André Dal Corsi
“Desce daí agora!”, disse o bombeiro. Eu, inconformado: “Por quê? Qual é!!!”. “Só desce!”, retrucou um dos seguranças.
Desci. Com certeza era o fim! Achava que não teria a oportunidade de subir no palco naquela noite. Afinal, se eu escalasse de novo nos ombros do Vitor, poderia ser retirado de perto do palco no show da minha banda favorita. Mas eu estava errado, extremamente errado. O motivo? Me precipitei. Ninguém seria convocado aquele hora. Não era o último verso, e isso aconteceria somente nos próximos minutos…
Nem parecia que aqueles intermináveis sete anos finalmente tinham acabado. Esperava desde 2010 para prestigiá-los novamente. Em 2012, a turnê da trilogia Uno, Dos e Tré foi cortada pela metade após a internação do vocalista Billie Joe Armstrong por conta do abuso de álcool e remédios controlados. A esposa do baixista Mike Dirnt estava lutando contra um câncer. Foram quase quatro anos sem novidades.
Mas, em 2016, o álbum Revolution Radio foi lançado. Com energia renovada, a banda iniciou a turnê norte-americana e, após quase um ano na estrada e alguns boatos, a América do Sul finalmente estava na rota do Green Day. Surtei. Comprei o ingresso logo que as vendas começaram. Pista premium garantida. “Isso realmente vai acontecer?”, me perguntava incessantemente. Algo bem no fundo da minha alma dizia que o show seria épico.
No dia do show, de ressaca, arrumei a mochila com duas camisetas, uma calça, cueca e meias limpas. Havia marcado carona com uma amiga, Carolina, mais conhecida como Miss. Ela também estava de ressaca e mal tinha dormido aquela noite. Resolveu sair duas horas depois do combinado. Achei justo, mas fiquei ainda mais ansioso: afinal, os caras do Green Day já se encontravam em solo brasileiro há alguns dias, e até onde eu sabia, a fila da arena já estava enorme naquela sexta-feira ensolarada.
Saímos, então, para buscar o Vitor. Vitor era o mais alto e forte de nós (guarde isso). Com seus quase um metro e oitenta de altura, o rapaz com cara de criança tem cabelos lisos e usa óculos de grau quadrados. É daquele tipo de pessoa que gosta de conversar mas tem seus momentos de quietude. Ele comprou o ingresso de última hora, mas tinha bons pressentimentos: “Ir nesse show vai ser um marco na minha vida. Muito simbólico!”.
Com todos já acomodados em seus assentos, partimos para São Paulo. Foram 3 horas de muito Green Day, CPM 22, NxZero, blink-182 e Raimundos, todas bandas simbólicas na minha vida. Era incrível lembrar tudo que passei ao som delas. Cada música de punk/pop punk que tocava remetia a um momento especial. blink-182 e Green Day foram minha porta de entrada para o punk rock. Apesar da discussão sobre sua legitimidade, é certo que conheci muito mais sobre o gênero por meio deles. Aprendi a tocar bateria e formei banda por conta do Tré Cool, o baterista do Green Day. Ouço a banda desde 2007 – 10 anos depois, o encanto ainda não tinha morrido.
Chegamos em São Paulo. Lá, encontrei mais dois amigos: Simas e Carol. Planejamos, eu e Vitor, como eu subiria no palco: “Vitor, eu subo nos seus ombros e você me ergue na hora que eu disser, ok?!”. Rimos. Afinal, aquilo era ridículo. Mas não custava nada tentar.
As horas passaram e entramos na Arena Anhembi. Não nego que o lugar é insatisfatório. A galera paga muito caro e não tem comodidade alguma. Imagina um lugar parecido com um estacionamento, só que gigante e com um palco bem no final. Imaginou? Agora coloque 25 mil pessoas nele, sem arquibancadas superior e inferior. Era o público do show do Green Day naquele dia. Muita gente não conseguiu sequer enxergar…
A banda de abertura foi o Interrupters, grupo de ska punk da Califórnia liderado pela vocalista Aimee Interrupter. Amigos próximos do Green Day, foram trazidos para abrir todos os shows da turnê latino-americana. O quarteto vestia roupas típicas do guarda-roupa dos skinheads: camisas brancas, calças pretas, coturno e suspensório preto. Mesmo que as músicas não possuíssem muita diferença entre si (alô, Ramones!), a performance foi satisfatória, muito por conta da presença de palco. Pagaria para ver um show solo se retornarem.
Como era esperado, o empurra-empurra nos levou para perto da passarela onde Billie Joe, Mike Dirnt e Jason White caminhariam naquela noite. A ansiedade dos fãs – e a minha também – era enorme, uma vez que demoram tantos anos para voltar ao Brasil. O começo foi digno de uma banda clássica. Apesar de o microfone de Billie Joe estar praticamente inaudível, a multidão me levava sem esforço algum para frente e para trás. “Know Your Enemy” já dá oportunidade ao primeiro fã. Ele sobe, canta e pula do palco. Rápido assim! Logo em seguida, emendam com a enérgica e frenética “Bang Bang”, uma canção digna dos velhos tempos punk rock do trio. Sete anos mais velhos, a energia parecia a mesma. O Green Day finalmente estava de volta a São Paulo.
Em poucos minutos, cantamos em uníssono clássicos como “Holiday” e “Boulevard of Broken Dreams”. Nessa, um momento marcante: o vocalista capturou a bandeira do orgulho LGBTQ+ e a prendeu em seu pedestal. Os pontos negativos, contudo, não poderiam deixar de aparecer. O setlist foi um tanto pecaminoso durante esta turnê. Com muitas músicas “manjadas”, poderia ter sido melhor. Cadê as músicas da trilogia de 2012? Não é de hoje que muitos fãs renegam “Know Your Enemy”, por exemplo. Outro ponto importante: por vezes, a banda gasta muito tempo com firulas, como os hey oh do vocalista.
Na sétima música, Tré começou seu gingado na bateria. A levada de jazz de Mike deu a sequência. Era “Longview”! A música em que Billie Joe sempre chama alguém pra cantar – e essa eu realmente sabia! Mas sabia, também, que era praticamente impossível. Imagina só, 25 mil pessoas naquela arena e logo eu seria o escolhido?
Conforme combinado com o Vitor, subi em seus ombros, mas não era a hora. Enquanto a música rolava, levei um esporro de um bombeiro e fiquei com medo de subir de novo. A música rolando, os acordes e batidas trovejando e eu não conseguia sequer curtir; pensava somente no que fazer pra chamar a atenção de Billie Joe. Até que…
“Ok, agora eu preciso de alguém para cantar o último verso. Eu preciso de um cantor de jazz, por favor!”
Enquanto eu pensava demais, Vitor me ergue num movimento ligeiro. Para não cair, Simas, Miss, Carol e não-sei-mais-quem me seguram pelos lados. Um segurança e um bombeiro, putos da vida por eu ter feito de novo, tentam me fazer descer. Mas dessa vez era diferente, pois eu não estava me importando mesmo. Coloquei meus óculos escuros e meu boné. Comecei a berrar. Billie ficava passando e olhando para os lados. Eis que, num momento, ele olha para mim e diz: “Você bem aí! O cara de cabelo cacheado? Ok, você. Venha, venha, venha!”
Meu Deus do céu!!! Aquilo não poderia estar acontecendo. Não mesmo. Como que isso foi acontecer justo comigo?! Ele me chamar??? Capaz!
Mas era real. Billie Joe Armstrong tinha me escolhido. Estava surtando, mas consegui chegar até o palco. Abracei o Billie e o Mike, fiz massagem nos ombros do Tré, e assumi os vocais do Green Day por uns instantes. Por fim, o show deveria continuar. Seguindo as instruções de Billie Joe, pulei do palco e fiquei lá na frente, sem reação. Só pensava como aquilo tinha acontecido. Eu estava atônito.
A acústica do palco era esquisita, eu não tava ouvindo nem minha voz (pula para os três minutos se não quiser ver tudo)
Uma galera veio falar comigo, mas eu estava em choque. Não tinha reação. Um flashback passava pela minha cabeça naquele momento: a primeira camiseta do Green Day que vesti em 2007, quando a Testa, minha amiga de escola, me emprestou. As músicas que decorei. Os álbuns que baixei com muito esmero e revezava no meu mp3 de 1 gigabyte. Os clipes que vi estreando na televisão e caçava no YouTube, ainda em seus primórdios. Amizades que fiz por causa da banda… Tudo mesmo. Todos os momentos passaram pelos meus olhos em questão de segundos.
Aí, mais uma surpresa: sete músicas antigas. Eles finalmente inovaram o setlist. Eu estava atônito. “Canto com eles, pulo do palco e eles trazem essa sequência de clássicos?!”, pensei. Voltei para perto de meus amigos, abracei todos e quase chorei. Um sonho realizado, finalmente. Obrigado, Vitor, Miss, Carol, Simas, além do pai e filho desconhecidos que me ajudaram.
E o show continuou, agora um desfile de clássicos para os fãs fervorosos: “When I Come Around”, “Welcome to Paradise”, “Basket Case”, “St. Jimmy”, “King For a Day”... Era o Green Day mostrando sua juventude, apesar dos 45 anos explícitos nas marcas de expressão. Além das palhaçadas de Cool, rolou até um “Garota de Ipanema” no saxofone e medleys esquisitos dos Beatles.
Houve, ainda, um bis com “American Idiot” e “Jesus of Suburbia”, esgotando de vez todas as minhas energias no fim de mais uma passagem por São Paulo. Pulei, dancei e berrei. Ao fim e ao cabo, uma chuva de confetes vermelhos e brancos pintou o céu. Pegar um daqueles durante os últimos acordes foi simbólico. Espero que eles não demorem mais 7 anos pra voltar!
Engoli a inveja seco pra conseguir ler .. Parabéns !