Aviso: O texto contém spoilers

Eduardo Dragoneti
Após sua atuação amplamente criticada na série The Idol, da HBO Max, o multiartista Abel Tesfaye (The Weeknd) volta a se arriscar no mundo audiovisual e protagoniza seu primeiro longa-metragem: Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes. Contracenando com nomes de peso como Jenna Ortega e Barry Keoghan, o filme parece buscar redenção para a imagem audiovisual do cantor. No entanto, o que se desenha é um desastre narrativo embalado por trilhas de seu último álbum homônimo.
Logo nos primeiros minutos, a obra estabelece seu foco: o delírio de um músico atormentado por drogas, álcool, insônia e assombrado por fãs obsessivos e memórias distorcidas. A cinematografia intimista, comandada por Chayse Irvin, tenta dar densidade a um roteiro que, embora ambicioso, é desarticulado. Há momentos em que o espectador não sabe se está testemunhando um episódio real, um delírio ou apenas uma alegoria sem amarras. A pergunta que ecoa durante todo o longa – “Ele passou por tudo aquilo ou não passou por nada?” – infelizmente nunca encontra resposta.

O longa gira em torno das letras do álbum Hurry Up Tomorrow, transformando cada cena em um videoclipe autorreferente. Apesar de visualmente estiloso, com enquadramentos experimentais que são marca registrada do diretor Trey Edward Shults, a produção falha ao tentar construir uma narrativa sólida: são muitas ideias jogadas, simbolismos rasos e conexões forçadas. O resultado é uma experiência arrastada, pretensiosa e, por vezes, involuntariamente cômica, como nas cenas em que The Weeknd tenta entregar emoção e só consegue despertar desconforto. Se a intenção era mostrar vulnerabilidade, o efeito foi oposto, uma vez que suas expressões vazias comprometem qualquer impacto dramático.
Abel, que além de atuar também fez parte da produção e assinou o roteiro com o diretor e Reza Fahim, parece nunca ter definido com clareza o rumo da narrativa, tampouco o tom ou o estilo da obra. O espectador é lançado de um drama a um suspense, até ser surpreendido por um terror estranho e desconexo, inserido no meio de uma verdadeira disforia audiovisual. A impressão que fica é a de que o cantor tentou experimentar livremente elementos de seu imaginário, mas falhou ao tentar harmonizá-los, comprometendo a experiência de fãs que esperavam ver sua redenção no Cinema.
Quem realmente salva a produção de um colapso completo é Jenna Ortega. Sua atuação como Anima, a jovem misteriosa que invade a vida do protagonista, é intensa e enigmática. Há camadas em sua performance que o texto jamais se dá ao trabalho de explorar. Ela sustenta as poucas cenas que funcionam, mesmo quando sua personagem toma decisões inexplicáveis, como incendiar a casa da própria mãe, sem que o filme se preocupe em oferecer qualquer desenvolvimento psicológico ou justificativa narrativa para essas atitudes. O resultado é mais uma pergunta solta em um mar de metáforas mal amarradas: “Ela é louca? Ou só parte de mais um delírio do protagonista?”

A trilha sonora, como era de se esperar, é um dos pontos altos. As canções do álbum homônimo embalam o longa com qualidade técnica inegável, criam atmosferas hipnóticas e, em certos momentos, quase salvam a experiência. Mas quando a música é o que mais funciona em um filme, talvez ele devesse ser só um álbum visual e não uma obra cinematográfica.
Outros cantores já se aventuraram no Cinema, com resultados mais bem-sucedidos. Em 1988, Michael Jackson levou fãs às salas com Moonwalker. Em 2016, Beyoncé elevou o padrão com Lemonade, um álbum visual coeso e premiado. A diferença é que esses projetos sabiam o que queriam dizer, algo que a obra de The Weeknd não consegue definir. Falta direção, falta roteiro e sobra pretensão. O que poderia ser uma expansão criativa para o artista vira apenas um experimento confuso, envolto por uma trilha sonora boa demais para a produção que a acompanha.
Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes tenta falar sobre fama, obsessão, identidade e trauma. No entanto, seu maior pecado é não conseguir dizer nada. A estética sufoca a substância, e o ego do protagonista se impõe como a verdadeira força por trás da câmera. A pergunta que Abel Tesfaye parece fazer ao espectador – “Você me entende?” – encontra uma resposta amarga: Não, e pela experiência, nem valeria a pena tentar.