Monique Marquesini
Um ano após o lançamento do brilhante Dancing with the Devil… The Art of Starting Over, Demi Lovato mostra mais uma vez sua potência em começar de novo. Lançado em 19 de agosto, o seu oitavo álbum de estúdio, Holy Fvck, traz a artista retomando suas origens do rock e do punk em arranjos mais pesados. Além das novas sonoridades, é fácil notar uma mudança genuína em Lovato – as fases da vida da cantora são reflexos de seus sentimentos, e parece que em cada uma das 16 faixas do disco ela está realmente se redescobrindo.
Do desejo ao amor e à raiva, Demi explora uma explosão de sentimentos e de energia em cada música. A voz precisa nos agudos e a intensidade nas letras carregadas de experiências pessoais e dolorosas, nos leva a experimentar cada emoção da cantora. A primeira canção é FREAK, uma colaboração com YUNGBLUD e uma abertura perfeita para sua nova fase – já que ela aproveita para satirizar a indústria que tratou seus traumas como piada e a colocou como “freak” (esquisita ou até aberração, em português).
Na sequência das faixas estão os intensos singles SKIN OF MY TEETH e SUBSTANCE, que carregam honestidade e intimidade e que são um ajuste perfeito para a Demi Lovato de Holy Fvck. O primeiro single do álbum, SKIN OF MY TEETH, faz uso de batidas intensas e sons de guitarras fortes – junto a letra em que ela tenta reescrever o período de sua overdose e a recuperação, além de carregar as descobertas dela sem o uso de substâncias. Já no segundo single, SUBSTANCE, a cantora busca criticar a exaustão e ausência de conteúdo na sociedade, e produz um clipe com inspiração na década de 90 e início dos anos 2000. “Demi saiu da reabilitação outra vez/Quando essa merda vai acabar?”.
No geral, a lista de faixas é muito coesa e forte. Na quarta música, Demi mostra uma colaboração feroz com Royal & the Serpent, compondo talvez uma das músicas mais impositivas do álbum – EAT ME. Em um rock punk forte, a letra denúncia como a indústria musical é responsável por moldar artistas para o que é mais vendável. E é nesse momento que a Lovato de Holy Fvck aparece vívida na canção, já que ela não mais ignora sua identidade e essência, mas se permite sentir desde o prazer até a raiva.
Em entrevista para Zane Lowe, Demi Lovato se abriu sobre a sua jornada na recuperação, saúde mental, traumas e sua sexualidade: “Voltei ao tratamento e, quando saí, tinha todo esse trauma não resolvido com o qual eu não havia lidado. E então, quando saí, pensei: ‘Tudo bem ficar com raiva e sentir essas coisas’”. Com certeza, é possível entender como cada um de seus processos pessoais tocam cada música e fazem com que o ouvinte se relacione com as sensações da cantora. Na mesma entrevista, Lovato ainda comenta sobre como se sentiu durante a produção: “Nunca estive tão segura de mim e de minha música, este álbum fala por si só“.
29 é um dos exemplos mais crus dos sentimentos dela colocados em uma música. A faixa aborda o relacionamento de seis anos de Demi com Wilmer Valderrama, que começou quando ela tinha 17 anos e ele 29 – Lovato busca trazer uma pesada e direta mensagem sobre idade e consentimento. No podcast Call Her Daddy, ela conta que, anos após o término, a reflexão sobre a situação vem de um olhar mais maduro, de como mulheres jovens são enganadas por homens muito mais velhos.
Além da pressão de viver sob os holofotes e expectativas, em Holy Fvck Demi explora abertamente sua sexualidade. Com letras eletrizantes e sons dançantes, é visível que ela não teve medo de abraçar suas sensações na escrita. Faixas como BONES, CITY OF ANGELS e principalmente HEAVEN são como celebrações da relação com si mesma e com seu corpo. Em HEAVEN, Lovato fala sobre o tabu da masturbação feminina, e faz até brincadeiras líricas entre a letra e referências religiosas: “Crucificada pela vida que vivo/Oh, meu Deus, espero receber perdão/Indo para o inferno, porque parece o paraíso“.
É do meio para o final das faixas que podemos observar uma Demi falando de amor e ainda assim tocando diversas vulnerabilidades de sua vida. Mas algumas músicas podem soar pouco frustrantes, em contraste com a força das músicas que abrem o álbum – como em WASTED e COME TOGETHER, em que a sonoridade não cativa tanto quem experimentou a veia punk rock de Lovato.
O trabalho da cantora em Holy Fvck é antes de tudo um relato autêntico, potente e ao mesmo tempo vulnerável sobre as feridas de Demi. É bravo vê-la abraçando um renascimento em meio aos sons de guitarra, sua potência vocal intensa e letras emocionantes. O álbum tem uma veia nos primeiros trabalhos da artista em Don’t Forget e Here We Go Again, mas as reflexões cruas e a honestidade inabalável mostram o amadurecimento do som pop-rock adolescente para um hard rock muito bem produzido.
Apesar de terminar em tons mais baixos, muitos sentimentos marcam a experiência da obra de Demi Lovato. Talvez essa seja uma das surpresas mais agradáveis da experiência: o álbum é amargo, picante, ácido, forte e encantador. Diferente de todos os seus trabalhos anteriores, Holy Fvck tem a substância que os álbuns pop de Lovato sentiam falta – a identidade, fúria e autoridade. Não há como esconder suas inspirações, que dessa vez soam mais verdadeiras e intensas. A liberdade de si e de chegar aos extremos – da ira ou da vulnerabilidade –, fazem com que Demi acerte em cheio, expondo seus ápices emocionantes e reencontre sua força nos recomeços.