada em diversas formas: dos artistas para dentro de si mesmos, por suas histórias individuais, do grupo como um todo, e do arco que desenvolve entre persona, sombra e ego, culminando na aceitação das suas sombras como parte de você. E também para os fãs, que compartilham esse sentimento com os sete.