Ana Laura Ferreira
Carlos Drummond de Andrade uma vez questionou: “o que pode uma criatura senão,/ entre criaturas, amar?”. O que pode então o homem, como criatura que é, senão amar e transformar esse amor em arte? Assim como Drummond discorre, sobre esse sentimento que é entrega e adoração, em Heartbreak Weather (2020) Niall Horan nos presenteia com seus poemas e sua ode ao amor e ao romantismo dignos de Shakespeare. Seu segundo álbum solo, lançado em março, atravessa inúmeras histórias, perspectivas e reviravoltas tão intrínsecas e típicas do amor, quase como em uma releitura moderna do romantismo de Goethe e Byron.
Apesar de revisitar o amor romântico ideal, popularizado no século XVIII, a sonoridade das músicas que compõem o álbum são contemporâneas. O pop mainstream é melhor empregado nesse trabalho de Horan do que em seu primeiro. Flickr (2017) nasceu como um projeto mais experimental e acabou por ser apenas um pequeno pontapé na carreira do cantor que ainda era conhecido como o ex-membro da One Direction. Em Heartbreak Weather, entretanto, Niall encontra suas sonoridade e não se envergonha de trazer uma produção nos melhores moldes do pop.
O clima está propício para corações partidos, mas isso não significa que só de fossa se faz um álbum. Seu começo esperançoso e vibrante contrasta com faixas profundas e densas. Esse emaranhado de emoções – que mudam tão rapidamente quanto o nosso humor durante a quarentena – realçam a sensação de fragmentação e de altos e baixos, tão comuns nos relacionamentos. O sentimento de estar experimentado diferentes fases do amor é a grande ideia que amarra o álbum. Sem uma coesão entre as letras, Horan conta uma história através das emoções.
Durante suas 14 faixas, podemos identificar pelo menos sete narrativas diferentes. Unidas em pares, às vezes em trios, as músicas se complementam criando uma sucessão de encontros e desencontros amorosos ao melhor estilo Idas e Vindas do Amor (2010). Esse agrupamento não é essencial para aproveitar a obra, uma vez que cada faixa é independente. Entretanto, ao olhar para o álbum como um grande apanhado de contos românticos podemos enxergar o contraste entre as ensolaradas Heartbreak Weather e Black and White e as nubladas de Dear Pacience e Bend the rules.
Já no primeiro single, o cantor traz uma vibe animada e dançante que faz parceria com sua antecessora, Small Talk. Enquanto Horan nos conta sobre uma arrebatadora paixão à primeira vista, que desaparece pela manhã, somos envoltos pela batida compassada que remete a um sábado a noite. Também primeira música a ganhar um clipe, acompanhamos o plano sequência dirigido por The Young Astronauts – diretor de Dangerous Woman de Ariana Grande – nessa história não linear, tão bem construída em forma de curta-metragem.
Mas esse clima de excitação e descoberta é rapidamente quebrado por Put a Little Love on Me. A música introspectiva e emocionada propicia o rompimento entre a sensação íntima de seu piano e o turbilhão da guitarra, da faixa anterior. Esse ziguezague sonoro, evidenciado pelas duas canções, é construído durante todo o álbum e pode causar estranhamento em um primeiro contato, mas no decorrer da edificação de Heartbreak Weather as melodias demarcadas dão personalidade a uma obra que poderia facilmente cair na simplificação.
E em meio a tantas histórias de amor, comuns a juventude, No Judgment vem como uma exaltação aos relacionamentos duradouros. Animada, uma melodia pop tão comum nas rádios ganha novas perspectivas ao se alinhar a letra sincera e apaixonante. Esse, que é o último ápice sonoro do álbum, é logo cortado pela dupla melancólica São Francisco e Still. As músicas mais lentas e – podemos dizer – dolorosas encerram o álbum criando um ciclo que será complementado pelas duas primeiras faixa e assim por diante, construindo uma metáfora amorosa através de seus harmônicos altos e baixos.
Porém, mesmo com o carrossel de emoções que constroem o álbum, as faixas mais arriscadas, em termos de sonoridade, foram incluídas apenas como bônus. Nothing adiciona personalidade a narrativa ao acrescentar batidas sintetizadas típicas do rock dos anos 2000. Já em Dess, Horan muda radicalmente ao caminhar pelo country americano, mas não perde sua personalidade.
Sem pretensão de entregar um trabalho grandioso, Heartbreak Weather se concentra em transmitir emoções nessa narrativa cíclica e conflituosa. Altos e baixos, encontros e desencontros, amor e desamor. Perspectivas distintas dos mesmos acontecimentos, filtrados por diferentes corações, constroem histórias pessoais e íntimas que mostram um amadurecimento de Niall Horan como compositor. Aqui, o romantismo de Shakespeare ganha uma nova perspectiva, moderna e acessível a todos que a escutam.